Fortaleza Nobre | Resgatando a Fortaleza antiga : Zé Tatá
Fortaleza, uma cidade em TrAnSfOrMaÇãO!!!


Blog sobre essa linda cidade, com suas praias maravilhosas, seu povo acolhedor e seus bairros históricos.

 



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segunda-feira, 18 de maio de 2015

O Curral das Éguas por Descartes Gadelha



Em 1990, o desenhista Descartes Gadelha, trouxe a tona e reviveu o mundo oculto do "Curral" (o "Curral das Éguas") dos Anos 30; do Arraial Moura Brasil dos Anos 40; do "Cinzas" dos Anos 50; do "Pirambú" dos Anos 60; do "Farol" dos Anos 60 e 70; do "Centro" de todas as décadas das do 1900's. Descartes conseguiu captar em suas telas, com coerência e representatividade, a mudança social de cenário do tráfego metropolitano dos anos 70 e condensar os efeitos da "mídia" dos anos 80 e reuniu tudo isso na Exposição "De um alguém para outro alguém".

Segundo Descartes: O termo "De um alguém para outro alguém", foi colhido na década de 60 na Amplificadora Brasil (instalada na região do baixo meretrício chamada "Curral das Éguas", no bairro do Arraial Moura Brasil), popularmente chamada de irradiadora e que prestava importante serviço de comunicação à comunidade.

Era comum ouvir-se mensagens sonoras como estas:

"Esta linda página musical vai de um alguém para outro alguém que está muito arrependido" ou "esta mimosa joia musical é uma solicitação de um alguém para outro alguém que oferece ao seu próprio coração ferido e que outro alguém sabe quem é".

Gadelha narra suas impressões sobre o meio ambiente de prostituição do qual tem referência desde pequeno, quando morava na Castro e Silva, rua circundante da zona considerada promíscua.


Destoando da opinião geral, Gadelha sempre observou os habitantes do curral pelo lado filosófico - como ensinava seu pai - um místico que via naquele lugar um estágio da condição humana ou da evolução de algumas pessoas. Ultrapassada a barreira do preconceito foi mais fácil conviver sem remorsos ou cobranças com as mulheres que sobreviviam das casas de recursos e com a nostalgia de ruas, vielas e casas bem pintadas rodeadas pelo mar, luar, a Estação de trem, a Santa Casa de Misericórdia, o Passeio Público e a antiga Cadeia pública.

Do "Curral das Éguas", Descartes captou a alma das prostitutas, dos bêbados, dos gigolôs e dos agenciadores de garotas que formavam uma grande família uma espécie de tribo urbana a abrigar as mulheres imprestáveis às grandes pensões. Descartes relembra a trajetória percorrida pelas meretrizes nos lupanares. "As prostitutas de antigamente, ao contrário de hoje, praticamente não tinham escolha. Depois do defloramento não seguido do casamento as mulheres eram obrigadas a sustentarem-se e a única opção eram as pensões ou casa de recursos".

Zé Tatá de baiana ajuda seu amigo "Tereza" com os adereços. Carnaval de 1942

A via crúcis seguida pelas "meninas" era guiada, inexoravelmente, pela decadência. "Elas começaram nas grandes pensões como a Fascinação, na esquina da Senador Alencar com Castro e Silva que tinha como marca registrada a música Fascinação na voz de Carlos Galhardo. Outra casa considerada "classe A" era a Hollywood, onde se encontrava as novidades que apareciam na praça. Garotas com 18 anos, recém-acolhidas pela dona da pensão. Da Fascinação e Hollywood as mulheres desciam para a América, Los Angeles ou Califórnia. De lá para o Zé Tatá ou o Oitão Preto, quando as mulheres atingiam 25 anos, já estavam no Curral.
"Esse movimento de decadência e de descida era natural e encarado como inevitável", afirma Gadelha. No Curral, elas arranjavam velhos para sustentá-las até mais ou menos uns 35 anos e, depois disso, tornavam-se cafezeiras, boleiras e executavam pequenos serviços. As prostitutas, segundo a pesquisa empírica, com base na vivência de Gadelha, nunca morriam velhas. "Elas não passavam dos 50 anos, talvez pelas condições de vida, alimentação e, principalmente, pela grande quantidade de bebida que consumiam".
Na hora da morte, conta Gadelha, revelava-se o momento mais fraterno e religioso da comunidade. Quando a companheira não tinha dinheiro para ser enterrada, as prostitutas se cotizavam e iam deixar o dinheiro na seda da amplificadora Brasil que passava todo o dia tocando a Ave-Maria, de Shunbert, na voz de Vicente Celestino. O código era tão perfeito que ao se ouvir a música, todos no Arraial sabiam da morte da prostituta, a ser velada na Capela de Santa Terezinha, construída pelas mulheres-damas, hoje o único marco referencial da extinta comunidade.



