Fortaleza Nobre | Resgatando a Fortaleza antiga : Abrigo central
Fortaleza, uma cidade em TrAnSfOrMaÇãO!!!


Blog sobre essa linda cidade, com suas praias maravilhosas, seu povo acolhedor e seus bairros históricos.

 



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sexta-feira, 17 de junho de 2011

Os rabos de burro



O primeiro grupo de motociclistas a ficar famoso no Ceará era formado por um mais bem comportado grupo de dissidentes dos famigerados ‘Rabo de Burro’ que eram desordeiros (filhinhos de papai) que andavam de carro na Fortaleza dos Anos 40’ e infernizavam a vida de mocinhas inocentes da antiga Escola Normal.

Postal Escola Normal

Na Década de 50, no Pós-Guerra alguns fortalezenses herdaram equipamentos de guerra que não seriam mais usados pelos americanos quando da época da base militar que estava instalada onde é hoje a Base Aérea de Fortaleza. O lugar era chamado de Post Comand que, mais tarde, virou nome de um bairro em Fortaleza chamado PICI. Na realidade Pici é a forma fonética de falar, em inglês, as letras ‘P’ e ‘C’.

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No meio dessa sobra de materiais tinham algumas ‘Harley’ e uns Jipes. Muitos garotos pegaram essas motos em precário estado de conservação e as recuperaram e, junto com as lambretas, nascia o primeiro grupo de motociclistas do Ceará, que também foi apelidado de Rabos de Burro, mesmo não sendo arruaceiros e nem infernizarem as mocinhas decentes. Na realidade o nome nem era esse. Em vez de rabo usavam um nome mais pejorativo, formado por duas letras, as quais não ouso redigir aqui.

O abrigo lotado

Eles se encontravam no antigo Abrigo Central, que ficava onde hoje se está a Praça do Ferreira. Na realidade podemos também afirmar que o Abrigo Central teria sido o primeiro shopping center do Ceará.
Segundo a jornalista e historiadora, Roberta Maia, dar um “pulinho” no Abrigo Central era quase sagrado para muitas pessoas que viveram em Fortaleza até o final da década de 1960. Relembrar o “Velho Abrigo”, construído na administração do prefeito Acrísio Moreira da Rocha, em 1949, para ser um ponto de ônibus, não é muito esforço para quem passou ali muitos momentos da juventude.


Ir àquele espaço incrustado na Praça do Ferreira era essencial para finalizar bem o dia, depois da jornada de trabalho. O Abrigo Central era o ponto de encontro. Se você queria encontrar um amigo, você podia ficar ali à espera que aquele amigo tinha que passar. Mas, além disso, podia ainda namorar e concorrer aos sorteios de carro que aconteciam ali.

Abrigo à noite

O Abrigo tinha ainda casas de merenda, loja de discos, loja de selos, tabacarias, cafés, confeitaria, engraxates. Para seu Mário Cidrack Filho, 62, que, ainda criança, trabalhava com seu pai na confeitaria que levava o sobrenome da família, o Abrigo “era a referência”. Ele explica que “lá dentro do Abrigo tinha de tudo”.
Lá também era possível encontrar outras delícias da culinária, como as vitaminas, sucos e sanduíches. Abacatadas, sucos de cajá, graviola, tamarindo, eram pedidos durante todo o dia nas várias casas de merenda (lanchonetes, para os paulistas). Mas, para o acompanhamento nada melhor que um “cai-duro” ou um “espera-me no céu”. Pois é, tinha até a famosa bananada do ‘Pedão da Bananada!’

Pedão da bananada em frente ao Abrigo

O Abrigo Central acabou, foi destruído para dar lugar a Praça do Ferreira onde fica a Coluna da Hora e anos depois os garotos viraram pais e avôs, mas nunca deixaram a paixão pelas motos. 


Texto maravilhoso de Luis Sucupira do site:http://motonlinersbrazil.wordpress.com

quarta-feira, 30 de junho de 2010

Praça do Ferreira - De beco do cotovelo à Coração de Fortaleza


PRAÇA DO FERREIRA - VISTA PANORÂMICA

Falaremos do principal logradouro de nossa Capital. Durante todo o Século XX, a Praça do Ferreira, que partindo do antiquíssimo Beco do Cotovelo, foi transformada em uma praça que a princípio foi chamada de Feira Nova. Teve também a designação de Largo das Trincheiras; em 1859 Praça Pedro II e depois de urbanizada em 1902 na gestão do intendente Guilherme Rocha recebeu o nome de Jardim Sete de Setembro, que não era na verdade o nome da praça, mas da parte urbanizada, pois antigamente cada praça tinha um nome e seu jardim tinha outro. Em 1881, após a morte do Boticário Antônio Rodrigues Ferreira, a Câmara Municipal deu ao logradouro o nome de Praça do Ferreira em sua homenagem, mas em 1890 o Conselho da Intendência achou por bem retirar os nomes de pessoas de todas as ruas, avenidas e praças da cidade, recebendo as ruas numeração e as praças nomes como a Praça Municipal, novo nome da nossa Praça do Ferreira, mas durou pouco e no mesmo ano volta a velha nomenclatura.

