Fortaleza Nobre | Resgatando a Fortaleza antiga : Centro
Fortaleza, uma cidade em TrAnSfOrMaÇãO!!!


Blog sobre essa linda cidade, com suas praias maravilhosas, seu povo acolhedor e seus bairros históricos.

 



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quarta-feira, 1 de novembro de 2017

O Centro e o conflito da Modernização na década de 30


Praça de Pelotas, atual Praça Clóvis Beviláqua.
Relatório do Interventor Federal Carneiro de Mendonça 1931-1934

No início da década de 30, o  Centro de Fortaleza viveu uma tensão permanente de reformas modernizantes. Apesar do velho e do novo se relacionando, o espaço urbano de Fortaleza estava caótico e desordenado e inúmeras críticas apareciam nos jornais. Podemos observar um exemplo, nessa matéria:

Segundo um documento da edilidade, as carroças não poderão trafegar na pavimentação a concreto. As ruas Major facundo e do Rosário, Praça do Ferreira, Travessa Senador Alencar, enfim, os pontos centrais da cidade estão sendo pavimentados a concreto. Diante desse impasse, o que poderá fazer o pobre carroceiro? Pagou o imposto adiantadamente durante o corrente ano, e não pode exercitar a sua atividade! Pensa que o Sr. Prefeito que a civilização está no caminhão Chevrolet, queimando gasolina da América do norte! Antes do contato da vertigem inhanque, o Ceará atravessava um período de grande prosperidade econômica e financeira. Hoje, entretanto, constatamos o contrário. Enquanto experimentamos o progresso na mecânica, nos ares, em terra, no mar, por outro lado o nosso dinheiro se escoa para o estrangeiro e caímos numa pobreza de job! O movimento de carroças é nosso. É regional. Fica entre nós. Mas o Sr. Prefeito não entende de finanças. Acha que a carroça afeia a nossa linda artéria toda recamada de concreto. E pronto. Com um decreto manda as favas o serviço de carroças pelo centro da capital. Bela visão de administrador! ( A RUA, 05/09/1933/ p 01.)

Rua Major Facundo, a primeira a ser pavimentada a concreto.
Relatório do Interventor Federal Carneiro de Mendonça 1931-1934

Outro trecho da rua Major Facundo.
Relatório do Interventor Federal Carneiro de Mendonça 1931-1934


O jornal tece uma crítica ácida ao Prefeito Raimundo Girão, ao imperialismo Estadunidense, e defende o carroceiro com um discurso “anti-moderno” e regionalista. Também critica a noção de “civilização” baseada no caminhão Chevrolet, que segundo o matutino, só piorou as condições econômicas da cidade. Porém, percebemos como havia uma disputa ideológica a respeito da modernização da cidade. A realização da pavimentação a concreto do centro que, nos veículos oficias era apresentado como grande inovação e melhoria para Fortaleza, tem no jornal A Rua o antidiscurso, o reverso da medalha, realçando o “novo” como quebra de costumes e tradições citadinas. Em contrapartida, o carroceiro é concebido como símbolo regional e cristalizador de uma identidade.

A a polêmica continua quando Raimundo Girão resolve colocar uma placa na Faculdade de Direito:

As coisas do Ceará não mudam e nem mudarão. Em matéria de política, então, o negócio aqui é individualista até no modo de falar. O Sr. Governador da cidade entendeu de reformar a pavimentação a concreto da cidade por conta do particular e vem levando tudo de roldão, só pelo gosto de deixar o seu nome ligado a alguma concreta que perdure (per omnia secula seculorum)... “O que, porém, está chamando a atenção do público é a placa colocada na testa da faculdade de Direito, lado em frente ao Palacete Brasil, com o seguinte título: Travessa Morada Nova”. Morada nova é a terra dos Girão. Daí, certamente, a glorificação do nome numa das ruas de Fortaleza. Isso assim, também é demais. (A RUA, 05/09/1933/ p 01.)

Palacete Brasil, Travessa Morada Nova e a Faculdade de Direito (Hoje Museu do Ceará). 
Acervo Assis Lima

O projeto de “urbanização” da cidade atendia aos interesses de governantes e capitalistas, no qual o papel do Estado era muito presente. As ruas eram reformadas e tinham seus nomes alterados de maneira arbitrária seguindo a perspectiva do enaltecimento.
A urbanização de Raimundo Girão, Roberto Carneiro de Mendonça, e inclusive Getúlio Vargas (representantes do Estado), se aproxima muito mais do conceito de urbanismo do que propriamente de uma sociedade urbana. Podemos observar melhor os interesses envolvidos na remodelação do centro, na matéria sobre aTravessa das Trincheiras:

O Sr. Prefeito continua com a picareta em funcionamento. Quando a sua ação destruidora é bem orientada, ainda bem; quando, porém, a mania demolidora, não se exerce em proveito coletivo, é claro que a imprensa precisa clamar.  É o caso da Travessa das Trincheiras. O S.s. é incapaz de justificar com argumentos aceitáveis o considerável dispêndio que vai fazer sem qualquer interesse aconselhável da parte da população. Vão ser gasto neste serviço, 200 ou 300 contos, sem nenhum proveito para a cidade. Pelo lado estético, a estrutura da travessa é uma pilheria, ridícula [...]48 quadra [...] parada pelo beco [...] um alejão. Pelo que toca ao descongestionamento da Praça do Ferreira, o absurdo não é menor, pois esse congestionamento só existe na cabeça dos inovadores apressados. O tal beco vai ser tão útil quanto o da travessa da Boa Vista... que o povo bem sabe a que ele é destinado. Perguntamos: não seria mais proveitoso para a população que essa avultada quantia fosse aplicada em calçamento, na zona afastada do centro ou em qualquer melhoramento que beneficiasse o contribuinte? Qualquer pessoa em bom senso ficaria com nosso ponto de vista. {...}nunca os que são refratários da imprensa, e nesse número o atual Prefeito bate o Record. Há, porém, uma {...}: se o dinheiro fosse do seu bolso, certamente que s.s. o aplicaria mais cuidadosamente. Mas que usa a pólvora alheia pouco se incomoda que o tiro atinja ou não o alvo... Se o programa é gastar, dinheiro haja... (IDEM, 14/09/1933 p. 01.)

Travessa das Trincheiras, atual rua Liberato Barroso.
Relatório do Interventor Federal Carneiro de Mendonça 1931-1934

Segundo o periódico, a reforma da Travessa das Trincheiras  seria, não só inviável como totalmente desnecessária para os “cofres públicos”.  Não atenderia as expectativas da população, seria dispendiosa, esteticamente não “aconselhável” e inoperante. Em contrapartida, sugere que o dinheiro gasto nessa reforma fosse aplicado nos bairros mais afastados do centro, pois teria uma maior funcionalidade pública. Todavia, o processo de urbanização de Fortaleza priorizou o centro, sua artéria comercial, mostrando uma tendência das cidades capitalistas em formação inicial. Reforma-se logo o lócus do poder econômico, depois se pensa no resto. Existiam duas Fortaleza, uma com infraestrutura e com conjunto de equipamentos modernos, e outra composta de areais, moradias sem saneamento, onde habitavam as populações mais pobres. Essa realidade se aplicava integralmente na década de 1930, principalmente após a seca de 1932, pois os bairros que eram mais pobres nessa época como Arraial Moura Brasil, Mucuripe, Lagamar, para citar alguns, se confirmarão como os mais pobres no período subsequente, ou seja, nas décadas de 1940 a 1960. A gênese dessa urbanização desigual se materializa ainda na década de 1930.

Arraial Moura Brasil. Acervo Lucas 

O cearense fez de Fortaleza a linda cidade cheia de alegria e de encantamento. Deu-lhe a imponência das ruas largas e simétricas. Deu-lhe agora a pavimentação a concreto. Deu-lhe tudo, enfim, que uma civilizada metrópole pode proporcionar aos seus insaciados turistas. Eis a cidade de Fortaleza. Encantada. Asseiada. Faiscante de reformas materiais e estéticas, o pano de boca do grande teatro da vida cearense... A plateia gosta de aplaudir a representação. Desconhece, entretanto, a tragédia dolorosa que se passa por detrás dos bastidores..(...) A pobreza nos arredores da cidade vive a sua grande tragédia anônima... Os homens públicos nunca penetraram a baiuca do vagabundo. Acostumados ao conforto social, jamais sentiram a angústia dos que peregrinam, noite e dia, pelas ruas da cidade, a procura de uma côdea de pão. A costureira que dá o último ponto da encomenda no atelier, e espera à tardinha de sábado, o pequeno salário, não pode compreender o que seja felicidade. O trabalhador da oficina e do campo, exausto do cansaço e da desilusão, não encontra nenhum conforto no regaço da família porque o governo não lhe pagou a jornada semana. (...) Nas obras do Porto, o governo não paga os vencimentos dos operários. A Inspetoria das Obras contra as Secas não satisfaz ao pagamento dos seus fornecedores. A cidade está cheia de flagelados, a toda hora descem dos sertões ressequidos, caravanas de famintos. Nos centros populosos das localidades sertanejas, agrupam-se milhares de camponeses a procura de pão e de trabalho. (...) A pomposidade, o luxo, a sela, o pompom, o frou-frou da alta sociedade, todo esse requinte de beleza não pode viver sem o auxílio do trabalhador anônimo que habita os subúrbios, envelhece nas fábricas e nas oficinas e morre de tuberculose nos hospitais. A cidade é o pano de boca dos subúrbios e dos campos. Sem o concurso das gentes dos bastidores, a farsa da vida não terá uma boa representação e a plateia chicoteará com apupo o elenco da Companhia. Não se iluda o governo com o julgamento dos moralistas. O povo tem fome. E a fome, diz um ditado, tem cara de hereje... (IBIDEM, 10/08/ 1933 p. 05).

Mucuripe em 1931 

Esta longa citação, escrita por Gastão Justa¹, tinha como objetivo defender o jogo do bicho, pois o governo aprovara uma lei considerando esse jogo ilegal. Por conseguinte, o referido periódico abriu uma campanha nas suas páginas defendendo o jogo do bicho como fonte de renda para a classe trabalhadora. Porém, o que é sintomático nesta matéria é que ela sintetiza as principais contradições por que passava a cidade na época, salientando que existia uma Fortaleza representada para turistas, “asseada, faiscante de reformas matérias e estéticas”, ao mesmo tempo em que os subúrbios estavam repletos de problemas sociais, tais como falta de pagamento aos trabalhadores, excesso de migração para Fortaleza, que continuava no ano de 1933, mesmo com a estratégia do governo dos campos de concentração, além da epidemia de tuberculose que afetava principalmente os pobres da cidade, devido à subnutrição, precária condição de moradia e falta saneamento e carga horária extenuante da classe trabalhadora nas fábricas, que tornavam rotineiros os diversos acidentes de trabalho. Todos esses elementos são componentes do processo de urbanização de Fortaleza na década de 1930. Enquanto havia uma proliferação da miséria, existia, também, um aumento no crescimento de estabelecimentos comercias como bancos, construtoras, maior número de automóveis na cidade, e um crescimento substancial de empresa particulares. E a picareta do governo, para usar uma expressão do jornal, não parava. Se compararmos os serviços de construções de ruas e calçamentos, de 1927 a 1933, notaremos um acréscimo substancial nos anos de 1932 e 1933, ou seja, no período da seca as obras foram intensificadas. Como podemos verificar na tabela abaixo.