A extinção do "Curral das Éguas" e a dispersão de seus moradores foi causada pela expansão da cidade e a construção, na década de 70, da Avenida Castelo Branco, a conhecida Leste-Oeste. Segundo Gadelha, não havia necessidade da destruição do Curral. "O Curral era uma tradição da cidade, o lado romântico e ingênuo da prostituição, muito diferente das casas de hoje".

O fim das vilas e das casas de madeira, papelão ou sacos plásticos, que delineavam o quadro surrealista, digno de Hieronymus Bosch e Peter Bruegel, deslocou seus habitantes para outras regiões da cidade também conhecidas zonas de prostituição como o "Farol do Mucuripe", a Barra do Ceará e algumas ruas do centro. Com o deslocamento, frisou o pintor, foi desmantelada toda a organização social da cidade e houve um estágio de decadência generalizada das prostitutas.

Nos anos 60, não se ouvia falar em cocaína. Usava-se pouca maconha e muito álcool.

Segundo Gadelha a prostituição é fenômeno comum a todas as sociedades. Desde tempos imemoriais. Assim, de antemão, estamos todos redimidos dos currais e faróis que ameaçam com sifilítica pestilência os alicerces morais de nossa civilização ocidental e cristã. Convenhamos, porém, que nós soubemos acrescentar perversos, ingredientes a esse fenômeno social, tornando imoral o que poderia ser apenas amoral.
A prostituição nasce da hipocrisia de famílias ditas austeras, virtuosas, mas que encorajam a iniciação sexual dos seus filhos com criadinhas trazidas do Interior. Nasce do machismo que ainda condena ao limbo, em certos meios, a mãe solteira. Nasce da pobreza absurda em que vivem milhões de brasileiros, amontoados em completa promiscuidade, sem teto, sem pão, sem lei e sem grei.


Antiga rua Santa Terezinha no Arraial Moura Brasil - Demolida para passagem da Av. Leste-Oeste


Descartes mostra a "zona" e também os frutos do seu ventre: os meninos de rua que se atiram ávidos sobre o carro, onde um casal burguês aguarda apenas o sinal abrir para dar as costas novamente à miséria. O desdém da mulher que lê o horóscopo e do seu acompanhante, escondido atrás de escuras lentes, é o mesmo da nossa sociedade.
Diante dos dramas humanos que nos cercam, preferimos mergulhar na quimera do zodíaco, no mundo do faz-de-conta, onde a solução de todos os problemas está escrito nas estrelas. Confrontados em colocar um par de óculos escuros e pisar fundo no acelerador, deixando para trás a cinza, a esquina, o beco, o farol, o curral, ou qualquer outro lugar onde se diz que a mulher leva vida fácil. Ou vida alegre.

DESCARTES GADELHA
(Fortaleza – CE 1943)

Desenhista, pintor e escultor. Participou de importantes mostras coletivas, destacando-se “A Paisagem Cearense”, no MAUC-UFC (Fortaleza – CE 1963), “Pintores do Nordeste”, no Museu do Unhão (Salvador – BA 1963), “Lirismo Brasileiro” (Tel-Aviv 1965), “O Circo”, no paço das Artes (São Paulo – SP 1978) e “12 Artistas de Seis Países Latino-Americanos”, na Casa do Congresso de Angostura (CaracasVenezuela 1982). Obteve prêmio no XIV Salão Municipal de Abril (Fortaleza – CE 1964), nos I e II Salões Nacionais de Artes Plásticas do Ceará e no 1º Salão de Artes Plásticas do BNB-Clube, todos em Fortaleza (CE), nas décadas de 70 e 80. Individualmente, realizou diversas exposições, destacando-se em importância: Galeria Goeldi (Rio de Janeiro – RJ 1966), Galeria Samambaia (São Paulo – SP 1968), Instituto Goethe (Salvador – BA 1974) e as expressivas mostras “Catadores do Jangurussu”, no MAUC-UFC (Fortaleza –CE 1986), “De um Alguém para Outro Alguém”, também no MAUC-UFC (Fortaleza – CE 1990) e a mega-exposição “Cicatrizes Submersas” – com mais de 100 pinturas a óleo de média e grande dimensões, além de esculturas, cerâmicas, gravuras e desenhos, retratando a saga do beato Antônio Conselheiro nos sertões do Nordeste do Brasil e seu epílogo em Canudos -, realizada no Palácio da Abolição (Fortaleza – CE 1997) e posteriormente, em 1999, na reinauguração do Museu de Arte da UFC, local onde as obras se encontram, incorporadas ao acervo do museu por doação do próprio artista. Numa linguagem expressionista, Descartes Gadelha retrata em sua obra a cultura, a religiosidade e os problemas sociais comuns ao Ceará, sua terra natal, e ao Nordeste do Brasil.