A vista antiga foi publicada no livro "Brasil", do fotógrafo Peter Fuss, editado em Berlim com o apoio do Touring Club do Brasil, em 1934 e mostra a Praça do Ferreira vista de cima do Excelsior Hotel no sentido sudeste, vendo-se, além da Coluna da Hora, bancos e jardins, o canto do cruzamento da Rua Pedro Borges com Rua Floriano Peixoto, que tem na esquina a loja "A Cearense", vizinha à Padaria Lisbonense.

Além da Praça do Ferreira a vista mostra coisas interessantes como - direcionando-se a visão da esquerda para a direita - vemos as costas do prédio da Companhia Telefônica, por trás dela um circo armado, a Praça dos Voluntários com o velho prédio do Liceu do Ceará; mais ao longe a Igreja da Piedade e o Colégio Dom Bosco; o Colégio Cearense do Sagrado Coração; a Igreja do Coração de Jesus; o prédio do Pio X; o mosteiro dos frades capuchinhos; o prédio da Associação dos Chauffeurs do Ceará; o quartel da Polícia Militar e mais distante os morros de Paupina, Ancuri e Itaitinga.

A foto atual, tirada do mesmo local, mostra quase o mesmo ângulo já com muitas diferenças, ocorridas nesses 76 anos. Queremos aqui agradecer a gentileza do Dr. Janos Fusezzi Júnior, cônsul da Hungria, herdeiro de Emílio Hinko e residente no 3º andar do Edifício Excelsior, sem a qual não nos seria possível conseguirmos a foto atual do mesmo ângulo da antiga. O fotógrafo foi Osmar Onofre.

As lojas que circundam a praça já são outras excetuando-se a "Leão do Sul", que ali está desde a década de 1920. À distância já vemos pouca coisa, pois os prédios de concreto armado ou "cidade vertical" formam um tapume que nos impede ver o que víamos antes, mas na brecha entre os edifícios vemos ainda a Igreja do Coração de Jesus - que já não é mais a antiga que ruiu em 1957 e foi demolida - e nada mais. Os prédios que nos impedem de ver a paisagem são o Edifício Portugal, que fica no primeiro quarteirão da Rua Pedro Borges; por trás dele o edifício do INAMPS (antigo IPASE), na Praça dos Voluntários; o Palácio da Imprensa (edifício Perboyre e Silva, da ACI), o da Seguradora Brasileira e o Edifício Raul Barbosa, que foi sede do Banco do Nordeste de Brasil - BNB.

PRAÇA DO FERREIRA DE 1940 E DE 1991

A praça do Ferreira em 1850 era apenas um largo de areia frouxa com alguns cajueiros rodeada de casebres beira-e-bica onde se destacavam apenas os sobrados do Comendador Machado, construído em 1825 e o do Pacheco, de 1831, que depois foi sede da Municipalidade. O prédio do Ensino Mútuo ficava na esquina onde hoje fica a Caixa Econômica Federal.

Havia na praça o "Beco do cotovelo", com casas em diagonal, que foi derrubado por Antônio Rodrigues Ferreira, o boticário que chegou a governar a cidade como presidente da Câmara Municipal. Por isto hoje a praça tem seu nome. A praça foi Feira-Nova, Pedro II, da Municipalidade e é do Ferreira desde 1871.

Em 1902 foi urbanizada pelo então intendente Guilherme Rocha que nela fez o Jardim 7 de Setembro. Já existiam os cafés nos quatro cantos. Em 1920 a praça sofreu nova reforma, desta feita na administração de Godofredo Maciel, que retirou os quiosques e mosaicou toda a praça, fazendo vários jardins e colocando um coreto sem coberta. Em 1923 foi colocado outro coreto, este coberto. Em 1933 Raimundo Girão derrubou o coreto e levantou a Coluna da Hora. Em 1949 Acrísio Moreira da Rocha construiu o Abrigo Central. Em 1966 José Walter sem nenhuma consulta popular derrubou a Coluna da Hora e o Abrigo Central e construiu uma praça grosseira, que foi imposta ao povo que nunca a aceitou. Depois a praça foi reconstruída em 1991 pelo prefeito Juraci Vieira Magalhães.

