Fortaleza Nobre | Resgatando a Fortaleza antiga : Tipos folclóricos
Fortaleza, uma cidade em TrAnSfOrMaÇãO!!!


Blog sobre essa linda cidade, com suas praias maravilhosas, seu povo acolhedor e seus bairros históricos.

 



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domingo, 13 de abril de 2014

Especial Fortaleza 288 Anos - Amor de pesquisador



MINHA FORTALEZA

Parabéns Fortaleza Minha
Tua memória não morrerá
O pesquisador te abraçará
Nunca ficarás sozinha

                                Assis Lima

"Objetivando criar uma feitoria na Índia (Ásia), e garantir domínio português, foi organizada por Portugal uma respeitável esquadra com 13 navios e 1.500 homens, sob o comando de Pedro Álvares Cabral e que, deveria respeitar o TRATADO DE TORDESILHAS assinado entre Portugal e a Espanha. Havia limites aos territórios que a partir de então fossem descobertos pelos dois países, onde fora estabelecido uma linha imaginária em que, 370 léguas ao oeste do arquipélago de Cabo Verde ficariam com a Espanha e a leste seria de Portugal.

A Europa tomou conhecimento da existência do Brasil, quando em 2 de janeiro de 1500, o olhar pioneiro do navegador espanhol Vicente Ianez de Pinzon captou as dunas do que seria o Siará Grande, porém, devido ao tratado de 1494, a descoberta oficial devia ser dos portugueses, coisa que só aconteceria na Bahia aos 22 de abril de 1500. Pedro Álvares Cabral que, não era bom navegador, mas, era Cavaleiro da Ordem de Cristo comandava a esquadra portuguesa, que além da missão de estabelecer uma rota comercial com a Índia, ele deveria no caminho desviar-se para a direita no Oceano Atlântico, e foi quando chegou ao litoral do Novo Mundo.

A principio as novas terras não despertaram muito interesse, porém, para garantir aos portugueses a posse da terra diante da ameaça representada pela presença dos navios estrangeiros, a partir de 1530 foi resolvida a colonização do Novo Mundo, através de um Governador Geral e a criação das capitanias hereditárias, cuja do Ceará, foi entregue ao donatário Antonio Cardoso de Barros que, nem chegou a tomar posse. 

Naquele momento, a coroa portuguesa estava concentrada nas riquezas asiáticas e africanas, porém, no litoral descoberto, a presença do Pau-brasil da qual se extraia tintura para tecidos, oferecia uma das poucas possibilidades de exploração econômica para os comerciantes portugueses. Portugal logo estabeleceria o monopólio real sobre essa riqueza e, arrendou o direito de exploração a um grupo de comerciantes portugueses, liderado por Fernando de Noronha. Nasceu assim o bonito nome BRASIL, a terra mais rica do mundo.

Como pesquisador curioso, quero Através deste opúsculo revelar um erro que, se comete com a nossa história. Cristóvão Colombo (italiano de Gênova) saiu e no caminho com um maremoto não sabia mais para onde ia; quando chegou não sabia onde estava e, quando voltou não soube onde esteve. Estando na América em outubro de 1492 pensou estar na Índia. Assim os verdadeiros nativos americanos, erroneamente foram chamados de índios. 

Voltemos ao Vicente Pinzon. Tomás Pompeu Sobrinho e outros historiadores renomados afirmaram ser: “O Cabo de Santa Maria de La consolacion, o Rostro Hermoso era a Ponta Grossa ou, Jabarana no Município de Aracati. Já o historiador Francisco Adolfo de Varnhagem defende que, o local visitado pelos espanhóis era a Ponta do Macorie, nome este encontrado no mapa das capitanias hereditárias em 1574. Posteriormente a nomenclatura Macorie sofreu modificações terminando em MocoripeMucuripe
José de Alencar, o romancista diz que, essa palavra vem de Corib “Alegrar” e Mo vem do verbo Monhang, tornando o ativo passivo. Talvez Alencar referiu-se aos morros, por ter causado alegria aos navegantes. Alencar concordou com os estudos, ratificando as conclusões de Adolfo Varnhagem.

Em 1603, Pero Coelho de Souza, português natural de Açores, munido da bandeira de Capitão-mor, chegando ao Ceará, não conseguiu se instalar no Rostro Hermoso tendo em vista, os nativos oferecerem resistência. Os habitantes primitivos da provável ponta do Mucuripe, aos poucos foram sendo dominados pelos invasores e, com a imposição da cultura lusa, esse povoado foi se adaptando à civilização, porém, por amor aos morros, ao navegável riacho Maceió e a calma oferecida pelo iodado vento leste, preferiram viver isoladamente, tendo a Caça e Pesca como produtos de consumo e exportação. 


Aos 20 de janeiro de 1612, Martins Soares Moreno nas margens do Rio Siará, (Barra do Ceará), fundou o Forte São Sebastião*, mas a cidade só se expandiu com o estabelecimento da ocupação holandesa, que levou Matias Beck a construir na margem esquerda do Rio Pajeú, no monte Marajaituba (próximo a Santa Casa e Passeio Público) um Forte que, recebeu o nome de Schoonemborch, como homenagem ao holandês Governador de Pernambuco

Aos 13 de abril de 1726, por Ordem Régia foi instalada pelo Capitão-mor Manuel Francês a Vila da Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção do Siará Grande e, assim começou a crescer a Loura de Sol e Branca dos Luares, embora eu concorde com o historiador Raimundo Girão que, a data seja 10 de abril de 1649, com o erguimento do Forte. Esse mais de meio século excluído, já foi motivo de polêmicas política a e religiosa, pois, a Coroa portuguesa não admitia Fortaleza ser fundada por Matias Beck, que era holandês e Protestante (Calvinista). Com a expulsão dos holandeses em 1654, no local do Forte Schoonemborch, foi construído a Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção, que dá nome a Cidade. 

Seja como for, é notório o engano de se comemorar a festa de Fortaleza, por um ato da Corte, e não porque a cidade nasceu. 

