Fortaleza Nobre | Resgatando a Fortaleza antiga : Figuras que se perderam no tempo
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quarta-feira, 20 de junho de 2012

Figuras que se perderam no tempo


Voltamos às ruas do passado, visando a um passeio pela cidade de Fortaleza e suas curiosas personagens

Tanto a prosa de ficção quanto à poesia - apenas para que nos concentremos em uma de nossas manifestações em arte - imprimem, na construção de suas respectivas realidades, a presença de personagens que, de uma maneira ou de outra, tornam-se figuras emblemáticas, convertendo-se em metonímia da própria condição humana. Assim, tanto em memoráveis romances quanto em poemas vigorosos elas imprimem em nós a sua marca. Quem não se lembra do capitão Vitorino Carneiro da Cunha, na obra Fogo Morto, de José Lins do Rego? Ou, ainda, de Inês de Castro que, na épica de Camões, foi rainha depois de morta?


A cidade de Fortaleza, em sua expressão viva, isto é, a partir de pessoas que aqui viveram e que se inscreveram em nossa memória pelos motivos os mais diversos, sempre foi muito pródiga em tipos. Nesse sentido, continuamos, aqui, a nossa viagem por ruas e praças suspensas no tempo, em busca dessas personagens, resgatando-lhe atitudes, comportamentos, visando, assim, a um retrato o mais nítido possível de uma época que ainda permanece muito viva na memória de alguns e que agora repassamos a uma gama maior de pessoas.


Burra Preta


Era exótico e espalhafatoso e vadiava por nossa Cidade. Corpulento de cor azeitonada, telúrio (preto acinzentado), grande estatura, pesando aproximadamente mais de 120 (cento e vinte) quilos, quadris arredondados, cintura fina, rebolado feminino apressado, pouco falava, diziam ser pernambucano. Para outros, no entanto, era identificado como natural da Bahia.


Percorria a Praça do Ferreira, sem dar atenção aos gracejos por sobre ele lançavam. É como se as palavras ou os insultos se reduzissem a nada, pois, a rigor, ao que visava, antes de tudo, era a colheita de um sucesso diante do público. Apareceu em nossa Fortaleza, trabalhando em hotéis ou pensões familiares dos anos 50/60. Depois, entregou-se à ociosidade, passando a desfilar pelas ruas do centro nos começos e fins de expedientes nos horários mais movimentados. O que, evidentemente, provocava um certo movimento em termos das reações dos passantes, quer se dirigindo ao trabalho, ou mesmo deste retornando.


A performance


Os passeios de "Burra Preta" aconteciam durante as manhãs e a tarde depois das 17 horas. Percorria defronte o Cine São Luis, quando a vaia se expandia até a garapeira da Leão do Sul. Caminhava a passos largos, na Praça do Ferreira, sem dar ou travar conversações com as pessoas; quando muito, pedia cigarro ou "merenda". Usava costumeiramente bermudão de tecido de "veludo", alternados por cores em tonalidade preta, azul marinho ou "Bordeaux", com suspensórios que seguravam a calça pelo cós, assim como uma espécie de bermudão. Era, por assim dizermos, uma fantasia fora de época.


As reações


Quando adentrava a Praça do Ferreira, surgia inevitavelmente outra vaia prolongada com galhofadas em tom compassado. A multidão, então, altercava em ritmo bem sonoro: Bur-ra Pre-ta!!! Bur-ra Pre-ta!!! Bur-ra Pre-ta!!! Bur-ra Pre-ta-ta-ta!!! As vozes iam, aos gritos, de um lado para outro. E, mesmo que as pessoas - em especial, os jovens rapazes - estribilhassem com estrondo _ Bur-ra Pre-ta!!!, a ele tal era absolutamente indiferente, não lhe causando, portanto, o menor atordoamento. Parece que, no íntimo, gozava o sucesso que fazia, via-se, portanto, ovacionado.


Sem dar a menor atenção ao que ouvia, colocava os dedos nas atacas das calças e dos suspensórios, balançando as ancas, freneticamente, andando serenamente por entre as árvores, passando, então, por entre os que se apinhavam em ruas ou praças. Riam quebrando a monotonia de quem se apressava para apanhar condução em direção às suas residências, tornando hilariante e pitoresco aquele logradouro por momentos agradáveis e prazerosos a todos quanto a essas cenas assistiam.