As fotos são: a primeira é de 1934, quando o Excelsior Hotel e o Edifício Granito eram novinhos em folha, os bancos da praça eram extensos, o Edifício São Luiz ainda não havia sido iniciado, funcionando em seu lugar a Casa Amadeu, e o quarteirão da Rua Guilherme Rocha ainda existia. A Segunda foto é da década de 1940, quando o edifício São Luiz já estava em construção, mas o quarteirão da Guilherme Rocha já não existia e o Abrigo ainda não havia sido construído e os bancos da praça já eram menores.

A terceira foto é da época da odiosa
Praça do José Valter, de caixotes enormes de concreto e foi batida por Nirez.

RUA MAJOR FACUNDO NA PRAÇA DO FERREIRA

A foto antiga data do início do século passado. Mostra uma cidade pacata, com todas as características de uma cidade de interior, com a tranquilidade de seus habitantes e seu comércio com pouco movimento. Ruas calçadas com pedras toscas, esgotos cobertos com tábuas, trilhos dos bondes de tração animal, calçadas irregulares tanto na largura como na altura, ausência do meio-fio, postes de madeira, alguns de ferro, combustores de iluminação a gás carbônico e ausência completa de carros.

Trata-se do quarteirão da Rua Major Facundo na Praça do Ferreira, aquele onde hoje fica o Cine São Luiz. Na esquina ficava o "Maison Art-Nouveau", logo após a Agência de Loterias Nacionais, seguindo-se "O Menescal" e outras lojas que não é possível identificar na foto. A "Maison" surgiu em 1907, era café, bar, confeitaria além de vender artigos para copa e cozinha. O proprietário era Augusto Fiúza Pequeno e José Rola. Foi por trás desta loja que funcionou, em 1908, o primeiro cinema da Fortaleza, o cinematógrafo do italiano Victo Di Maio. No mesmo local estiveram depois a "Maison-Riche", o Restaurante Chic, A Pernambucana, a "Broadway", a Rouvani e hoje está a Tok-Discos.

A Segunda foto é da praça do prefeito José Walter, quando ainda havia passagem de carro pela Rua Major Facundo. Nada do que existia na foto antiga existia mais a não ser o céu e o subsolo, ambos já bastante poluídos. Já existia a Tok-Discos, seguida de estabelecimentos comerciais dos mais variados.

A terceira foto, colhida pela objetiva de Osmar Onofre, mostra uma praça bem melhor que a da segunda foto, com este calçadão para os pedestres e os postes da nova iluminação. A poluição continua e por falar em poluição, o centro de Fortaleza está um inferno em poluição sonora. Além das lojas vendedoras; de discos, os alto-falantes nas lojas em geral chamando os clientes e os odiosos carros com serviços de som e o que não entendemos, o serviço de alto-falantes nos postes com o falso nome de "FM Centro", autorizado pela Prefeitura que assim rasga o próprio Código de Obras e Posturas.

PRAÇA DO FERREIRA - JARDIM SETE DE SETEMBRO

A Praça do Ferreira era antigamente o "Beco do cotovelo" cortando o campo em diagonal. O resto era uma grande área de areia de tabuleiro com alguns cajueiros, rodeado de pequenas casas, destacando-se apenas os sobrados do comendador Machado e do Pacheco. Nascido em 1801, chega em 1825 a Fortaleza como caixeiro de Manoel Caetano de Gouveia, o boticário Antônio Rodrigues Ferreira, que fundou uma botica que era onde fica o Duda's Burger.

Em 1842 foi eleito presidente da Câmara Municipal e como tal aumentou as ruas de Fortaleza dando-lhes um traçado antes defeituoso.

Acabou com o "beco do cotovelo" criando a praça que no início foi chamada de Feira Nova e hoje tem o seu nome. Ele morreu em 1859, sendo sepultado no Cemitério de São Casimiro, onde hoje é a estação central da RFFSA, sendo seus restos trasladados em 1880 para o Cemitério de São João Batista. Em 1871 a praça passou a denominar-se Praça do Ferreira.