Hoje quando se fala na história de nossa querida Cidade, todos correm para o Forte ao lado da 10ª Região militar, para o Passeio Público, Praça do Ferreira... Falam da existência da Coluna da Hora, Velha Intendência, Abrigo Central, os Coretos, Jardins, e bancos que até eram nomeados. Tinham na Praça do Boticário quatro cafés: Do Comércio, Elegante, Iracema e o Java

É sempre lembrado no começo de cada mês de abril, o Cajueiro da Mentira
Os cines Polytheama, Majestic, Moderno, Diogo, São Luiz, o Rex, Jangada, Art.
No Bairro Farias Brito (Otávio Bonfim) tinha na Rua Teófilo Gurgel o Cine Nazaré; quando foi fechado aumentou a frequência do Cine familiar já na Praça do Bairro ao lado da Igreja Matriz. Em Parangaba tinha o Cine Tupinambá, sem esquecer o Atapu, e o de São Gerardo dentre outros. 

Os saudosistas recordam com tristeza, ao contemplar as transformações paisagísticas por conta da realidade, abominando os crimes contra a memória, que se opõem à sua geografia sentimental. 
Cadê os bondes da Tramway? Os ônibus do Oscar Pedreira instalados em 1928 desapareceram, juntamente com aVila Quinquinha e a casa do Pedro Philomeno, mansões que se situavam no inicio da Avenida Francisco Sá. Onde foram parar os ônibus elétricos da CTC que, com nove carros atendiam a demanda das Avenidas Bezerra de Menezes e João Pessoa? Por que derrubaram a Vila Itapuca na Rua Guilherme Rocha, a Fênix Caixeiral e o Edifício Guarany (Rádio Iracema) na Praça José de Alencar?

Fortaleza já foi palco de diversos acontecimentos cívicos e políticos, classificado como anarquia. Até já se vaiou o sol na Praça do Ferreira, no dia 30 de janeiro de 1942. 
É uma cidade que deixou para trás a presença de personagens populares. Ao paginarmos esta história encontramos oBembém da Garapeira, Chagas dos Carneiros”, “Manezinho do Bispo”, “José Levi”, “Pilombeta”, “Maria Rosa, a velha escrava”, “Pedro da Jumenta” e até mesmo o carisma que foi dispensado ao adestrado “Bode Iôiô”. Em um passado próximo tínhamos oPedão da Bananada”, “Feijão Sem Banha”, o “Burra Preta”, “Zé TáTá”, o “De Menor”,o “Deixa que eu Empurro” , “Bodinho Jornaleiro”, “José do Buzo”, “Coronel dos Bodes”, “O Waldo do Café”, “ O homem do facão”, “Casaca de Urubu, o cobrador”, “José de Sales, bandolinista”, “A Ferrugem”, “Maria Pavão”, “O furacão preto”, “Chico Tripa”, Zé Batata”, “O Cheiroso da Pipoca”, “O Fedorento do Picolé”, “Chapéu de Ferro”, “O Xaveta”, “O Boi sem Osso, e tantos que os anos carregaram. 
Fortaleza era o Xen-iem-iem do saudoso radialista Wilson Machado.


Fortaleza tinha de tudo, e não foi por conta do advento dos planos urbanísticos e projetos de remodelação e aformoseamento. Mesmo recebendo novas técnicas e mudanças de uso do solo, não consegue esconder a segregação, revelando-se uma cidade real com situação desigual. É luxo, é lixo. Com esse crescimento desordenado, vão surgindo áreas de risco. Em locais que outrora fora ocupados por residências estão transformados em comércio, onde, diga-se de passagem, não oferece o menor conforto. O Shopping do Camelô que, por ocupar uma área não urbanizada, recebeu como herança o nome da própria vilela: Beco da Poeira.
Todo fortalezense se orgulha pelo que ainda resta no Centro, pelas belas praias, a ponte dos Ingleses e Estoril. Cantam com orgulho seu hino, e participam civicamente dos festejos alusivos a todos 13 de abril desde 1726.
Bem que podíamos fazer um bolo maior e aumentar o número velinhas...."

Francisco de Assis Silva de Lima


Meu querido amigo e colaborador do Fortaleza Nobre, Assis Lima, é radialista Profissional Registrado e Sindicalizado, Sócio da ACI e Pesquisador.


*Interessante salientar que o nome do Forte São Sebastião não consta em nenhum documento português (Luso), apenas em documentos Neerlandeses. Ao invés disso, encontramos o "Forte do Siara". Os lusos o chamam de Forte do Siara/Seara.  Crédito: J Terto de Amorim


domingo, 3 de fevereiro de 2013

Ceará moleque - Antecedentes Históricos



A palavra moleque é de origem africana e o  Novo Dicionário da Língua 
Portuguesa de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira diz que ela provém do 
idioma Quimbundo onde o seu substantivo significava “negrinho” e o seu adjetivo “indivíduo sem gravidade, ou sem palavra”, ou ainda, “canalha, patife, velhaco”. Ainda, esse dicionário acrescenta que no português do Brasil a palavra passa a significar, também, “menino de pouca idade”.
Contudo, o termoCeará moleque foi cunhado nos fins do século XIX e apareceu pela primeira vez em uma obra literária que tinha a cidade 
de Fortaleza como cenário: o romance A Normalista, de Adolfo Caminhapublicado em 1893. A obra retrata o cotidiano de uma Fortaleza provinciana, habitada por “alcoviteiros e uma gentinha canalha”. Neste romance de cunho naturalista, Caminha tenta criar uma crônica social sobre Fortaleza onde “buscou esmiuçar os detalhes sujos do cotidiano” (Albuquerque, 2000, p.16-17). 
Logo, a alcunha ‘moleque’ indicava aí certa característica cultural do Ceará a ser interpretada negativamente como “canalhismo de província”.

Para Marco Aurélio Ferreira da Silva (2003), o romance de Caminha desenvolve sua trama na Fortaleza do final do século XIX, onde o ambiente provinciano é visto como um “antro de maledicências e coscuvilhice” e onde “a vida social se reduz a um jogo em que todos invadem o privado do outro”
Com este mote é que a personagem principal deste romance, a normalista Maria do Carmo, reclama a Lídia, sua amiga mais próxima, do pasquim chamado A Matraca, que escreveu versos sobre seu envolvimento com o Zuzaestudante de Direito de Pernambuco e que passava férias em Fortaleza: 

Lídia achou graça na versalhada. Ela também já saíra na Matraca. – Um desaforo, 
não achas? Perguntou a normalista indignada. – Que se há de fazer, minha filha? 
Ninguém está livre destas coisas no Ceará Moleque. Não se pode conversar com um 
rapaz, porque não faltam alcoviteiros. (CAMINHA, 1997, p.37).