Almanach Administrativo, Estatístico, Industrial e Literário do Estado do Ceará para o ano de 1934 confeccionado por João da Câmara. Fortaleza: Empreza Tipographica. P. 187 e 188.

Todavia, se cotejarmos o ano de 1931 (“véspera da seca”) com os anos de 1932 e 1933, veremos que o aumento chega a ser bastante considerável em relação a calçamentos novos e reconstruídos. Isso significa dizer que a seca de 1932 foi um elemento importante para a remodelação do espaço urbano de Fortaleza, especialmente, o centro. Por ilação, se houve aumento na construção de ruas e calçamentos nesse período, também houve aumento da verba para realização de tal empreendimento. O Governo Municipal acabou angariando mais investimentos do Governo Federal e as despesas com melhoramentos passaram de 484:117$006, em 1931; para 698:325$087, em 1932; e 558:332$700, no ano de 1933. E a arrecadação total do município de Fortaleza, passou de 1.926$252$439, em 1931; para 2.249$007$416, em 1932; obtendo uma ligeira queda no ano de 1933 para 1.862$703$600²

Interessante ressaltar que houve um aumento de investimentos dos governos (Municipal e Federal) no setor de construção e melhoramentos de ruas, mesmo num momento crítico e tênue que o País estava passando, devido à crise de 1929. Fortaleza passou por um “ajuste espacial”, no qual Raimundo Girão encetou o momento para aplicar reformas no centro da cidade, atraindo recursos, desenvolvendo o setor secundário, e absorvendo a mão de obra dos retirantes, que, além de ser barata, gerava uma acumulação adicional de capital, retirava os flagelados da “ociosidade e do perigo do banditismo social”.

Lançamento do lençol de concreto na rua General Sampaio. 
Relatório do Interventor Federal Carneiro de Mendonça 1931-1934

Serviço de pavimentação em plena atividade na rua São Paulo
Relatório do Interventor Federal Carneiro de Mendonça 1931-1934

No Ceará os investimentos se processaram em duas frentes distintas: 1) recursos para construção de açudes, poços profundos e estradas de rodagem no interior; 2) recursos para melhoramentos do centro e construção do porto na capital.
E as reformas na capital, continuavam! Porém, a insatisfação de alguns periódicos com a administração municipal também. Como podemos observar em relação à mudança das novas placas e dos números das ruas:

A prefeitura no desejo iconoclasta de tudo reformar desta terra resolveu mudar as placas dos números das casas da cidade. Ao tempo da administração do Sr. Godolfredo Maciel, o assunto mereceu o cuidado do chefe municipal e a colocação do nosso número se processou de forma rápida e prática. Presentemente o serviço não corresponde à necessidade do meio. Em vez de substituir a placa velha pela nova, a edilidade atrapalha o serviço, mandando pintar na parede dos edifícios um número provisório, para o mesmo ser substituído depois pela placa efetiva. O funcionário postal encarregado pela distribuição de cartas e jornais encontra séria dificuldade para normalizar o serviço. Ficando também prejudicado o particular que não recebeu, com regularidade, a sua correspondência. Urge uma reforma contra a reforma. [...] Reformar para melhor, vá lá! Para pior, é melhor deixar a coisa como estava. (IDEM, 17/08/1933. P 03).

A rua da Praia, atual Avenida Pessoa AntaArquivo Nirez
Uma das únicas (se não a única) foto a mostrar uma placa de rua com números. 

Qualquer alteração no cotidiano, na normalidade da rotina diária era criticada pela maioria dos periódicos da época. A mudança dos números das casas foi o proscênio de disputas quase homéricas, pois a efemeridade dos nomes e números, além de dificultar o serviço postal regular, transfigurava a identidade dos lugares. A crítica geralmente vinha de forma comparativa com administrações pretéritas, no caso dessa matéria do jornal A Rua, elogiava a forma como Godofredo Maciel tinha executado a mudança dos números das ruas, de forma “prática e efetiva”. Enquanto isso, as ruas do centro iam sendo reformadas, mas nem sempre da maneira que o governo gostaria.



¹Redator chefe e secretário do jornal A RUA. Boa parte das matérias de crítica ao governo foi escrita por ele. Na grande maioria das vezes com tom ácido e irônico.

²Almanach Administrativo, Estatístico, Industrial e Literário do Estado do Ceará para o ano de 1934 confeccionado por João da Câmara. Fortaleza: Empreza Tipographica. P. 187 e 188.