Em 1902 houve a primeira urbanização da praça, com a construção de um jardim cercado de colunas entremeadas de grades de ferro ocupando pequeno espaço em frente ao hoje Cine São Luiz. É deste jardim que trazemos a foto mais antiga, vendo-se, ao fundo, de costas, o Café Elegante, que ficava de frente para o cruzamento da Rua Pedro Borges com Rua Floriano Peixoto.

O jardim inaugurou-se no dia 7 de setembro de 1902 e passou a denominar-se "Jardim 7 de Setembro". Era realmente um belo jardim, como pode ser visto na foto.

A Segunda foto é da praça de terrível mau-gosto implantada em 1967 pelo então prefeito José Walter Cavalcante, cheia de blocos de concreto que servia de trincheiras no caso de uma revolta.

A terceira foto é mais atual e felizmente a administração de Juraci Magalhães em 1991 demoliu o "monstrengo" e construiu a atual praça.

Saiba mais: No passado, foi cercada por mongubeiras que serviam para amarrar animais que traziam do Interior as mercadorias para abastecer o comércio local. Vendia-se de tudo nas calçadas: frutas, camarão seco, pente fino, calças de mescla, espelhinhos, toalhas de rosto, retoques de algodão, e nylon, pó de arroz e revistas velhas. Deste núcleo central, o arquiteto Adolfo Hebster constituiu a malha urbana da cidade.

Hoje, a Praça do Ferreira ainda funciona como centro de encontros, passeios e comércio. Camelôs com seus CDs e DVDs, vendedores com carrinhos de lanche, amadores, músicos e artistas são alguns dos personagens que cruzam o espaço atemporal da praça. Também há aqueles que preferem sentar, conversar ou tirar uma soneca nos intervalos do trabalho, sentados nos bancos da praça sob a sombra das árvores e o som do barulho do centro da cidade.

O lugar sofreu uma série de reformas ao longo do tempo. Dentre elas, em 1932, o coreto foi substituído pela Coluna da Hora, com seu relógio que servia de orientação para toda a cidade. Sua inauguração foi no início de 1934, sendo demolido em 1969. Porém, em 1991, foi inaugurada a versão moderna da Coluna da Hora com a última reforma da praça.


Sobre Antônio Ferreira Rodrigues: O Boticário Ferreira, nasceu em Niterói em 1801 e por volta de 1925 conhece a Manoel Caetano de Gouveia, Cônsul de Portugal, o qual o trouxe para o Ceará, como seu caixeiro. Com 21 anos de idade e com adiantada prática de Farmacologia, obtida na sua terra natal e suas receitas salvaram a mulher de seu protetor, que o ajudou a obter da Junta Médica de Pernambuco licença para montar uma botica e se estabelecer. Em pouco tempo, o boticário Ferreira tornou-se popular pela sua caridade e sociabilidade. Em 1927 casou-se mas nunca teve filhos. Envolveu-se na política e viu-se continuamente eleito para a Câmara Municipal. Dedicou-se inteiramente a política de Fortaleza, durante os 18 anos que foi vereador e procedeu ao levantamento da planta urbana da cidade de Fortaleza. Construiu algumas praças, alargou ou ratificou o alinhamento de outras, deu grande impulso a Santa Casa de Misericórdia e realizou tantas obras de importância para a cidade que é considerado o seu primeiro urbanista. Demoliu o Beco do Cotovelo construindo ali a grande praça que levaria o seu nome. Morreu em 1859, aos 60 anos.


Crédito: Fortaleza de Ontem e de Hoje, Arrudeia Ceará

sexta-feira, 18 de junho de 2010

O bonde (V) Benfica - Igreja dos Remédios



Bonde elétrico da Light - Benfica -Arquivo Assis Lima

O bonde tinha seus apetrechos necessários, utilizados para o desenvolvimento de seu maquinismo. A começar pela “lança”, colocada na parte superior do bonde que por sua vez se ligava ao cabo que fornecia a eletricidade para mover o bonde, afora as demais peças e instrumento capaz de impulsionar, baixar e aumentar a velocidade, que quando atingia o máximo dizia na compreensão vulgarizada - o “bonde ia a oito pontos” o que significava ter atingido a velocidade máxima. Além disso tinha dois motores - um em cada extremidade do vagão (do bonde), porque quando chegava no término da linha, o motorneiro virava todos os bancos e a “lança” - uma haste com grosso cabo colocada por um carretel no fio para receber eletricidade e correr sobre o mesmo; após a chegada ao término do percurso faziam pequena parada enquanto subiam e desciam os passageiros. Iniciava o itinerário com o outro motor onde estavam acoplados manivelas e relógios registradores e demais peças impulsoras e geradoras do movimento sobre os trilhos. Além do relógio que registrava o número de passageiros em cada seção, era munido de sineta, que quando acionada anunciava a descida do passageiro, cujo cordão percorria os dois lados e se situava na parte superior de entrada do elétrico (teto).