Na época deste romance, o Ceará figurava na economia internacional como um grande exportador de algodão. As indústrias têxteis europeias começaram a procurar pelo algodão cearense com maior intensidade no período em que foi suspenso o comércio com os EUA, o principal produtor de algodão até então, devido à eclosão da Guerra de Secessão, ocorrida nos anos 1860. Este fator foi fundamental para as transformações sócio-econômicas e culturais por que passou o território cearense, especialmente a capital da então Província, que se urbanizava e acelerava, modificando drasticamente o modo de vida de seus habitantes.

Em Fortaleza Belle Époque, Sebastião Rogério Ponte (2001) conta que nesse período surgiram em Fortaleza lazaretos, hospitais, asilos e cemitérios construídos fora do perímetro urbano seguindo, assim, uma ótica sanitarista – o saber médico social então em constituição – que fazia parte da lógica de remodelação e controle do projeto modernizador para a organização da capital. Na contracorrente desta lógica modeladora, Ponte (2001) identifica a “irreverência popular que se expressava em condutas debochadas e galhofeiras da população citadina”

Tais condutas significaram uma espécie de rebeldia velada, um desvio que se constituiu em contraponto ao “mundanismo chique” que se instaurava na cidade. A época da Fortaleza Belle Époque, em que se tenta afrancesar os costumes da cidade é, ironicamente, aquela em que uma grande seca assolou o Ceará, coalhando a periferia da capital de retirantes esfomeados enquanto a burguesia se empoava e tomava chá. É também a época em que um grupo de debochados intelectuais, dentre os quais o próprio Adolfo Caminha (o padeiro Felix Guanabarino), funda a confraria denominada Padaria Espiritual. 
Reunidos em torno do periódico O Pão, que buscava levar o pão do espírito a quem dele necessitasse, os espirituosos jovens debochavam, inclusive, do fenômeno absolutamente europeu das próprias confrarias e grupos de letrados que pipocavam pela cidade.


A compulsão popular pelo deboche e pela sátira era uma questão relevante para Fortaleza naquele período, e prova disso é, de acordo com Ponte (2001), a existência de “tantas referências a uma incorrigível ‘molecagem’ pública presente na cidade a partir do final do século XIX”. O autor encontra estas referências à molecagem do cearense na literatura, justamente no já citado A Normalista; em revistas de moda e atualidades como a Jandaia (1924) e a Ba-Ta-Clan (1926); e nos escritos dos memorialistas Otacílio de Azevedo
Herman Lima e Raimundo de Menezes, que descreveram o cotidiano fortalezense do início do século XX.

A praça em 1963 - Arquivo O Povo

Num destes registros, Herman Lima (1997), no seu livro Imagens do Ceará, publicado em 1959, nos indica o lugar onde tal propensão popular ao deboche, ao escárnio ou aos ditos espirituosos exercia-se com maior intensidade: a Praça do Ferreira. O ensaísta Abelardo F. Montenegro, citado por Lima (1997), considera este logradouro, como a “sede social do Ceará Moleque”, nela “funciona cotidianamente uma escola de humor, em que professores e alunos permutam sofrimentos por gargalhadas, preocupações por cascalhadas” (apud 
Lima, 1997, p.54). 
Foi num dos cantos da praça, mais especificamente no Café Java, que Antonio Sales, o padeiro-mor Moacir Jurema, Rodolfo Teófilo (Marcos Serrano) e outros companheiros fundaram a Padaria Espiritual.

Raimundo de Menezes (2000), em seu Coisas que o tempo levou: crônicas 
históricas da Fortaleza antiga, publicado originalmente em 1936, relata acontecimentos e curiosidades sobre os tipos populares – o Chagas, o Pilombeta, o Tostão, o Manezinho do Bispo (foto ao lado), o Casaca de Urubu, o Tertuliano, o Bode Ioiô e o De Rancho – que habitaram a capital no início do século XX. Dentre estes, Menezes (2000) destaca o Bode Ioiô como “um dos tipos mais populares e queridos da Fortaleza de outrora (...) era uma espécie de mascote da capital daqueles tempos, uma figura obrigatória na pacatez da cidade provinciana” (p.183). Segundo ele, Ioiô “representa bem a imagem do espírito irreverente e 
profundamente irônico dos filhos desta gleba heroica de sofrimento” (p.185). 


Na sua obra de crônicas, Fortaleza Velha, João Nogueira relata que, em certo culto religioso no ano de 1922, um moralista alertava aos de boa índole: “Não se queixem do automóvel nem de certas novidades de que está cheia a Fortaleza, mas do Ceará moleque, que tudo acanalha e desrespeita” (apud Silva, 2003, p.22-23). Para a moral e os bons costumes, geralmente desprovidos de humor, a molecagem deve ser banida, pois que toda irreverência é associada à canalhice.

A referência a uma molecagem do cearense ou ao ‘Ceará moleque’ se encontra presente em outros escritos como O Cajueiro de Fagundes de Tristão de Alencar Araripe Júnior (1909); nos pasquins Ceará Moleque – Revista Caricata (1897) e O CharutinhoJornal Amolecado (1900). Digno de nota é igualmente o relato jornalístico da vaia ao sol na Praça do Ferreira. No ano de 1942, após longa estiagem e sem uma nuvem sequer que prenunciasse chuva no horizonte, os fortalezenses indignados e sem outra ação possível passaram a vaiar o astro-rei, que permaneceu impávido, na certa pensando que o que vem 
de baixo não lhe atingia.


Também cabe lembrar que este atributo de identidade cultural não é oriundo da elite erudita, que preferiria antes ser identificada aos traços importados da cultura européia. Embora seja muitas vezes por esta retratado, como no romance de Caminha, sua origem deve ser encontrada junto às classes populares, menos abastadas financeiramente, mas ricas de um humor peculiar e pouco sutil. 
A estética do grotesco, de que fala Bakhtin em sua obra sobre a cultura popular no Renascimento, está viva na Fortaleza de antanho e igualmente no mundo midiático de hoje em dia. Por ser identificada às classes populares e à sua estética particular, não é de estranhar o sucesso que tal imagem tem nos meios de comunicação de massa, onde há o império absoluto do grotesco, do bizarro, do exagero. É terreno fértil para a criatividade extravagante e sexualmente escrachada de homens, mulheres e homens travestidos de mulheres (digna de nota é a presença majoritária entre os humoristas locais de caricatos transformistas que atendem por nomes tais como Aurineide, Escolástica e Raimundinha).   
Em síntese, existe uma construção histórica e simbólica do ‘Ceará moleque’ que não vem de hoje. Trata-se de uma invenção social que foi e é simbolizada coletivamente, fazendo parte do imaginário cearense e do imaginário sobre o cearense. 