Um enigma


Isso tornava o ambiente citadino mais festivo abrindo ânimo, sorriso dos vendedores de tecidos que se movimentava para mais uma jornada diária nas lojas da Praça do Ferreira, abrindo com alegria o dia de trabalho.


Não se podia, em verdade, avaliar-lhe o humor, pois, consoante já afirmamos, praticamente não se comunicava com os outros. A impressão que impunha, a partir de seus comportamentos, era a de quem se exibia a um público imenso, de um palco distante, mas que por sobre este pousassem olhos fixos, atentos. Causava, desse modo, um exuberante espetáculo circense.


Castorina do Aracati


Falante exuberante, exótica, trata-se de uma pessoa muito conhecida em nossa Cidade de Aracati, exatamente por uma singularidade: a de colocar apelido nas pessoas. "Castorina" seu verdadeiro nome de batismo era Castorina Chaves Pinto, nasceu em Aracati no dia 24 de Janeiro de 1883, sendo filha de Francisco do Carmo Pinto Pereira e Cândida Chaves Pinto. Única mulher de uma família composta de dezesseis irmãos. Morreu inupta. Naturalmente alegre e altamente irreverente. Era primordialmente conversadora loquaz, desembaraçada no seu linguajar e rapidez de raciocínio. Não titubeava, tinha resposta para tudo que fosse investigada.

"Castorina do Aracati" era irmã do proprietário de um bar, pousada, hotel no Aracati por nome de Teófilo.


Figura emblemática


Quem, no século passado, fosse à cidade de Aracati, e não conhecesse uma das mais ilustres cidadãs daquela vila, era mesmo que ir à Roma e não ver o Papa. Ela em todos provocava a dimensão da curiosidade e o medo de trazer consigo um apelido, uma vez que ela os aplicava com a precisão de uma lâmina. Era tão repentina, certeira e mordaz que, as mais das vezes, o apelido caía por sobre uma pessoa, como se houvesse sido escolhido após um longo trabalho, já que, quase sempre, implicava uma caricatura perfeita de quem, agora, era transformado em vítima. Com rapidez, ante o apelido, a pessoa era logo identificada; e a alcunha, certeira. Utilizava figuras de relevo constituídas por atingi-las em sua compleição física, posição social, eclesiástica, política, econômica. Valia o realce que os apelidos pudessem exercer sobre os mesmos para notoriedade imediata. A começar por maiores figuras do Clero como Dom Manuel de Silas Gomes, de "Bolo Enfeitado"; Dom Antônio de Almeida Lustosa, de "Envelope Aéreo", Dom Hélder Câmara, de "Pombinha do Céu", Menezes Pimentel, de "Carretel de linha preta" ou "Noite Ilustrada", David Bastos, de "Cabeça de Queijo do Reino", cuja cabeça pelada crânio vermelho, que mais se parecia com queijo enlatado (borboleta), (flamengo) logo à primeira vista.


Verso e reverso


Certa vez se sentiu ultrajada quando um grupo de amigos, entre risos e folguedos, indagou por que ela falava de modo tão incessantemente; um dos rapazes lhe perguntou se era ela uma "sariema fora do bando". Então, o feitiço se voltou conta a feiticeira, e ela ganhou a alcunha de "Sariema fora do bando".


Zenilo Almada


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Matéria publicada no Diário do Nordeste


2 comentários:

  1. Há uma historieta em que ela estava na "recepção" do pequeno hotel de seu irmão, quando chegou um novo hóspede que estava de passagem pela cidade. Ele tivera um problema nas mãos que deixaram os seus dedos encarquilhados... O novo hóspede dirigiu-se ao seu quarto e Castorina encarregou-se de encaminhar a sua mala logo atrás... Quando o carregador de mala chegou, perguntou: "de quem é essa mala?" Ao que ela respondeu: "é de um 'mão de gengibre'" que está no segundo quarto... Leve-a.

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