Uma das ruas do bairro Benfica, vendo-se o trilho do bonde em 1937

Havia algumas linhas - bondes que utilizavam os mesmos trilhos até certa distância do percurso e, por isso os desvios das linhas eram feitos por duas linhas paralelas ao lado, para dar ultrapassagem ao outro bonde; como era o caso do bonde da linha Jacarecanga e Soares Moreno. Um seguia reto pela Guilherme Rocha, o Soares Moreno entrava à direita na Rua Teresa Cristina. E, para que não utilizasse a mesma linha, ao mesmo tempo, interrompendo a ultrapassagem, faziam desvio na própria linha, passando um pelo outro sem nenhum impasse. Em certos desvios havia uma espécie de agulha que virava a posição do trilho. Os bondes eram invariavelmente pintados de cor verde escuro, quase verde garrafa, cujo centro de cada fachada, se encravava um holofote com avantajado diâmetro que projetava a luz à grande distância.
Os estribos ou plataformas serviam de degrau para passageiros que se apegavam como arrimo aos pés. Os balaústres, hastes de madeira afixadas às cantoneiras dos bondes, serviam para auxiliar o passageiro no embarque e desembarque do bonde.

Linha do bonde do Benfica na Av. Visconde de Cauipe, 1943 - Arquivo Nirez

Diz Ary Bezerra Leite - História da Energia no Ceará, Pág. 66/67: “A empresa inglesa constituída com o exclusivo objetivo de operar no Ceará tinha sede em Londres, na New Broad Street No 42. Nos contratos, a empresa indicava como seu escritório, em Londres, o No 4, no London Wall Buildings. O capital inicial era de 400 mil libras e sua diretoria composta por C. Hunt, A. A. Campbell Swinton, E. B. Forbes e Sir Howland Roberts. Para administrar a empresa, em Fortaleza, é contratado Hugh Mackeen, nascido no Ceilão, filho de banqueiro, cedido ao Ceará pela Santos Improvements Co., de São Paulo. Ele seria o primeiro gerente local e teve papel decisivo na realização das obras iniciadas a 9 de maio de 1912.”

No primeiro momento, há preocupação de entender claramente os riscos que estavam assumindo em terra brasileira. Nos arquivos da Light, encontramos um expressivo documento, que não traz identificação do autor ou a quem é dirigido, com o seguinte teor:

“Pela lei estadual no 1008 de 19 de agosto de 1910 foi a Câmara Municipal de Fortaleza autorizada a prorrogar por trinta e cinco annos o prazo do privilégio concedido à então Empresa Ferro-Carril do Ceará, devendo esta, para gozar da prorrogação, substituir a tracção animal pela electrica, regulamentando no seu novo serviço segundo as práticas consagradas nas principais cidades do País.
Usando da autorização da lei citada, votou a Câmara Municipal a lei de 5 de maio de 1911, prorrogando por trinta e cinco annos o privilégio da Empresa Ferro-Carril do Ceará, sob a condição de substituir a tracção animal pela electrica. Dita lei (Art. 2) autorizou ainda o Intendente Municipal a mandar lavrar o contracto de prorrogação e expedir o regulamento necessário ao novo serviço.
Em data de 12 de maio de 1911 foi lavrado o contracto e a 8 de junho do mesmo anno expedido o regulamento, approvado ulteriormente por uma lei municipal.
Este, indo além do contracto, criou obrigações novas para a Empresa, não constantes deste; entre outras enumeramos: Art. 9, submeter annualmente à approvação da Intendência o horário das tranvias, salvo quando o intervallo no trajecto dos carros for menor de 15 minutos; Art. 10, fazer circular os carros de passageiros de primeira classe até onze horas da noite, excepto na linha do Alagadiço, cujo último carro a sair da cidade será às 10 horas da noite; Art 11, fazer circular além de carros de primeira classe, carros de segunda classe ou mistos, com horário approvado pela Intendência, rebocados pelos de primeira classe.
Em 6 de junho de 1912, foi o contracto transferido do primitivo concessionário, Sr. Thomé A. da Motta, para a Ceará Tramway Light & Power Co. Ltd.
Essa transferência foi approvada pela Intendência Municipal, mediante termo, no qual a concessionária se obrigou a cumprir os compromissos constantes do contracto de 12 de maio de 1911, sem se fazer allusão ao Regulamento de 08 de junho do mesmo anno”.