Crédito: A identidade cultural em tempos liquefeitos: o ‘Ceará moleque’ e 
a contemporaneidade - Francisco Secundo da Silva Neto/Marcio Acselrad 




terça-feira, 3 de julho de 2012

Tipos de Fortaleza



No final do século XIX e primeiras décadas do século XX ficaram famosos em Fortaleza “tipos populares” que riam e faziam rir de qualquer coisa jocosa que acontecesse nas ruas – daí tal comportamento, profundamente censurado pelas elites e classes médias, ter ganhado a alcunha de “Ceará Moleque”, expressão inclusive existente já à época.
Os tipos populares eram na maioria das vezes pessoas pobres, desocupadas ou sem trabalho fixo, depauperadas e maltrapilhas, que perambulavam pelas ruas, apresentando aparência ou comportamentos “excêntricos e cômicos”. Entre eles, destacaram-se:
(…) O “Casaca de Urubu”, que em 1915 causava rebuliço público quando ouvia coro de pessoas entoarem “casaca de urubu… bu… bu” – lutara na Guerra de Canudos quando moço e chegou a ser oficial de justiça, sendo expulso do emprego por ser epiléptico. O “De Rancho”, que munido de uma velha carabina desativada saía pelas calçadas gritando e “metralhando” os pedestres – inclusive o automóvel de um presidente estadual que, assustado com o “atentado”, mandou que o prendessem imediatamente –, teria enlouquecido durante a Primeira Guerra Mundial. (…) O “Pilombeta”, que odiava a palavra “trabalho”, fora agrimensor em Minas Gerais, era exímio jogador de xadrez e sabia tocar piano. O “Tertuliano”, que se vestia de beato e fazia pregações engraçadíssimas pelas praças, era dono de uma pequena venda. Assumira aquele furor místico depois de ficar ferido em violenta luta com policiais que o prenderam por não ter atendido a uma intimação policial[1].
Chaga dos Carneiros

Existia ainda o “Chaga dos Carneiros”, ferrenho monarquista, que andava sempre conduzindo três carneiros pintados, cada qual, em uma sátira à República, apelidados com nomes de alguns presidentes. Exemplo maior, contudo, foi o legendário Bode “Ioiô”. O animal, trazido por um flagelado da seca de 1915 para Fortaleza, acabou comprado pelo dono da firma exportadora Rosbach Brazil Company (situada na Praia do Peixe, hoje Praia de Iracema) e, em vez de virar uma suculenta buchada, foi mantido vivo, passando a perambular como “boêmio” pela cidade com grande simpatia e carinho da população, sem ser molestado. Em 1931, “Ioiô” morreu, de velhice, causando grande consternação pública e merecendo até destaque na imprensa. Seu “corpo” foi embalsamado e oferecido ao Museu Histórico do Ceará, onde ainda hoje pode ser visto.
Bode Ioiô
O local preferido para as manifestações e “excentricidade” do povo era a Praça do Ferreira – logo ali, o “coração da cidade”, por onde passavam bondes, gente com as últimas modas e novidades, os sisudos senhores proprietários e onde se encontravam as lojas mais elegantes, os principais cafés! Qualquer pessoa ou episódio que “quebrasse a rotina” eram pretextos para a divertida molecada soltar vaias, gracejos, palavrões ou bolar os apelidos e escárnios os mais engraçados. Imagine-se o ódio das camadas “destacadas da sociedade” ao terem seus nomes como alvos das chacotas do “canelau”…
Pode-se entender os tipos populares e o “espírito amolecado” do povo – em outras palavras, a irreverência popular –, num momento de disciplina e higienização da cidade, como uma forma de alívio ante a pressão social representada pelas más condições de vida e trabalho daquela massa de pobres, bem como uma expressão de descontentamento perante a normatização urbana que as elites tentavam impor. Ao serem “feios”, sujos, anti-higiênicos, “estranhos, exóticos e diferentes”, os tipos populares e o comportamento jocoso do povo chocavam-se frontalmente e ofendiam os padrões “civilizados” que os grupos médios e dominantes se esforçavam em estabelecer para acompanhar os valores “modernos” da Belle Époque. No fundo, era uma tática de resistência popular.
Airton de Farias
Fonte: [1] PONTE, Sebastião Rogério.Fortaleza Belle Epoque. Fortaleza: Fundação Demócrito Rocha. Multigraf Editora Ltda, 1993, pág. 177.

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Manuel Morcego e Tristeza



Com o mesmo panorama dos demais locais da nossa Cidade, personagens na época compunham o cenário da urbe com fatos ou feitos, perpassando algumas décadas por cenas dantescas. Algumas vezes, até modificando hábitos, pois havia casos em que apelidos se transformavam em nomes de família. Na ficção, por exemplo, Machado de Assis, com laivos de humor e ironia, transformou em sobrenome o apelido "Cubas" e ainda lhe deu uma origem nobre, nas Memórias Póstumas. Inúmeras são as famílias que ainda hoje são descendentes ou originárias de alcunhas. Mas disso não fazem menosprezo.

Mané Morcego

Manuel Morcego era um homem rústico, nascido nessa Cidade de Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção. Era tido por todos como um fiel amigo, cuja descendência de escravos, trazia toda humildade da senzala por onde se abrigara no peito da mãe, quando esta o amamentara. Era estimado por famílias gradas e sua afeição se expandia como verdadeiro servo, ou amo como era mais reconhecido. Era recebido nas casas e tratado como pessoa da própria família, não sofrendo distinção por quem quer que fosse.


Alguns fatos

Famílias generosas, quando tinham a felicidade de adotar um desses "amos"; conservavam e passavam estima e consideração, fazendo-os assim como um verdadeiro parente de sangue. Muitas vezes o eram verdadeiramente, pois fruto de transgressões que, de modo até rotineiro, ocorriam nas casas que se serviam do regime de escravidão.


Ouvir falar de alguns casos assim. Manuel, operário desde muito jovem, passou a fazer parte de uma família como se membro fosse. Todos tinham por ele a mais alta consideração. Sabia de tudo que se passava no casarão do meu bisavô. Cuidava dos filhos menores, como companheiro, instrutor, amigo, zelador e segurança familiar (guardião). Assim todos o apreciavam, nada lhe era negado ou cobrado. Era um servo honesto e por todos muito estimado.