Leia também:
As melhorias urbanas durante a seca de 1932
A Seca e a Modernidade da Capital
A Seca, o conflito político e a favelização da capital
Seca e Campos de Concentração em Fortaleza

Crédito: Artigo 'A produção do espaço urbano de Fortaleza à partir da Seca de 1932' de Rodrigo Cavalcante de Almeida.
Fonte: JUCÀ, Gisafran Nazareno Mota. Verso e reverso do perfil urbano de Fortaleza. São Paulo: Anablume editora. 2 ed., 2003./Relatório do Interventor Federal Roberto Carneiro de Mendonça. Arquivo Público do estado do Ceará.

terça-feira, 22 de novembro de 2016

Ordenamento urbano e a saudade...




A cidade de Fortaleza surge em meio a percalços, quando arruadores, agentes municipais eram incumbidos do cumprimento, fazendo realidade o Plano Diretor deixado por Antônio José Silva Paulet, conforme registros da administração do Senador Alencar (1834-1837), a quem a cidade deve imensamente, estava atribuída também à fiscalização do Presidente da Câmara, o Boticário Antônio Rodrigues Ferreira. O mesmo colocava a filantropia em primeiro e, política em segundo. 
Morando em um casarão, quando em Fortaleza chegou, sua casa que era de três portas, não dava para atender a demanda de pessoas enfermas, e foi com esses méritos que o mesmo já havia caído na graça do povo. A Fortalezinha crescia e se urbanizava com hercúleo esforço. A Capital da Província praticamente ficou plana, apesar de ser erguida sobre morros. A rua da Amélia (Senador Pompeu) das areias na Praia Formosa vai à tangente até as primeiras serras na hoje Região Metropolitana. 

Rua Senador Pompeu em 1940. Arquivo Nirez 

Praça do Ferreira em 1910. Destaque para o Café Iracema.

Nós fortalezenses tivemos a felicidade de ter edificações, mesmo passada por modificações as mais diversas. Tomou a feição dos arquitetos e da edilidade logo em suas primeiras casas quando foram feitas. No sentido de acomodação sempre obedeceu uma estética, devido a traçados dos arruadores primitivos. Do chamado coração da cidade (Praça do Ferreira), observam-se as quadras de ruas que foram elaboradas por Francisco de Paula e Adolfo Herbster, e as pessoas nos dias de hoje passam despercebidas pelo Centro fazendo compras, com cuidado nas bolsas e objetos manuais e/ou então reclamando da notória promiscuidade, principalmente da Praça José de Alencar, cujo patrono vive sentado por se tratar de um logradouro que não tem sossego. 

Antigas edificações de Fortaleza

Já é tempo da Gestão Municipal de Fortaleza, juntamente com o Estado tomarem providências quanto ao rejuvenescimento desses locais, senão o Centro vai morrer. Aí minha mente volta para minha VILA SÃO JOSÉ, em que alcancei muitas quadras ajardinadas que o Coronel Philomeno, talvez em suas andanças pelo Passeio Público, resolveu dar como lazer duas pracinhas dentro da própria Vila aos seus inquilinos. Nós a chamávamos de Avenidinhas, em numero de duas. O matagal ainda existia noutras quadras não divididas, e tinha o Campo de Baturité para partidas de futebol de subúrbios (ainda assisti partidas entre Usina São José X Usina Ceará, Messejana X José de Alencar, dentre outros). Tivemos um lado de infância selvagem, pois, até nossa comida era feita no local, tendo como combustível cascas de castanhas que levávamos para os matos, oriundas da lixeira da Caju do Brasil - Cajubraz, que subtraiu nosso espaço em 1966. 

Vista da cidade no início dos anos 40.

A cidade e seu traçado. Nesse postal, temos uma vista aérea parcial do Benfica nos anos 30, com destaque para a Avenida da Universidade (à direita). 
Acervo MarcosSiebra 

Restaram as quadras do Bar do Seu Telles com vários pés de Jurubeba, cujas raízes fazíamos lambedor para não gripar. Olhando para o Oeste e na diagonal uma estrada para pedestre que nos conduzia a Casa Machado e a mercearia do Seu Abelardo, point da bebida Blimp, Crusch e Grapette. Depois meu pai me dava umas porradas. Era fiado na conta dele. Hoje, chego à Vila e a impressão é que estou noutro local nunca visto. Casas diferentes, as ruas estreitaram e as quadra todas ocupadas, sem nada para apreciar. A infância passa rápido, a mocidade é transitória. Agora é se preparar para a velhice, afinal, quando ela chega é permanente. Todos querem envelhecer, mas ninguém quer ficar velho. Cada coisa pertence ao seu tempo, só restando evocar as ultimas palavra de José de Alencar no romance Iracema: “Tudo passa sobre a terra”.


Leia também:

Ruas e praças de Fortaleza


Colaborador: Assis Lima

Ex-Ferroviário, Assis Lima é radialista e jornalista.
Idealizou e mantêm o Blog Tempos do rádio


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segunda-feira, 9 de novembro de 2015

O Casarão dos Gondim - Rua General Sampaio


"No imóvel da rua General Sampaio, a aposentada Maria Guilhermina Gondim, de 91 anos, não esconde o desejo de reformular o lar onde nasceu. Lá o acúmulo de histórias e lembranças, somam-se às altas despesas para manutenção da residência, que possui 16 cômodos. “Eu bem que quero ajeitar, mas não tem como. Esse imóvel é uma herança de família. Hoje 35 herdeiros disputam esta casa. Apesar da minha vontade, é complicado. Pintaria, reformaria as portas, deixaria tudo direitinho porque foi aqui que nasci e me criei. Sou de um tempo que tudo em volta era diferente e apenas nossa casa resistiu”, completou."    