Bonde Benfica, raro registro do início séc. XX - Acervo de Fidelino Leitão de Menezes

Dessa vez vamos pegar (apanhar) o Bonde BENFICA - Igreja dos Remédios, que fazia a linha sul da Cidade - no bairro Benfica. Saía da Praça do Ferreira em frente a Rotisserie - hoje Caixa Econômica Federal - Rua Floriano Peixoto, Guilherme Rocha, General Sampaio, Avenida da Universidade, antiga Visconde de Cauipe, até a esquina da Rua Adolfo Herbster, esquina da Universidade com término em frente à Igreja de Nossa Senhora dos Remédios quando inicia a Av. João Pessoa.
O trajeto era feito desde a Praça do Ferreira, lado oeste, da Rua Floriano Peixoto - passava em frente ao Bar Jangadeiro - casa de lanches e sorvete do comerciante Luís Frota Passos, casado com a professora de dança clássica, balet, Regina MacDowel. Nesse local funcionou tembém a Farmácia Faladroga, muito conceituada no seu tempo, hoje vários armazéns de tecidos. Nos altos do prédio funcionou por longos anos a muito afamada alfaiataria e camisaria - do estimado italiano Salvador Cunto. No mesmo quarteirão, antes de chegar à Rotisserie, se instalava a grande sorveteria - “Eldorado” - hoje dependência da Caixa Econômica Federal. Dobrava à esquerda na Rua Guilherme Rocha, local onde existiam várias casas comerciais e depois foram demolidas para dar lugar ao Abrigo Central, fato ocorrido na segunda administração do Dr. Acrísio Moreira da Rocha, quando também se registrou a retirada dos bondes (1947). A demolição do Abrigo Central pelo prefeito José Walter Cavalcante iniciou nova Praça do Ferreira, a qual foi demolida para fazer um retrospecto da antiga Praça do Ferreira e voltar ao status de antes, com o arquiteto Delberg Ponce de Leon e Fausto Nilo (também compositor).

Bonde na Av. Visconde de Cauhype (atual Av. da Universidade). 
Arquivo Luis Alencar