A labuta
Na adolescência à juventude, resolveu trabalhar na Construção da nossa Catedral da Sé. Tornou-se um audaz servente e chegou a ser pedreiro da . Sua habilidade não chegou a tanto, porque designado para trabalhar na construção da torre da Igreja, certa vez, escorregou de um andaime que falseara com o vento, logo veio a cair das alturas. Tamanha foi à destreza e agilidade, que, ao cair rolando altura a baixo, deu de encontro às estroncas segurando a uma delas, como se dizia, "agarrando-se com unhas e dentes", enfrentando o medo de morrer ao cair daquelas alturas. Salvou-se graças a ajuda dos demais operários que, num átimo, o socorreram rapidamente.

Daí em diante passou a ser conhecido pelo epíteto de "Manuel Morcego", estendendo para acrescentar ao cognome (alcunha) de "Morcego" ao da família. Com a origem o apelido de "Manuel Morcego" estendeu-se à família, passando a ser conhecida como Família do Manuel Morcego. Nas residências onde trabalhava, "Manuel Morcego" era considerado como membro da própria família - pessoa de casa e para tudo era chamado e consultado. Assim quando lembrava o episódio que fora vitima na construção da Catedral da Sé, cuja queda da torre da igreja se salvara por milagre dizia: "quem duma escapa cem anos vive". Só do apelido não escapou até morrer

A rota
Cresceu, viveu, casou na casa do meu bisavô Joaquim Dias da Rocha; era empregado do seu armazém "Firma Dias da Rocha & Cia", local onde se ergueu o Edifício Jangada, na Rua Major Facundo esquina com a Rua Senador Alencar. Manuel Morcego, cujo epíteto verdadeiro era Manuel Ba(pis)tista Assun(pis)ção tinha certa dificuldade de soletrar o próprio nome, era uma pessoa sem instrução, escrevia o nome, porque tinha queda para desenho depois de muito exercitar a grafia.Casou constituindo família, com filhos de bons costumes, conservaram as amizades do pai por toda a existência. Esses tipos de pessoas povoaram com laços de afetos familiares se perpetuando com amor às antigas famílias de nossa Cidade nos tempo que o piano, violino e violoncelo faziam orquestra de pau e corda, sem preocupação de metais, entoando lindos fados, valsas vienenses, Strauss, polcas e mazurcas nas salas de visitas de gradas famílias fortalezenses, portugueses, estrangeiros de outras plagas. Nossa família, a começar por meu bisavô, Joaquim Dias da Rocha, português, antiescravista, nunca houve escravo. Pertencia ao Partido Libertador, formado pelos portugueses aqui residentes

Vulgarmente conhecida por "Tristeza", morava no Curral das Éguas. Era uma pobre coitada que não sabia se vivia. Quase não falava e pedia a todos quando dela achegava quantia de RS 500 (quinhentos réis) para tomar uma "bicada" ou "douradinha". Prestava serviços a "grinfas" do Arraial Moura Brasil, carregando lata d'água na cabeça para fornecer os banhos noturnos ou, senão, matinais.

Ladeira onde nascia a rua General Sampaio formando a bucólica praia Formosa. Hoje, nada existe dessas casas. O avanço do mar a Leste Oeste modificaram por completa esta paisagem. Hoje neste local está o viaduto que dar acesso a Leste Oeste e também ao hotel Marina Park. Foto da década de 40. Arquivo Nirez


As casas das "borboletas noturnas" eram situadas na descida da Rua General Sampaio, terreno em ladeira da descida aos fundos da Estação Central e Cadeia Pública, hoje Emcetur (1ª quadra); abrigava as mais chiques damas da noite do "Curral das éguas", cujas quadras com descidas íngreme formadas por vários chalés, germinados pertencentes a várias damas do fado, cujo estilo arquitetônico chalés geminadas, facilitava o acesso dos convidados ao amor momentâneo sem maiores compromissos com amor do cupido por ser efêmero e passageiro - era o amor à doidivanas cujos momentos de afagos com Vênus pagos sob compromisso de ficar freguês das carícias embora compensados por certa quantia as blandícias trocadas na alcova sob promessas vãs em troca do vil metal.


 
Rua Franco Rabelo, que hoje fica no leito da Avenida Leste-Oeste. Lá se concentrava o baixo meretrício, ou seja, era um tipo de cabaré da mais baixa classe. Na rua ficava uma delegacia de polícia para resolver os problemas constantes ali surgidos. Foi escola para muitos jovens que ali iniciaram sua vida sexual. Essas jovens que aí estão eram prostitutas e os jovens eram clientes. Arquivo Nirez


O cadastramento
O compromisso maior de cada "horizontal" era com o Serviço de Vigilância de Secretaria de Policia e Segurança Pública, Serviço de Ordem Social, por se encarregar de abrir um "Fichário Profissional" cadastrando cada uma - e convocando a vir passar o "visto" na Ficha Cadastral, visado pela autoridade sanitária, policial - Delegado ou Comissário do dia e exame por médico sanitarista para saber o estado de saúde de cada prostituta.

Esta era a delegacia da Rua Franco Rabelo, antro de prostituição que foi absorvido pela Avenida Leste-Oeste. Arquivo Nirez

Havia policiais atentos para esse serviço de vigilância pública, evitando que se alastrasse o "vírus da gonorreia", "esquentamento", "piolho de púbis" ou outro tipo de doença venérea comum na juventude. Mas tudo isso, são coisas que o tempo levou e não há inclusive saudades para esse tipo de recordação, porque a Elixir 914 e o óleo de "Fígado de Bacalhau" deixavam radicalmente curado, bem como injeção de bismuto.

Dois redutos
Por essa razão o Curral e a Cinza era temidos por jovens que chegava à puberdade e eram naturalmente levados a manter relações sexuais. Mesmo assim existiam as escapulidas secretas dos jovens mancebos com as serviçais. E por fim, era o Curral refúgio dos amores libertinos afastados do seio da família, até a purgação do pecado ou nódoa manchando a reputação da honra da família que não admitia tal comportamento. 