Jornal O Estado de 02 de agosto de 2012
 
Casamento de Guilhermina (Iaiá) e Arlindo Gondim, proprietários do casarão.
Fonte: Arquivo da família Gondim.

Arlindo Granjeiro Gondim construiu o seu casarão da rua General Sampaio (entre a Pedro I e a Avenida Duque de Caxias, então Boulevard Duque de Caxias) entre 1910 e 1912. A casa é elevada, possui porão e tem entrada lateral com escada de acesso em mármore branco. 

"Vovô dizia assim – "Eu vou mandar construir a casa que dê pra rua”. E diziam assim pra ele: – "faça um pouco elevada, porque esse terreno é um pouco úmido". Parece que tinha uma lagoa lá pra trás, não sei onde é, eu sei que o terreno era um pouco úmido. Chamavam meu avô de Coronel, porque nesse tempo, não tinha um negócio de chamar de Coronel quem tinha uma certa posição? Era Coronel Arlindo, que era também o nome do meu irmão mais velho, Arlindo. A Iaiá cuidava muito da casa, a minha avó e o meu avô. Todo ano quase ela mandava limpar e tinham todos os enfeites, era uma cor diferente, ela disse que era bege com "café-com-leite". Mas... agora está diferente. A minha avó ficou morando nesta casa desde que ela foi construída, até falecer. [...] Ela deixou pra mamãe, o testamento, todos já sabiam como era. A mamãe preferiu alugar. De imediato a mamãe não morou aqui, nós morarmos aqui um tempo, porque o vovô era louco pela mamãe e pelo piano, a mamãe tocava quase toda noite pra ele ouvir, então mamãe morava ali, mas era mesmo que morar aqui! Agora a mamãe ficou com a casa e não quis vir logo pra cá, [...] então, quis alugar. [...] Ela alugou a casa. Ela alugou uma pra morar, e alugou esta aqui. Por que esta casa era muito grande e alugava bem, dava pra pagar o aluguel da outra e ainda sobrava [...]. Quando a dona quis vender a casa que ela alugava pra morar, a mamãe disse ao meu irmão que morava aqui: “- Meu filho, agora você já está bem, agora eu quero a minha casa!” – ai nós voltamos pra cá (risos...)! E estamos até hoje, ela faleceu aqui. [...] uma época roubaram as instalações todinhas, antes dos médicos alugarem. [...] Levaram toda a iluminação, era antiga, aqueles candelabros de cristais, toda a instalação! [...] Roubaram tudinho, era tudo de cobre! Tinham lustres aqui na copa, tinham lustres lá na sala, foi tudo!" 
Relato de Maria Guilhermina Gondim.


Arlindo Gondim foi um bem sucedido comerciante, proprietário de marmoraria e de uma Companhia de Bondes Puxados a Burro. A casa, feita para a esposa Iaiá, hoje é ocupada pelas herdeiras (netas). 
No antigo jardim, funciona um estacionamento e o imóvel centenário, está desgastado pelo tempo! 

"Mais uma manhã agitada de sábado no bairro do Centro de Fortaleza. Ao passar pela Rua General Sampaio, lado da sombra da tarde, logo após cruzar a Avenida Duque de Caxias, à altura do número 1406, percebi um casarão com marcos estilísticos do inicio do século XX.

Fachada principal do casarão. Foto de 2007 de Aline Mesquita.

Com uma câmera fotográfica em punho, em busca de edifícios que foram construídos para fins comerciais e institucionais no mesmo bairro, procedia com um levantamento que serviria para pesquisa com objeto bem definido e diferente deste.


De uso residencial, porão elevado e platibandas adornadas, a edificação tem estilo Eclético e elementos Art Déco em sua fachada. Possui acesso principal pela lateral, onde há uma bela escada esculpida toda ela e também seu corre-mão em mármore do tipo Carrara. As esquadrias seguem um ritmo harmônico sequencial e são arrematadas em forma de arco pleno, na parte superior por adornos feitos nessas e também na fachada. Tema que se repete formalmente em seus subsequentes vitrais coloridos dispostos nas bandeiras das portas.

Escada principal de acesso do casarão. Foto de 2007 de Aline Mesquita. 

Possui uma varanda posterior dando acesso a uma grande área a qual sugere que havia um jardim. Destaque para a enorme esquadria contínua, feita em “trelicinhas” de madeira, que faz o fechamento da parte que parecia ser reservada para copa e cozinha. É sem duvida um dos exemplares da maior elegância que se construiu ali. De maior importância arquitetônica, estilística e patrimonial dentre as residências antigas do Centro.

Logo me chamou à atenção a originalidade com que ainda se mantinham suas fachadas. Implantada sem recuo frontal e lateral sul, com frentes para a Rua General Sampaio e para uma área que denuncia a proto-existência de um amplo jardim, obedece a uma forma de implantação da edificação dentro do lote que se remete àquela praticada a partir da segunda metade do século XIX. Forma essa que introduzia elementos paisagísticos à arquitetura residencial, o que até então não era comum.

Esquadrias laterais do casarão. Foto de 2007 de Aline Mesquita.

Até mesmo o gradil e as esquadrias de madeira ainda se mantinham aparentemente originais. Não resisti. Apesar de nada ter a ver com o meu objeto de pesquisa na ocasião, coloquei-me a fotografar. Comecei a fazê-lo ainda do outro lado da rua, fui me aproximando, no sentido de obter melhores ângulos. Quando percebi estava do outro lado da calcada, já adentrando os limites do terreno que se encontrava quase todo ele “ocupado” por um estacionamento, deixando livre apenas a área da edificação.

Detalhe das bandeiras das esquadrias da fachada, decoradas em vitrais coloridos, repetindo o tema em relevo. Foto de 2007 de Aline Mesquita.

À primeira vista o velho casarão parecia estar abandonado, mas logo me surpreendi ao perceber que muito de sua arquitetura original era mantida, então como estar assim e abandonado ao mesmo tempo? Pois repare que se deixar uma casa vazia, abandonada, essa em pouco tempo cede às ruínas. Enquanto que, por mais antiga que ela seja, ao se ter um morador que nela habite, dela cuide e com ela se relacione, consegue atravessar séculos de existência sem tombar. Um dá vida ao outro, numa relação de protocooperação quase simbiótica.


Detalhe da esquadria da fachada dos fundos confeccionada em treliças de madeira. Foto de 2007 de Aline Mesquita.


Ao lado: Detalhe da implantação da edificação dentro do lote.

Segunda impressão: ao perceber o estacionamento que ali estava disperso por toda a área externa do casarão até então de portas cerradas, pensei que lamentavelmente todo ele logo viria ao chão, junto com suas lembranças, quando se fizesse a compra do terreno pelo dono do empreendimento “invasor”.

Abre-se uma janela, surge uma senhora e com ela uma terceira hipótese me veio à mente: poderia ter sido alugada como “casa de cômodos”¹, o que ocorre muito frequentemente com esse tipo de edificação mais antiga nos centros urbanos das cidades. Foi o que aconteceu com muitas das casas antigas e espaçosas na Rua Thereza Cristina, no mesmo bairro.

Detalhe das esquadrias em madeira e do guarda-corpo originais. Foto de 2007 de Aline Mesquita.

Após registrar os detalhes mais perceptíveis a certa distância, como portas, cornijas¹¹ e janelas, coloquei-me a fotografar em detalhe o belíssimo corrimão que, assim como toda a escada de acesso principal da qual ele faz parte, havia sido esculpido em mármore do tipo Carrara, trazido da Itália.

Assim como Octavien - personagem do romance de Gautier - ao retornar à noite à Pompéia e perceber que ela pulsava em vida, e, “[...] extremamente surpreso, perguntou-se se dormia em pé e caminhava num sonho. Interrogou-se seriamente para saber se a loucura não fazia dançar diante dele as suas alucinações; mas foi forçado a reconhecer que não estava dormindo nem era louco [...]”; (GAUTIER, 1999. Paginas 42-43.) assim também me surpreendi quando essa senhora abriu a porta e me convidou simpaticamente a entrar, revelando como o interior daquele monumento era espantosamente ainda mais rico que o exterior, já ligeiramente registrado. Era como a viagem de Octavien. Estava em outra época certamente, na época das cantoras de rádio, dos concertos e programas clássicos com piano, dos saraus na Casa de Juvenal Galeno.

Detalhe do lavatório esculpido em mármore Carrara. Foto de 2007 de Aline Mesquita

Detalhe da porta do oratório em madeira trabalhada. Foto de 2007 de Aline Mesquita

Tudo ali me transportava para um novo e antigo tempo: o das memórias daquela família, tão bem resguardadas pelas irmãs que ainda se mantinham igualmente firmes, como o casarão da Rua General Sampaio. Sigo com uma breve descrição do ambiente encantador, para que o leitor se familiarize e possa embarcar nessa viagem instantânea pelo tempo.

Detalhes - gabinete, piso em lambris de madeira, bandeira das portas internas talhadas na madeira. Foto de 2007 de Aline Mesquita

Detalhe dos quartos interligados. Foto de 2007 de Aline Mesquita

Ao subir a escadaria esculpida, depara-se primeiramente com uma grande porta feita de madeira, a do acesso principal, encerrada com bandeiras adornadas em arco pleno, contendo vitrais coloridos. Ao abri-la, existe um hall de entrada que ainda mantém a chapeleira à espera de tais acessórios. Logo em frente, uma portinha talhada também na madeira que lembra os antigos confessionários, e dá acesso ao também antigo oratório de Iaiá¹¹¹. À esquerda, um pequeno gabinete iluminado e arejado pelas grandes portas de fechamento duplo em madeira, dispostas lateralmente pela fachada com frente para a via pública. A sala de visitas, onde fica o piano, faz limites em forma de “L” com o gabinete e o oratório.

Os netos de Iaiá e Arlindo. Foto capturada do vídeo "O Casarão" de Maurício Cals

O assoalho em lambris de madeira natural está presente em todos os quartos da casa e também na sala. Pela circulação, um belo e antigo mosaico. Nas áreas molhadas (cozinha, banheiros e lavanderia), azulejos.
Todos os quartos são interligados entre si, através de portas comunicantes e meias-paredes e também se abrem para o corredor, o qual se estende até a copa. Destaque para uma relíquia disposta na parede lateral de um desses quartos, pelo lado da circulação, antes de se chegar à copa: um magnífico lavatório esculpido no mesmo mármore da escada de acesso principal.

Detalhe do piano na sala de visitas. Foto de 2007 de Aline Mesquita

A Compositora e pianista cearense Maria de Lourdes Hermes Gondim. Foto capturada do vídeo "O Casarão" de Maurício Cals

O forro, também em madeira, tem em suas bordas uma moldura adornada e detalhes em treliças para que se dissipe o calor, que é amenizado pelo “pé-direito”(Distância medida entre o piso acabado e o teto (forro) de um ambiente.) alto e pelo jardim para o qual todas as portas da casa se abriam. Portas essas trabalhadas na madeira, com duplo fechamento: o mais externo com partes em venezianas móveis e o mais interno com portinholas do tipo painel cego.
Pelas paredes, fotografias emolduradas seguem uma lógica conceitual escolhida, posto que no corredor de entrada se dispõem as que fazem referência aos casamentos de todos os filhos de Dona Lourdinha (A Sra. Maria de Lourdes Hermes Gondim (Foto ao lado do livro de Linda Gondim - Uma dama da Belle Époque de Fortaleza), filha de Iaiá, de quem herdou o casarão). Logo em seguida, acima do piano, pai e mãe, ainda noivos. 

Segundo o que me relatou D. Guilhermina (Foto ao lado - Maria Guilhermina Gondim, ou “tia Mina”, como costuma ser chamada na família. Neta da Sra. Guilhermina Gondim, ‟Iaiá‟, para quem foi construído o casarão onde mora hoje com sua irmã Maria Thereza Gondim. Foto do livro Coisas que o tempo levou - A Era do rádio no Ceará de Marciano Lopes),  as fotografias de ambos sempre se encontram dispostas lado a lado, obedecendo à época em que foram feitas. Dessa forma, quando há uma fotografia de Dona Lourdinha ainda jovem, há também uma de seu esposo do mesmo período, ambos ainda solteiros. E quando há uma fotografia dela já viúva, não há uma dele acompanhando esta.

Detalhe do forro – bordas e preenchimento em madeira. Foto de 2007 de Aline Mesquita

Por toda a casa, móveis seculares, alguns deles ainda do tempo de Iaiá. Na sala de visitas, o piano. Um pouco mais recente; data da década de 1930. Aquele que o precedia, e no qual Dona Lourdinha tocava para a família, certa vez viajou com todos para as férias em Mondumbim. Causou o maior alvoroço. Imagino que tamanha aventura deverá ter sido levar um piano na bagagem das férias, junto com os muitos filhos e suas malas. E ainda mais de trem! Como se não fossem suficientes todas essas emoções, havia um detalhe especial: Mondumbim jamais tinha visto nem ouvido um piano. Diz-se que vinha gente de todas as partes de lá para ouvir Dona Lourdinha tocar.

"[...] Lá no Mondumbim, nós tínhamos uma casa de veraneio, papai mandou fazer uma casa num sítio que a gente tinha, ali: tinha a estação de trem, depois tinha o primeiro sítio, o segundo sítio, à direita, era logo o nosso. Ia levantando assim, ficava bonitinha a casa! Porque ficava assim, “alteando”. 
Relato de Maria Guilhermina Gondim.

Porta rasgada com guarda-corpo externo e bandeiras em vitrais coloridos.
Foto de 2007 de Aline Mesquita

Segundo me relatou tia Mina (acostumei-me a assim chamá-la, de tanto ouvir e também a pedido dela mesma), ele foi vendido porque se encontrava tão antigo que “a afinação não segurava mais”, não valia mais a pena consertá-lo. Também, depois de uma viagem de trem, convenhamos!

Cristaleira em madeira marchetada e espelho com acabamento bisotado. Foto de 2007 de Aline Mesquita

Armário guarda-roupas da Iaiá. Foto de 2007 de Aline Mesquita

Foto capturada do vídeo "O Casarão" de Maurício Cals

Na copa, a mesa de Iaiá foi doada ou vendida a alguém da família, e no lugar desta se encontra uma outra, também antiga, que “Duzuza” (Sr. José Leite Gondim, esposo de Maria de Lourdes H. Gondim),  como era chamado na família, adquiriu comprando-a de seu grande amigo Firmeza. Foram colegas de profissão no Liceu do Ceará, onde lecionaram e onde os filhos estudaram juntos; e vizinhos de frente no Mondumbim, onde tinham casas de veraneio. Descobri mais tarde (justamente por conta dessa mesa) que esse amigo ao qual se referia tratava-se do pai de “Estriguinhas”¹¹¹¹, tão conhecido memorialista de nossa cidade, e colega de Liceu e de infância de tia Mina e suas irmãs."
Aline Mesquita Martins Rosa

Lindo vídeo intitulado "O Casarão" de Maurício Cals, feito em agosto de 2003 e publicado originalmente em 29 de agosto de 2008:


Relatos de Maria Guilhermina Gondim - Uma das herdeiras do casarão:

[...] Papai quando veio do Seminário começou a conhecer a família, ir às casas da família; visitando e visitando; e quando visitou o vovô Arlindo, meu avô, que era o dono dessa casa, conheceu a mamãe. Ele ficava com receio de vir aqui, a mamãe era só uma e tinha-se muito respeito, naquele tempo, aos mais velhos. Tinha uma tia, irmã da minha avó, casada com um irmão do meu pai, tia Clarinha. Ela era viúva, então ele ia lá, conversava com a tia e as primas, mas de olho aqui! Vinha mais lá, e aqui menos.

[...] À praia, eu lembro bem que a gente adorava! A praia era mais forte como hoje, mas ninguém tomava banho não, só foi tomar banho, mais já mocinhas. Só pra dar uma volta, ir até lá de bonde. Era bom! Era aqui mesmo, na Praia de Iracema. O papai mostrava o Seminário: “- Olha, eu passei oito anos aqui!” – e dava uma voltinha no bonde, era muito bom!

[...] Canto estudou só eu. Andou aqui uma professora do Rio de Janeiro e a mamãe foi convidada, mas não podia ir pro Conservatório porque ela não tinha tempo. Ai a mamãe disse: “- Vai, Guilhermina, você vai!” e eu fiz esse curso no Conservatório, que ainda era lá perto do Passeio Público, com a professora Marina Menezes. Era uma cantora clássica carioca, uma senhora. E as aulas dela, tão engraçadas! A gente fazia: “Aaaaaaa...”, as primeiras, ai, com os sons de piano, tinham as escalas: “Aaaaaaa...” e depois tinham arpejos, que era: “Aa-aaaaa”. Ai vai dando os tons e a gente vai cantando, e cantando – cantando não, só dando as notas.

[...] Antes da gente começar a cantar, a mamãe já tocava num programa. Tinha um na hora do almoço da “Cearense”, a loja enorme, era muito afamada, era do Sr. Aprígio, que era nosso vizinho lá da Rua Assunção, o Sr. Aprígio Coelho de Araújo. Era ali naquela esquina, a loja, enorme!

[...] Quando começou a TV eles me convidaram. Nem pagavam, nem tinha transporte, nem nada. Daí eu ainda fui, mas disse à mamãe que era longe. Se tivessem ao menos um transporte! Então eu fui, mas comecei a me esquivar. Ai também, sabe, o ambiente não era muito... Era pesado, um pouco pejorativo. 

O Estacionamento



Meu irmão quis vir do Rio Grande do Sul, nesta época, idealizou este estacionamento e a mamãe aceitou. Derrubou as árvores e fez. Ai tudo era árvore, no tempo da Iaiá, era jardim, sabe, era lindo! E tinha tudo: coco-babão, tangerina, cajaranas! Menina, eram tantas, tinha tanta fruta que era um horror! Mas daí, pra fazer o estacionamento, tiraram as árvores, tiraram tudo; e ai está o estacionamento.




Gif

¹ O mesmo que pensão, pequeno hotel de caráter familiar, onde as pessoas alugam os quartos a preços mais acessíveis, e onde mora uma família, geralmente proprietária desse bem, que não dispondo de condições financeiras para mantê-lo, transformam sua tipologia de uso como tal.

¹¹ Conjunto de molduras salientes que servem de arremate superior às obras de arquitetura.

¹¹¹ Apelido carinhoso cujo qual todos se referem à matriarca da família, para quem foi construída a residência, entre 1910 e 1912, a Sra. Guilhermina Gondim.

¹¹¹¹ Como o chamam na família Gondim. Nilo de Brito Firmeza é historiador, artista plástico, odontólogo e memorialista. Entre outros feitos, como diversas exposições nos Salões de Abril, mantém, juntamente com sua esposa e também artista plástica, a Sra. Nice, o “Mini-museu Firmeza” localizado no sitio da família, em Mondumbim, onde atualmente reside o casal.

EDITADO EM 15/07/2017:

Observação:
De acordo com Rosana Maria Aguiar Gondim,
a senhora Maria de Lourdes Hermes Gondim não era filha única, tinha um irmão chamado José Hermes Gondim que era casado com Henriqueta Machado Gondim, filha de Manoel Firmino Bandeira e D. Maria das Dores Machado Bandeira (Dorinha). Eles tiveram 8 filhos: Edmar Machado Gondim, Arlindo Machado Gondim, Maurício Machado Gondim, Murillo Gondim (que morou anos no casarão com a avó (já viúva), José Henrique Machado Gondim, Pedro Machado Gondim, Paulo Machado Gondim e Maria Hirtes Gondim Gregorious, todos netos do casal Arlindo Granjeiro Gondim e Guilhermina Monteiro Gondim (Iaiá).

:( EDITADO EM 21/07/2021:

No último final de semana, dia 17/07, aconteceu a demolição ilegal do casarão.  Por que ilegal? Porque o imóvel estava em tombamento provisório, o que significa que já não poderia sofrer mudanças estruturais. O casarão sucumbiu na calada da noite! :( 
Revoltante!!!

Foto: Lauriberto

Foto: Jornal O Povo

Foto: Jornal O Povo

A bisneta de Arlindo, a socióloga Linda Gondim - que também é professora da Universidade Federal do Ceará (UFC) com doutorado em Planejamento Urbano, em entrevista ao Jornal Diário do Nordeste,  lamentou a perda de um patrimônio da história da sua família e da cidade: "Foi uma surpresa, e devastadora".

"Confirma um descaso muito grande pelo patrimônio material e imaterial também. Inclusive, você vê os imóveis sendo desfigurados, a propósito de conservarem, restaurarem. A multa para quem faz a demolição é muito baixa, é irrisória. Os compradores preferem pagar a multa e derrubar. E, geralmente fazem isso na calada da noite, sexta-feira à noite, e durante o fim de semana. E foi desse jeito que aconteceu com o Casarão: na sexta-feira, iniciou e, no sábado de manhã, foi concluída a demolição."
LINDA GONDIM
(Socióloga)


Crédito - Dissertação HISTÓRIA DAS CASAS COMO HISTÓRIA DA CIDADE de Aline Mesquita Martins Rosa, submetida à Coordenação do Mestrado em História e Culturas da Universidade Estadual do Ceará – UECE

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