O bonde do Benfica seguia numa reta pela Rua Guilherme Rocha até chegar na Rua General Sampaio, em cuja esquina permaneceu por longos anos o famoso Bar Americano, iniciado por Benício Sampaio e substituído por seu irmão Salomão Benício Sampaio, conhecido pela venda da apreciada bebida de origem indígena - por nome aluá - bebida fermentada, feita de arroz, milho, pão, abacaxi em infusão na água adoçada com rapadura ou açucar ou, ainda, açucar mascavo e condimentada com gengibre e erva doce. A particularidade da preferência por essa bebida por muita gente, e até pelos alunos do Liceu, é que quando ingerida com pão, logofermenta enchendo o estômago para substituir uma refeição, para os menos favorecidos da sorte. Tem como originário da língua bunda, ou língua dos bundos, africano ou tupi, que durante o ano inteiro era vendida e consumida em grande quantidade, por ser apreciada pelo agradável sabor aromático. Na época do inverno e na safra do milho o Bar Americano vendia também a canjica e a pamonha (guloseima de milho envolvida na palha do mesmo, cozida na água fervente e servida com café).
O Bar Americano era ponto de convergência para os apreciadores das músicas nacionais, porque lá existia uma eletrola americana tamanho grande de marca “AMY” que pegava 20 discos de cera e acionada por um dispositivo que fazia girar o disco da preferência do freguês, cujo pedido musical era feito automaticamente e podiam ser ouvidos os ritmos samba, xaxado, xote, baião, e do cancioneiro romântico, desde Vicente Celestino, Ataulfo Alves, Chico Alves, Noel Rosa, Luís Gonzaga, Lauro Maia (cearense), Erivelto Martins, Dircinha e Linda Batista, a Sapoti - Ângela Maria -, Nora Nei e tantos outros cantores da época de 40, 50 e 60. Iguais a essa eletrola - havia em Fortaleza apenas mais 4 (quatro), uma no Passeio Público, outra no Bar do Ferreira - na Rua Dr. João Moreira, detrás da Cadeia Pública, outra no Curral das Éguas - no Bar Expedito Brás e a última no Bar do Afonso - na Praça de Parangaba, segundo me contou Monsueto Benício Sampaio, filho do dono do Bar Americano, que por certo saberá de boas histórias para contar do Bar das multidões que marcou época. Era também ponto de parada obrigatória para os que iam ao Bar Americano bebericar e eram moradores do Bairro Benfica, que ali apanhavam o bonde para se dirigir às suas moradias. Mas tudo acabou quando o famoso bar cerrou suas portas em 1965, deixando órfãos os amantes dos variados ritmos, desde os sambas de breques de Jorge Veiga, o mais plangente do cancioneiro Augusto Calheiros, e Araci de Almeida, para os que se sentiam momentaneamente “guampudos”.
Quando o bonde dobrava à esquerda na Rua General Sampaio, seguia em linha reta, até ultrapassar a Praça Clóvis Beviláqua, antiga Praça da Bandeira, onde se encontra o prédio da Faculdade de Direito do Ceará, "de onde fui aluno e concluí meu curso de Direito".
Ainda permanece ao lado direito da Rua General Sampaio (lado da sombra) e da Faculdade de Direito, a mais luxuosa mansão - do Barão de Camocim - Geminiano Leite Barbosa, suntuosa por suas linhas arquitetônicas - considerado o mais rico solar da época, por ser o único a ostentar, para atender a comodidade da família, um elevador para o único pavimento superior, o que lhe dava mais conotação à sobriedade e à aristocracia da época. Havia, como natural, outras casas de razoável conforto nas ruas General Sampaio e Visconde de Cauipe - hoje, Av. da Universidade, a começar pelo solar da família do Dr. Rufino de Alencar - o primeiro sobrado do lado direito (sombra) de quem percorre a Av. da Universidade - antiga Visconde de Cauipe - que tem no 1806, onde se acha instalado o Palácio Maçônico Dr. Luís Moraes Correia - Fortaleza 3, esquina da rua Meton de Alencar, e tantas outras como o palacete do Dr. Roberto Nepomuceno, Dr. Edmar da Costa Barroso, etc. O Colégio Fortaleza, Colégio Santa Maria, Santa Cecília, Colégio Americano, Solar Frota Gentil, hoje Reitoria, e Clube dos Sargentos, hoje desativado.
O passageiro ilustre do bonde da linha do Benfica é o Dr. Rufino Antunes de Alencar Junior - nascido em Fortaleza no dia 26 de julho de 1879, filho do Dr. Rufino Antunes de Alencar, pernambucano, e de D. Quitéria Dulcinéia Gurgel de Alencar.
Formou-se em medicina na Faculdade do Rio de Janeiro. Defendeu tese sobre “Hérnias inguinais e seu tratamento”. Fez parte do Corpo de Saúde da Armada Nacional, com assistência no Ceará, médico do Hospital Geral da Santa Casa de Misericórdia. - Dicionário Biográfico - Barão de Studart, pág. 132 (3o Vol.).
Residia no palacete da Av. Visconde de Cauipe no 1806, esquina com a rua Antônio Pompeu, onde hoje se acha instalado o Palácio Maçônico - Dr. Luís Moraes Correia Loja 3, primeiro imóvel da avenida acima mencionada. Ao chegar ao fim da linha - Igreja Nossa Senhora dos Remédios com Adolfo Herbster, o bonde virava a lança e bancos para fazer o itinerário de volta à cidade. Fazia o mesmo trajeto pela Av. da Universidade e na Rua General Sampaio entrava à direita na Rua Clarindo de Queiroz, seguindo por detrás da Igreja do Carmo - antiga do Livramento, para entrar à esquerda na rua Floriano Peixoto até chegar na Praça do Ferreira - cuja parada inicial se dava na Rotisserie para iniciar a Rua Guilherme Rocha.
Assim, caros amigos, mais um passeio agradável no bonde Benfica, para ver a gruta de Lourdes da Igreja Nossa Senhora dos Remédios, ou deixar uma colaboração no Dispensário dos Pobres, que servia de abrigo para os velhinhos pobres desabrigados.
O bairro do Benfica era considerado um dos mais elegantes bairros da cidade, porque servia de residência das mais importantes famílias - daí seguia para o vizinho bairro das Damas - antigo Barreiros, com residências de importantes famílias como a do Dr. Álvaro do Couto Fernandes, Gustavo da Frota Braga, Agapito Sátiro, Prof. Otávio Farias Sabóia, Lauro de Oliveira Cabral, José Abreu Pita Pinheiro, Tenente Joaquim Olimpio Bezerra de Menezes, Dr. Antônio Bonifácio, Edgar Leite Ferreira e família Nepomuceno, e assim tantas famílias que perlustram na nossa memória e permanecem para guardar as imorredouras saudades do tempo que não volta mais porque tudo virou cinzas, menos nós, eternos amantes desta cidade, que despertamos com o Astro Rei e adormecemos embalados pela prateada Lua.