A força simbólica dos nomes próprios
Para os egípcios da Antiguidade, o nome da pessoa era mais do que um signo de identificação. Tratava-se, em verdade, da dimensão do indivíduo, uma vez que os egípcios acreditavam no poder criador e coercitivo do nome. O Dicionário de Símbolos, de Chevalier e Gheerbrant (Rio de Janeiro: José Olympio, 1989, p. 640 a 642) afirma que, no nome de alguém, encontram-se todas as características de um símbolo: é ele carregado de significação; escrevendo ou pronunciando o nome de uma pessoa, faz-se com que ela viva ou sobreviva, o que corresponde ao dinamismo do símbolo; o conhecimento do nome proporciona poder sobre a pessoa - aspecto mágico, liame misterioso do símbolo. O conhecimento do nome intervém nos ritos de conciliação, de feitiço, de aniquilação, de possessão. Por isso é que todos prezam por seu nome. E a mais radical das sentenças é afirmar que o nome de alguém já não mais estará entre os vivos.
Zenilo Almada




Matéria publicada no Jornal Diário do Nordeste

Fortaleza - Os tipos de uma época


A cidade de Fortaleza, dos anos de 1940 a 1990, foi infestada por tipos excêntricos

Perambulando nas ruas centrais, chamando atenção dos transeuntes de classe média - funcionários públicos (federal, estadual ou municipal), que se deslocavam para suas repartições, quando se ia ao comércio com fácil acesso. A maioria dessas pessoas não utilizava outros transportes, a não ser o "velho bonde", percorrendo todos os bairros. Ironicamente, como uma das personagens trágicas da Grécia Arcaica - à proporção que caminhava diminuía, sem sequer perceber, a rigor, o tempo de sua extinção.

No tempo do bonde

Ao sentir essa aproximação, quer dizer, quando o progresso com a sua força avassaladora apontava novas opções de deslocamentos por ruas e novas avenidas na cidade de Fortaleza, os usuários, ante a constatação de que as coisas caminham, inexoravelmente, para a corrosão, comprimiam, no peito, as imorredouras saudades do elétrico da Ceará Light, que, aos solavancos, alertava, com a sineta o término de um percurso, com aproximação do final da linha em nossa Cidade.


O bonde Soares Moreno

A cidade de Fortaleza era, em verdade, muito bem parecida com aquela "Cidadezinha Qualquer", que o poeta mineiro, de Itabira, desenhou para os brasileiros em seu livro de estreia, "Alguma Poesia" (1930), em versos simples, cheios de elipses mentais, destilando humor e ironia, um desconsolável desencanto, sintetizando a vida besta:


Casas entre bananeiras


mulheres entre laranjeiras

pomar amor cantar.

Um homem vai devagar.

Um cachorro vai devagar.

Um burro vai devagar.

Devagar... as janelas olham.

Êta vida besta, meu Deus.


Os singulares

No contexto desse passado - apenas nítido na memória de alguns ou estampados em documentos, sejam jornais ou quaisquer outros tipos de conservação das manifestações da passagem - sempre breve - do homem entre os seus e o seu tempo -, imprimem-se sempre as figuras das pessoas excêntricas, isto é, os antissociais, os que, em síntese, não foram convidados a participar do banquete industrial ou - o que mais verdadeiramente ocorre - sequer tomaram conhecimento de sua engrenagem. Inseridos na diferença, seus comportamentos tanto recebem a leitura da ciência - a sociologia, a psicologia, a psiquiatria - ou se incorporam nas explicação místicas: muitas vezes pagam dividas cometidas n'outras vidas, voltam para resgatá-las os pecados cometidos, contra a dignidade e pudor ou, com a própria vida que ficou como garantia de orgulho, tibieza, incompreensão, que reduz a força espiritual causando diferença entre fortes.

Ainda que as figuras dos excêntricos - estes aqui representando não só os cientificamente assim classificados, mas, também, todos os que, de uma maneira ou de outra, põem-se à deriva do que a sociedade entende como normalidade: padrão de comportamento, cumprimento de deveres, exigência de direitos etc. -, melhor direi, ainda que as figuras dos excêntricos já percorram as páginas dos romances e dos cantos épicos, foi, sem dúvida, a partir da estética realista-naturalista que ganhou mais força e, de modo mais frequente, percorreu tanto a poesia quanto a ficção.

Quem não se lembra dos alunos do Colégio O Ateneu, do romance homônimo de Raul Pompeia?; do Dr. Bacamarte, protagonista de "O Alienista", de Machado de Assis? E o major Quaresma, cuja vida foi, pouco a pouco, destruída por seus desmedido amor à pátria, de tal sorte que a mesma pátria a que ele tanto amou, ironicamente, condenou-o - e por esse mesmo amor - à morte? Sem falar no coronel Ponciano de Azeredo Furtado, de "O coronel e o lobisomem", de José Cândido de Carvalho ou mesmo do Capitão Vitorino Carneiro da Cunha, do romance Fogo-Morto, de José Lins do Rego.



O bonde Jacarecanga


A Fortaleza real

Nesse apanhado das figuras que se tornaram populares no cotidiano de nossa cidade, destacaremos, dentre tantas, apenas algumas.

Para tanto, utilizaremos, na composição de seus retratos, a leitura dos valores que eram os daquela época. Desse modo, não imprimimos, nesse percurso, juízos de valores nossos, ainda mais se considerarmos que, agora, os tempos são outros, e outras são as compreensões das coisas do mundo. Nada mais mutável, adaptável aos tempos do que os princípios do que seja ou não normalidade. Nesse sentido, os comportamentos transgressores somente podem assim ser entendidos de acordo com os valores e os juízos que regem uma época. Vamos, pois, em busca de algumas personagens excêntricas de nosso passado.

Beatriz

Chamado de "Bia" por todos os que lhe eram íntimos, tratava-se de uma figura de avantajada estatura, espadaúdo, tez escura azeitonada, telúrio - preto acinzentado, gestos adamados, faltando-lhe apenas (e somente como um detalhe a mais) o balaio na cabeça, ou, cantar o "tabuleiro da baiana tem... vatapá, oi, caruru, mugunzá..." para encarnar um típico representante da Bahia do famoso acarajé.

Os alunos do Liceu do Ceará, quando o viam iniciavam com intrépida galhofada, insultos, carregados por estrondosa vaia que chamava a atenção dos moradores da Praça de uma das mais importantes instituições de ensino de toda uma época, cuja imagem - hoje - revela o avesso de uma glória. Hoje não se sabe mais qual o paradeiro do Beatriz. Se vivo for deve estar perto dos 90 (noventa) anos. Se morto, não deve ter saído do limbo, vagueando por esse mundo.

Bernardo

Homossexual, morava na Rua Senador Castro e Silva, entre a Avenida do Imperador bem próximo da Avenida Tristão Gonçalves, onde também negociava. Era exímio doceiro e boleiro, cozinhava com perfeição, fornecia algumas marmitas para almoço.