(Fonte: Firmeza, N. & Montezuma, L. Dicionário das Artes Plásticas do Ceará. Fortaleza: Oboé, 2003)

Crédito: http://www.mauc.ufc.br/
Telas: Descartes Gadelha



quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Quem passou no carnaval que passou



Passou o carnaval que passou e passou o Bloco das Baianas, rapazes de pernas cabeludas, saias de chitão, batas e turbantes de panos brancos, argolas nas orelhas, colares de contas multicores e maquilagens ridículas.


O cordão das "coca-colas" - Arquivo Nirez

Passou o Carnaval que passou e passou o Cordão das Coca-colas, de rapazes tão animados, risos rasgados nos lábios de batom Naná e semblantes de festa, com bigode e tudo. Eles parodiavam um recente fenômeno local, originado pela Segunda Guerra Mundial.

Estandarte do Maracatu Estrela Brilhante em 1953 - Acervo do blog Ong-Solar

Maracatu Estrela Brilhante em 1953 - Foto Nação Fortaleza


Passou o Carnaval que passou e eu vi passar, com os olhos da saudade, o Maracatu Estrela Brilhante e o Maracatu Rancho de Iracema e o Maracatu Az de Espadas e o Maracatu Az de Ouro e o Maracatu Rei de Paus. E fiquei eletrizado por aquele ritmo soturno e cadenciado marcado pelos ferros dos triângulos e as batidas surdas dos bumbos e tambores. E segui sua rainha, imponente e garbosa, altiva, magnífica e com ela fui, pela Senador Pompeu, pela Duque de Caxias, pela Floriano Peixoto, até a Praça do Ferreira onde, ao pé da Coluna da Hora, o meu sonho acabou: o maracatu esvaiu-se, com seus membros retornando à insignificância de suas próprias e pobres vidas. Sumira o alvo sorriso no rosto negro da rainha,  o ritmo emudeceu, os penachos foram atirados ao chão de mosaicos frios. Era como se uma rara peça de biscuit caísse e se fragmentasse em mil padacinhos.


Impossível acreditar que essa era a rua Senador Pompeu de antigamente. Fartamente arborizada com fícus-benjamins podados em forma de meia esferas, era tranquila e bucólica, com suas moradias conjugadas. Na pavimentação de concreto passava o Carnaval. Quando Fortaleza tinha carnaval.

Como sofri com aquela perda...

Passou o Carnaval que passou e senti o cheiro do "cloretil" que ardeu nos meus olhos de menino curioso, que não quis usar os coloridos "óculos" de cartolina e celofane que os garotos da rua faziam para vender...

Raridade, frasco de lança-perfume Rodouro (Rhodia), provavelmente anos 60.

O lança-perfume era comum nessa época. Podemos visualizar alguns foliões segurando o frasquinho nesse Baile de Carnaval do Ideal Clube. Foto da década de 30/40. Acervo de Marcelo Bonavides de Castro
Passou o Carnaval que passou e o concreto da rua Senador Pompeu ficou coloridinho de confete e as serpentinas tremelicavam sobre o verde dos fícus-benjamins. E passou o Zé Pereira que a ninguém faz mal. E passou um castelo medieval feito de "pedras" de papelão e areia prateada, com suas ameias e torreões e o mulherio da Fascinação, de guarda...

Passou o Carnaval que passou e quem passou foi o Mazine e sua famosa "vedete" de lantejoulas douradas sobre o maiô preto, meias de rendão negro, tentando esconder os músculos das pernas peludas e o grotesco dos óculos "fundo de garrafa", disfarçados pela máscara do Zorro com "chorão" e tudo.
E os sapatões à Carmen Miranda...