Abalroamento do bonde Benfica com camioneta
 Cronologia Ilustrada de Fortaleza de Nirez

Zenilo Almada

Advogado

lança - A lança, conforme é explicado no decorrer do texto, é um tipo de captador de energia, dentre os três gêneros mais utilizados em bondes, lança, arco e pantógrafo.

instrumento capaz de impulsionar, baixar e aumentar a velocidade - Trata-se do acelerador, conhecido no Brasil pelo nome de manivela.

“... a oito pontos” - Ou “no ponto oito”. Esta expressão deve-se ao fato de que o movimento da manivela aceleradora, acionada pelo motorneiro, era dividido em oito posições sincopadas, sendo o ponto 8 o de maior velocidade.

o motorneiro virava todos os bancos e a “lança” - O procedimento de virar a lança e os bancos ao contrário é aplicado quando o ponto final se dá numa extremidade de linha sem continuação, e o bonde retorna sem dar meia volta. Os bondes, geralmente, tinham “duas frentes” (ou duas “cabeças”), ou seja, as duas extremidades providas de controles, de modo que uma “frente” passava a ser a “trás”, e vice-versa, de acordo com o sentido em que o veículo se deslocasse. Não sei se em Fortaleza os pontos terminais eram todos assim, mas há casos, também, em que o bonde, ao chegar ao ponto final, faz a “circular”, isto é, a linha faz a volta. Em linguagem ferroviária geral, esse tipo de retorno é chamado de “pera”, talvez por lembrar a forma do contorno da fruta do mesmo nome. Outra alternativa, menos comum que o retorno pela mesma linha e a “circular” ou “pera”, é o triângulo de manobra, uma disposição de linhas composta de três desvios (dispostos como vértices de um triângulo), de modo que o bonde pode manobrar, entrando por uma curva, a seguir recuando e, por fim, entrando pela outra curva em sentido contrário, de frente, para a mesma linha de onde viera. Há também - mais raro ainda que o triângulo - o “girador” (usado com certa freqüência em ferrovias de trens, para girar locomotivas), que consiste num dispositivo giratório com um segmento de linha na parte superior, na qual o veículo entra, é girado e, em seguida, volta à linha, voltado em sentido contrário.
sobre o mesmo - Pode-se dizer sobre o fio, dando-se a entender que o carretel (ou “carretilha”, ou “trolley”) corria encostado ao fio; mas fazia-o por debaixo, ou sob o mesmo.
outro motor - Cumpre aqui esclarecer sobre algumas questões de nomenclatura: a) Motores: Na verdade, o articulista está-se referindo, neste caso, aos controles e não aos motores. O controle é que pode ser usado ora de uma, ora de outra extremidade do bonde, de acordo com o sentido de marcha. Os motores, propriamente ditos, são os motores elétricos de tração, instalados junto aos rodeiros (eixos com as rodas) - aos quais transmitem o movimento, por meio de engrenagem - e à estrutura à qual são acoplados os mesmos. Realmente podem ser dois, ou quatro, embora os bondes de truque único (quatro rodas) nunca tenham mais de dois, um em cada rodeiro (eixo com rodas). Bondes de dois truques (oito rodas) podem ter dois ou quatro motores. Embora seja possível rodar com parte dos motores, os bondes trafegam, normalmente, com todos os motores - sejam dois ou quatro - ligados, independente do sentido de marcha, sendo que cada controle não é conectado apenas ao(s) motor(es) próximos à extremidade que lhe cabe, mas a todos. b) Relógio registrador: Conforme o próprio texto explica em seqüência, trata-se do dispositivo que, acionado pelo condutor (cobrador das passagens), marcava o número de passageiros cobrados, por intermédio de um cordão (disposto ao longo, geralmente acima, de outro cordão, o da sineta - ou campainha - de solicitar parada do veículo, mencionada adiante, no texto). Não era, portanto, um dispositivo de acionamento eletro-mecânico. A manivela - já comentada -, esta sim, atua no acionamento da propulsão.
Em certos desvios havia uma espécie de agulha - Agulhas: Na verdade, os desvios sempre têm agulhas; os cruzamentos simples é que não precisam delas.
horário das tranvias - “Tranvia” é o mesmo que bonde.


Veja também:

Crédito: Artigo publicado no Diário do Nordeste - Fortaleza.
Ceará - Domingo, 29 de dezembro de 2002
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