Era tipo pacato e mantinha-se reservado dos seus hábitos. Não bebia nem fumava. Sua voz de acentuado tatibitate nasalizada, denunciador de voz feminina. Não fazia cerimônia dos seus jeitos. Era acima de tudo grande respeitador do seu ambiente de trabalho e todos o tratavam com o mais alto respeito.

Se por ventura mantivesse algum caso amoroso era sigiloso e não dava a perceber a quem quer que fosse. No seu estabelecimento era tudo muito respeitoso e sem liberdade ou falta de respeito por parte dos fregueses e de Bernardo.

Acerca da força destruidora do tempo

O passado inexorável se encarrega de botar impiedosamente de lado esse feixe de tempo, (o dos bondes, dos passeios nas praças, das cadeiras nas calçadas, dos verdureiros e carniceiros nas calçadas) misturado de saudade, amarrado na lembrança, como se estivesse registrado na mente cinematográfica, até em preto e branco para dar maior clareza e nitidez de um passado que se destruiu com o passar dos anos, e, pouco a pouco vai se desfazendo na nossa mente, como neve que desloca no firmamento dando lugar ao sol e lua, sem voltar nunca mais ao ponto de partida, envolvida na tristeza pela ausência da alegria daquilo que não volta mais, deixando vazia a beleza da nuvem, cujos flocos agigantados se entrelaçam, assim, harmoniosamente no firmamento, brilhando com a luz das estrelas dão mais esplendor ao espetáculo celestial.

Zenilo Almada


Matéria publica no Jornal Diário do Nordeste

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Figuras que se perderam no tempo


Voltamos às ruas do passado, visando a um passeio pela cidade de Fortaleza e suas curiosas personagens

Tanto a prosa de ficção quanto à poesia - apenas para que nos concentremos em uma de nossas manifestações em arte - imprimem, na construção de suas respectivas realidades, a presença de personagens que, de uma maneira ou de outra, tornam-se figuras emblemáticas, convertendo-se em metonímia da própria condição humana. Assim, tanto em memoráveis romances quanto em poemas vigorosos elas imprimem em nós a sua marca. Quem não se lembra do capitão Vitorino Carneiro da Cunha, na obra Fogo Morto, de José Lins do Rego? Ou, ainda, de Inês de Castro que, na épica de Camões, foi rainha depois de morta?


A cidade de Fortaleza, em sua expressão viva, isto é, a partir de pessoas que aqui viveram e que se inscreveram em nossa memória pelos motivos os mais diversos, sempre foi muito pródiga em tipos. Nesse sentido, continuamos, aqui, a nossa viagem por ruas e praças suspensas no tempo, em busca dessas personagens, resgatando-lhe atitudes, comportamentos, visando, assim, a um retrato o mais nítido possível de uma época que ainda permanece muito viva na memória de alguns e que agora repassamos a uma gama maior de pessoas.


Burra Preta


Era exótico e espalhafatoso e vadiava por nossa Cidade. Corpulento de cor azeitonada, telúrio (preto acinzentado), grande estatura, pesando aproximadamente mais de 120 (cento e vinte) quilos, quadris arredondados, cintura fina, rebolado feminino apressado, pouco falava, diziam ser pernambucano. Para outros, no entanto, era identificado como natural da Bahia.


Percorria a Praça do Ferreira, sem dar atenção aos gracejos por sobre ele lançavam. É como se as palavras ou os insultos se reduzissem a nada, pois, a rigor, ao que visava, antes de tudo, era a colheita de um sucesso diante do público. Apareceu em nossa Fortaleza, trabalhando em hotéis ou pensões familiares dos anos 50/60. Depois, entregou-se à ociosidade, passando a desfilar pelas ruas do centro nos começos e fins de expedientes nos horários mais movimentados. O que, evidentemente, provocava um certo movimento em termos das reações dos passantes, quer se dirigindo ao trabalho, ou mesmo deste retornando.


A performance


Os passeios de "Burra Preta" aconteciam durante as manhãs e a tarde depois das 17 horas. Percorria defronte o Cine São Luis, quando a vaia se expandia até a garapeira da Leão do Sul. Caminhava a passos largos, na Praça do Ferreira, sem dar ou travar conversações com as pessoas; quando muito, pedia cigarro ou "merenda". Usava costumeiramente bermudão de tecido de "veludo", alternados por cores em tonalidade preta, azul marinho ou "Bordeaux", com suspensórios que seguravam a calça pelo cós, assim como uma espécie de bermudão. Era, por assim dizermos, uma fantasia fora de época.


As reações


Quando adentrava a Praça do Ferreira, surgia inevitavelmente outra vaia prolongada com galhofadas em tom compassado. A multidão, então, altercava em ritmo bem sonoro: Bur-ra Pre-ta!!! Bur-ra Pre-ta!!! Bur-ra Pre-ta!!! Bur-ra Pre-ta-ta-ta!!! As vozes iam, aos gritos, de um lado para outro. E, mesmo que as pessoas - em especial, os jovens rapazes - estribilhassem com estrondo _ Bur-ra Pre-ta!!!, a ele tal era absolutamente indiferente, não lhe causando, portanto, o menor atordoamento. Parece que, no íntimo, gozava o sucesso que fazia, via-se, portanto, ovacionado.


Sem dar a menor atenção ao que ouvia, colocava os dedos nas atacas das calças e dos suspensórios, balançando as ancas, freneticamente, andando serenamente por entre as árvores, passando, então, por entre os que se apinhavam em ruas ou praças. Riam quebrando a monotonia de quem se apressava para apanhar condução em direção às suas residências, tornando hilariante e pitoresco aquele logradouro por momentos agradáveis e prazerosos a todos quanto a essas cenas assistiam.


Um enigma


Isso tornava o ambiente citadino mais festivo abrindo ânimo, sorriso dos vendedores de tecidos que se movimentava para mais uma jornada diária nas lojas da Praça do Ferreira, abrindo com alegria o dia de trabalho.


Não se podia, em verdade, avaliar-lhe o humor, pois, consoante já afirmamos, praticamente não se comunicava com os outros. A impressão que impunha, a partir de seus comportamentos, era a de quem se exibia a um público imenso, de um palco distante, mas que por sobre este pousassem olhos fixos, atentos. Causava, desse modo, um exuberante espetáculo circense.