Passou o Carnaval que passou e passou Airtinho, na exuberância da sua juventude, "puxando" as Meninas do Barulho, que já passaram...

Prédio do Clube Iracema - Arquivo Assis de Lima
E passaram damas chiques e cavalheiros elegantes para o baile do Clube Iracema, que já passou e gente circunspecta, para o Clube dos Diários, no Palacete Guarany...

Clube dos Diários funcionando no Palácio Guarany
Passou o Carnaval que passou e passou gente do povo, para as batalhas de confete. E passou gente animada no corso de automóveis, na Duque de Caxias...

Vi o Carnaval da Vitória. E vi semblantes iluminados, na euforia do fim da guerra que já passara. E todos sorriam. E todos cantavam. E as serpentinas eram mais coloridas e os confetes eram mais fartos. E moças lindas e rapazes atléticos e garbosos, sentados sobre suas amplas capas, nos capôs dos Packards, Buicks, Fords, Oldsmobiles, Hudsons, Jeeps. E vi sorrisos nos rostos descontraídos e mãos para o alto, ostentando os Rodouro que perfumavam a folia...

Imagem meramente ilustrativa
E passaram pierrôs e passaram colombinas. E, espreitando na esquina da Broadway, arlequins choravam. Oh, jardineira, por que estás tão triste? Por que o sol estava quente e queimou a nossa cara?...


E passou um homem bigodudo, vestido de mulher, com os peitos de quengas. E passou um grupo de papangus. E passou Zé Tatá (foto ao lado), com sua baiana paquidérmica. E passou Beatriz, com sua gigantesca princesa do maracatu. E passou o Rei Momo, primeiro e único, com sua Rainha do Carnaval, que era moça de família, coisa que também já passou. E a sala do trono era um jipe Land Rover, que não passa mais...

Passou o Carnaval que passou e passou a mais exótica escola de samba do mundo, a Luiz Assunção, que estava mais para banda marcial do que para G.R.E.S. Mas, ninguém reclamava, pois o padrão Globo de qualidade ainda não existia, nem o gênio Joãozinho Trinta havia conseguido decifrar as "mensagens fenianas" da Pedra da Gávea. Por isso, no palanque da PRE-9, João Ramos (que também já passou) pedia aplausos calorosos para a Escola de Samba Luiz Assunção, com seu impecável "pelotão" de músicos ( a escola compreendia apenas os músicos) vestidos à militar, com dólmãs e quepes. Imponentes e garbosos, pareciam os autênticos generais da banda, os instrumentos de sopro refletindo o sol daquelas tardes de fevereiro: "Adeus Praia de Iracema/Praia dos Amores que o mar carregou..."

Arte sobre foto do sambista Luiz Assunção, pertencente ao arquivo Nirez 
Arte: Felipe Goes
Passou o Carnaval que passou e passou a Turma do Camarão e passou a Turma Bamba e passaram os Garotos do Frevo. Quem passou, também, foi o Prova de Fogo, que ainda teima em passar, imutável, com suas fantasias de cetim barato salpicadas de lantejoulas, e os chapéus que parecem penicos de alumínio Ironte. E a marcação mais cafuçu do mundo...


A turma do Camarão - Arquivo Nirez

Prova de Fogo - Arquivo Nirez
Passou o Carnaval que passou e passou a raia miúda e passou o canelau e passou o arrabalde, com seus estandartes de pobreza, saudando a "imprensa falada e escrita" e pedindo passagem. Pois eram eles quem melhor sabia passar no Carnaval...

Passou o Carnaval que passou e passou Benoit, a Rainha das Rainhas , disputado por todos os maracatus, mas, com passe exclusivo do Az de Espadas, que já passaram...

Passou o Carnaval que passou e passou a descontração dos rapazes do Cordão das Cola-Colas e as animadas baianas e passaram as "elegantes" Marietas, que não mais passarão. E passou o Zé Tatá e passou Beatriz que não tornarão a passar...

Passou o Carnaval que passou e passou Airtinho, tão jovial, tão belo, com seu sorriso de criança. Que nunca mais voltará a passar...

Porque os clarins da folia tocaram silêncio...   


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Livro Royal Briar - Marciano Lopes
Foto do Zé Tatá - Arquivo Totonho Laprovitera

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