Castorina do Aracati


Falante exuberante, exótica, trata-se de uma pessoa muito conhecida em nossa Cidade de Aracati, exatamente por uma singularidade: a de colocar apelido nas pessoas. "Castorina" seu verdadeiro nome de batismo era Castorina Chaves Pinto, nasceu em Aracati no dia 24 de Janeiro de 1883, sendo filha de Francisco do Carmo Pinto Pereira e Cândida Chaves Pinto. Única mulher de uma família composta de dezesseis irmãos. Morreu inupta. Naturalmente alegre e altamente irreverente. Era primordialmente conversadora loquaz, desembaraçada no seu linguajar e rapidez de raciocínio. Não titubeava, tinha resposta para tudo que fosse investigada.

"Castorina do Aracati" era irmã do proprietário de um bar, pousada, hotel no Aracati por nome de Teófilo.


Figura emblemática


Quem, no século passado, fosse à cidade de Aracati, e não conhecesse uma das mais ilustres cidadãs daquela vila, era mesmo que ir à Roma e não ver o Papa. Ela em todos provocava a dimensão da curiosidade e o medo de trazer consigo um apelido, uma vez que ela os aplicava com a precisão de uma lâmina. Era tão repentina, certeira e mordaz que, as mais das vezes, o apelido caía por sobre uma pessoa, como se houvesse sido escolhido após um longo trabalho, já que, quase sempre, implicava uma caricatura perfeita de quem, agora, era transformado em vítima. Com rapidez, ante o apelido, a pessoa era logo identificada; e a alcunha, certeira. Utilizava figuras de relevo constituídas por atingi-las em sua compleição física, posição social, eclesiástica, política, econômica. Valia o realce que os apelidos pudessem exercer sobre os mesmos para notoriedade imediata. A começar por maiores figuras do Clero como Dom Manuel de Silas Gomes, de "Bolo Enfeitado"; Dom Antônio de Almeida Lustosa, de "Envelope Aéreo", Dom Hélder Câmara, de "Pombinha do Céu", Menezes Pimentel, de "Carretel de linha preta" ou "Noite Ilustrada", David Bastos, de "Cabeça de Queijo do Reino", cuja cabeça pelada crânio vermelho, que mais se parecia com queijo enlatado (borboleta), (flamengo) logo à primeira vista.


Verso e reverso


Certa vez se sentiu ultrajada quando um grupo de amigos, entre risos e folguedos, indagou por que ela falava de modo tão incessantemente; um dos rapazes lhe perguntou se era ela uma "sariema fora do bando". Então, o feitiço se voltou conta a feiticeira, e ela ganhou a alcunha de "Sariema fora do bando".


Zenilo Almada


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Matéria publicada no Diário do Nordeste


sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Tipos folclóricos da Fortaleza antiga


Feijão sem banha -Acervo de Jaime Vieira

Centro e bairros da Capital. Meados do século passado. Pessoas tornaram-se folclóricas por apelidações ou comportamentos. Feijão sem Banha, Ferrugem, Rádio Patrulha, Mondrongão, Zé Tatá, Raimundão e outros se fizeram conhecidíssimos. Frequentadores do Abrigo Central, Pega-pinto do Mundico*, Cine Moderno, Bar Flórida, Sorveteria Expressa e Tabacaria Almeida assistiam cenas incríveis protagonizadas pelos exóticos personagens.


 
Abrigo Central em 1949

Onde morei, existiam alguns desses tipos bem conhecidos da população. Lembro-me dos Paus-brasil – pai e dois filhos. Sararás, quase albinos, destacavam-se por comercializar de porta em porta, a prazo. Era o ofício de “galego”. Seu Tâna, proprietário de vacaria, desejava ser craque de futebol. Quase dois metros de altura, peso de cinco arrobas, segundo afirmava, e chuteiras confeccionadas especialmente para os grandes pés, fez-se sócio benemérito do 5 de Julho Futebol Clube. Comprou camisas, calções, bolas e equipamentos para o soerguimento da agremiação. Em troca conseguiu integrar o segundo quadro do time, o “esfria sol” e, quando a pelota lhe chegava, ninguém se atrevia a disputá-la. Menos ainda, encarar seu estupendo chute “bicudo” e sem rumo, perigoso se atingisse algum adversário. Pegasse na bola, a platéia gritava: “Castiga véi Tâna!”. O atleta ufanava. Recadeiro de rua, Ruído, garoto de pele muito marcada pela catapora, detestava o apelido. Era pronunciá-lo e ouvir cabeludos palavrões. Já Zé Pretim, como era tratado e gostava, vendia tapioca, queijada e filhós pelas ruas. O chamassem de Bola Sete, indignava-se. Resposta imediata. “Pra butá na caçapa da véia!”.



 
O cine Moderno


Autoridades, algumas cavaquistas, foram destaque na época. Castorina, renomada apelidadora, criou alcunhos inesquecíveis. Dom Manuel e Dom Antônio, arcebispos metropolitanos, em visitas a Aracati, receberam a marca da longeva senhora. O primeiro, por corpulento e seus paramentos coloridos, foi cognominado Bolo Confeitado, enquanto o segundo, por franzino e usar pequeno pedaço de fita verde-amarela na batina, teve o patronímico de Envelope Aéreo.

Texto "Na caçapa" do amigo e colaborador Geraldo Duarte (Advogado, administrador e dicionarista)


*Na Fortaleza dos anos 60, o refrigerante preferido dos habitantes de Fortaleza era o refresco de Pega-Pinto.

Tratava-se de uma raiz que (diz a lenda) chegou a ser colhida entre os túmulos do Cemitério São João Batista para poder garantir o consumo. Na praça do Ferreira, o comerciante Mundico abriu uma merendeira - de apenas uma porta, bem pequena, que tinha como principal produto o Pega-Pinto, delicioso diurético que era servido com tapioca ou pedaço de bolo.

 

Depois dos filmes nos cines Moderno, Majestic, São Luiz ou Diogo, a rapaziada lotava o Pega-Pinto do Mundico, que concorria com o caldo de cana da Leão do Sul. O progresso expulsou o Mundico da rua Major Facundo para a Duque de Caxias, perto da praça do Carmo.


Wilson (Ibiapina)

Conforme Gervásio de Paula, o pega-pinto é vendido, atualmente, na Lanchonete Azteca, no térreo do edifício da Associação Cearense de Imprensa (ACI)


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NOTÍCIAS DA FORTALEZA ANTIGA: