Fortaleza Nobre | Resgatando a Fortaleza antiga : Light
Fortaleza, uma cidade em TrAnSfOrMaÇãO!!!


Blog sobre essa linda cidade, com suas praias maravilhosas, seu povo acolhedor e seus bairros históricos.

 



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terça-feira, 15 de agosto de 2017

Fortaleza antiga - Rivalidade no transporte coletivo na década de 20


1º Round


Nesta cidade, mais especificamente no final da década de 1920, os ingleses da Light duelaram contra o advento dos proprietários de bondes na capital. Todavia esse duelo não se limitou a um desentendimento de empresários que investem no setor de transporte, mas tal conflito concentrou a atenção de diversos atores como políticos, juízes, operários tanto do setor de bonde quanto do setor de ônibus, e população usuária do sistema, o que foi um prato recheado de matérias para a imprensa local.

Na capital cearense, trabalhar no setor de transporte foi meta pretendida por alguns empresários que, no decorrer do desenvolvimento desse setor, travaram entre si disputas judiciais e políticas, com forte apelo popular, pelo direito de exercerem o trabalho na capital. 
Tais acontecimentos começaram a ganhar proporção com o surgimento das primeiras empresas de ônibus, em fins da década de 1920, que rivalizaram com a empresa inglesa de bonde elétrico The Ceará Tramway and Light Power o direito das concessões das linhas urbanas. 


Viagem experimental do primeiro bonde elétrico de Fortaleza em 1913. Acervo Nilson Cruz

Em Fortaleza, quem obteve o privilégio de trabalhar inicialmente prestando um serviço regular de transporte coletivo foi a empresa de bondes denominada Companhia Ferro Carril do Ceará. Nesse sentido, a implantação de uma companhia que aplicasse um serviço regular de transporte coletivo vinha ao encontro das transformações que estavam se solidificando nos âmbitos sociais, econômicos e urbanísticos na segunda metade do século XIX. Esta empresa chegou à capital cearense desfrutando de privilégios, concessões e monopólio, fatos que seriam uma tônica na história do transporte coletivo da capital e que iriam desencadear movimentos contra tais regalias por parte de alguns empreendedores que se interessaram por esse serviço. 


Antigo bonde de tração animal.


Com o desenvolvimento da cidade, no começo do século XX, as autoridades e a própria população começaram a reivindicar melhorias urbanas. Os bondes de tração animal já não davam mais conta das necessidades da capital cearense. O governo municipal tomou algumas iniciativas, determinando a renovação do contrato da Companhia Ferro Carril, desde que esta substituísse a sua tração animal por uma tração elétrica. Em 1910, a Câmara Municipal ratificou a continuação do contrato privilegiado da empresa de bonde. Para efetivar esse caro serviço de instalação de eletricidade, o dono da empresa Ferro Carril, Senhor Tomé da Mota, angariou parceria com grupos ingleses. Dessas relações, o resultado seria a compra dos aditivos e dos direitos da Companhia Ferro Carril pela empresa inglesa The Ceará Tranway and Light Power. A companhia inglesa adquiriu a Companhia Ferro Carril no ano de 1912 e demais companhias de bondes de pequena expressão como a Companhia Ferro Carril do Outeiro. A compra da empresa Ferro Carril do Ceará e demais empresas pela concessionária inglesa não mudou seus estatutos. Ou seja, os privilégios e monopólio foram transferidos a outra empresa, neste momento pertencente a um grupo estrangeiro inglês. A referida empresa chegou a Fortaleza com um aparato governamental e judicial que a possibilitou desfrutar de vários privilégios para exercer seu trabalho na capital. Dentre o monopólio, destaca-se também o total de tempo que uma companhia de bonde teve de concessões para trabalhar em Fortaleza, já que a Light incorporava o tempo concedido à companhia Ferro Carril do Ceará, que chegava a cifra de quase 75 anos de concessões. 



Os privilégios existentes para a Light, as facilidades que esta teve, o retorno financeiro que a empresa desfrutou não se reverteram em um serviço urbano de boa qualidade para os usuários. 

Ao lado, vemos um ônibus na rua Major Facundo dobrando a Guilherme Rocha. Acervo Ivan Gondim

A companhia britânica não se aproveitou do leque de oportunidades para convertê-los em um serviço eficiente. Desde seu começo, a atividade oferecida pela empresa britânica apresentou-se ineficiente e desrespeitosa para a população, que estava “obrigada” a usar os bondes da empresa inglesa, já que, no serviço de transporte urbano, quem detinha o monopólio de trabalhar nessa atividade, juridicamente, era a Light.
As reclamações em torno da empresa foram evidentes desde o começo do seu trabalho. A empresa de transporte urbano que se estabeleceu em Fortaleza com isenções, concessões, monopólio, clientela garantida não conseguiu exercer um serviço eficiente que satisfizesse os usuários de bondes, que clamavam por um serviço mais completo, organizado. No decorrer dos anos de atuação da companhia londrina, o número de reclamações tanto de usuários quanto de funcionários da própria empresa só teve a aumentar. Para os funcionários, tais reivindicações eram pautadas em questões de aumentos salariais e diminuição da carga horária de trabalho. Aos usuários do transporte coletivo, seus apelos circunscreviam em torno de um melhor serviço, no respeito com o cumprimento dos horários, na diminuição das tarifas e em investimentos para melhorar a estrutura física dos bondes. No meio dessas reclamações, devido ao serviço ineficiente para a cidade, no final da década de 1920, surgiram a empresa Matadouro Modelo e empresa Ribeiro & Pedreira que pretenderam apresentar um modelo alternativo de transporte baseado no auto-ônibus para servir à população, preenchendo os espaços que a poderosa empresa inglesa não podia ou tinha interesse em efetuar e, principalmente, oferecer um serviço mais dinâmico e modernizado. 


Um ônibus da empresa Pedreira. Acervo Assis Lima

A primeira empresa a se destacar foi o grupo responsável pelo Matadouro Público da cidade, a empresa Matadouro Modelo. Ciente da insuficiência do número de bondes para o local, a empresa conseguiu autorização para exercer um serviço de auto-ônibus, em 1926, para transportar seus funcionários e demais pessoas que tinham interesse em se deslocar para aquele espaço. O surgimento da empresa foi importante para apresentar a necessidade da implantação de outros grupos trabalhando no setor de transporte coletivo. 

Ainda na década de 1920, surgiu a Empresa Ribeiro & Pedreira, que foi a maior concorrente da Light nesse período e que foi a principal protagonista do conflito contra a empresa britânica. Essa empresa de ônibus teve suas atividades muito bem vistas por parte da população, que clamava pelo surgimento de mais opções nesse setor para viabilizar um serviço mais eficiente e barato. O surgimento da Ribeiro & Pedreira apresentava-se como uma possível solução ao precário sistema de transporte que havia em Fortaleza, devido aos abusos e à ineficiência da companhia inglesa. Ela representava uma modernidade, um progresso que o desenvolvimento da cidade necessitava.

A empresa Ribeiro & Pedreira teve que enfrentar uma concorrente poderosa e não estava disposta a aceitar perder suas regalias. Durante a década, acompanharemos uma verdadeira guerra política de opinião e judicial entre esse grupo e a Light, pelo direito de se apropriarem de determinadas áreas da cidade para exercerem o seu trabalho. Nossa proposta se pautou justamente em analisar as disputas que ocorreram entre as empresas pelo controle das linhas de trânsito no espaço urbano de Fortaleza e as decorrências dessa disputa para a população. Por isso nosso recorte temporal começa em 1926, ano que demarca o surgimento da primeira empresa de ônibus e que abriu possibilidades para a implantação de demais empresas, e finalizamos nossa análise no ano de 1929, data considerada por acontecimentos marcantes como a grande greve que paralisou os bondes da Light, apresentando a necessidade da capital ser “socorrida” pelos ônibus, como também ano importante para essa querela na medida em que os motoristas das empresas de ônibus conseguiram continuar circulando pelas vias da cidade, rompendo, na prática, com as proibições de circulação. A análise da segunda metade da década de 20 (1926-1929) é bastante pertinente para compreendermos como se deu a disputa primária pelo processo de apropriação das linhas urbanas na capital cearense com a chegada dos primeiros ônibus. Para efetivar um serviço de transporte coletivo, uma pequena empresa de auto-ônibus que estava surgindo deparava-se com óbices inelutáveis: os privilégios cedidos à Light e o monopólio adquirido por esta. A história da companhia inglesa foi marcada por uma proteção do governo municipal, que ampliava as possibilidades de lucro da empresa através de privilégios, como exemplo a questão das tarifas. Sem concorrência e com apoio da Câmara Municipal, a proteção que a Light teve em relação à imposição de tarifas sempre foi um fator de revolta da população, que gradativamente pagava por um serviço caro e de pior qualidade. Diante de tais privilégios e do monopólio das linhas pertencentes à Light, como poderia uma pequena empresa de ônibus como a Ribeiro & Pedreira, que estava se formando, exercer seu direito de trabalhar? Como praticar uma atividade, se esta era atividade exclusiva da companhia londrina? Não se podia dizer que a prática da empresa de bonde era ilegal, já que seu exercício era juridicamente legal, pautado em leis. Abrir exceções para demais empresas seria algo que iria de encontro ao conjunto jurídico que defendia as concessões para a Light.


Acervo Assis Lima

Como a cidade de Fortaleza foi transformada com a inclusão de novos incrementos urbanos no final da década de 20? As intervenções políticas e judiciais por ambos os interessados em trabalhar no transporte coletivo foram cenas que tiveram grande repercussão e diferentes pontos de vista, tanto por parte de autoridades, quanto por setores do judiciário. A Light, desde sua formação, nunca exerceu um serviço satisfatório para a capital. Esta empresa, no final da década de 1920, começou a ser vista como uma estrutura retrógrada para o desenvolvimento e crescimento da cidade, especialmente a questão do seu monopólio em linhas. O serviço era ineficiente, perigoso e acarretava reclamações por parte da maioria dos seus usuários. Diante do quadro estruturado de reivindicações por parte dos usuários e da incapacidade que a empresa de bondes apresentou para efetivar o serviço de transporte, as autoridades passaram a rever os privilégios delimitados à Light e abriram a possibilidade da inclusão de empresas de ônibus exercerem o serviço de transporte regular na capital cearense. A grande questão era encontrar uma solução para regularizar o serviço das pequenas empresas, já que perante algumas leis a Light tinha os privilégios e concessões para trabalhar exclusivamente em suas linhas. 


A Assembleia Legislativa do Ceará procurou dentro do corpo jurídico e de jurisprudências artifícios para limitar esse poder de barganha. A estratégia da Assembleia foi fazer uma reinterpretação das leis e concessões da Light. Para afirmarem sua posição, as autoridades foram buscar na Carta Magna Constitucional da República a afirmativa de que a liberdade de comércio e indústria era assegurada pelos princípios da Constituição. Perante esse argumento, a Assembleia não considerava que a questão de concessão incorporasse o epíteto de monopólio, mas somente de um privilégio. É importante salientar que, dentro da Constituição Brasileira da época, a concessão de monopólios para determinados serviços não era visto como algo ilegal, pois entendia-se que determinados serviços de custo elevado de capital necessitavam que somente um indivíduo ou empresa realizasse tal tarefa para potencializar serviços como abastecimento de água, tração e iluminação elétrica, esgotos etc. Entretanto, quando um trabalho monopolizado não conseguia mais atender às demandas da população e contribuir para o desenvolvimento da cidade, esta concessão deveria ser interrompida na medida em que a exclusividade de um serviço é sustentada quando esta tem a capacidade de proporcionar um trabalho eficiente para a comunidade. Nesse sentido, a Assembleia Legislativa do Estado do Ceará pautava argumentos e determinava que o processo de monopólio do transporte coletivo em Fortaleza fosse extinto. A Câmara Municipal de Fortaleza, que era subordinada aos poderes do Legislativo Estadual no assunto relacionado ao transporte, ficava encarregada de exercer o trabalho de abertura de concorrência pública para demais empresas que tivessem interesse em trabalhar no setor de transporte, com privilégios na concessão, mas sem a temática do monopólio. Com a abertura do processo de participação de demais empresas para o trabalho de serviço, a que se destacou nos anos iniciais foi a empresa de transporte urbano denominada empresa Ribeiro & Pedreira. Tanto esta, quanto a empresa Matadouro Modelo, vinham preencher os anseios populares de uma cidade que se encontrava em crescimento. Os usuários viam essas prestadoras de serviços alternativas mais propícias ao desenvolvimento da cidade e um atendimento com mais eficiência. Todavia, a situação estava longe de ser resolvida. A empresa Light ainda dispunha de forte prestígio tanto político, quanto econômico. A companhia lutou para não perder seus privilégios e no meio de tantas tentativas conseguiu reter o monopólio de suas linhas, não permitindo que os ônibus da Ribeiro & Pedreira trafegassem por cima de seus trilhos. 


Da mesma forma que leis quebraram seus privilégios, a Light soube usar o aparato jurídico para readquirir seu monopólio: Dessa maneira, a empresa da Inglaterra, ao exigir que os ônibus da Ribeiro &Pedreira ficassem proibidos de transitar pelos seus trilhos, conseguia manter seu privilégio e, ao mesmo tempo, tentava estagnar o serviço da empresa de ônibus, na medida em que as ruas de Fortaleza não tinham um calçamento favorável e dificultavam o trânsito dos ônibus e também destruía a estrutura física destes. A grande dificuldade dessa empresa de ônibus era colocar seus carros em logradouros que não dispunham de nenhuma estrutura para transição de veículos. Diante disso, a alternativa encontrada pela Ribeiro & Pedreira foi transitar em algumas ruas sobre os trilhos da companhia britânica, já que este seria o único local da rua favorável à circulação de seus veículos. Todavia, a Light não concordou com essa atitude e reagiu para que seu material não fosse utilizado pela empresa de ônibus, conseguindo, assim, através da justiça e da força policial, impedir a circulação de ônibus e tentar eliminar uma possível concorrência. Todas essas disputas criaram em Fortaleza um ambiente efervescente que teve participação de vários sujeitos sociais, desde políticos, juristas, empresários e a própria população. Quando falamos em população nos referirmos aos usuários. Tanto setores de classe baixa quanto de uma classe mais economicamente favorecida, utilizavam o serviço de transporte coletivo. A participação popular, principalmente em suas reclamações divulgadas nos jornais, se constituía em criticar e reivindicar por um melhor atendimento. Por isso clamava pela implantação do serviço de ônibus como forma de ampliar e diversificar o setor, deixando-o mais moderno. Todavia, quando o próprio serviço de ônibus começou a causar problemas, as queixas também apareceram nos periódicos.

Rua Guilherme Rocha em 1920 com os trilhos do bonde.

Além da formação desse monopólio pela empresa britânica, vamos entender por que a Light não conseguia passar um serviço satisfatório e eficiente, que teve como resultado a necessidade de quebrar seu monopólio, para o surgimento de outros meios de locomoção. Portanto, o foco será a análise do advento dos ônibus, em 1926, que foi pautado na “concorrência livre”, mas em clima não amistoso, na medida em que cada lado tentou angariar os passageiros, desenvolvendo diversos argumentos como velocidade, preço, comodidade, propagandas etc. Visto isso, o surgimento de concorrentes nesse período dinamizou a estrutura do transporte coletivo, bem como paradoxalmente criou novos problemas para a população de Fortaleza.




Crédito: MANOEL PAULINO SECUNDINO NETO (“Light 'versus' Ribeiro & Pedreira”)

Fontes: SAMPAIO, Jorge Henrique Maia. Para não perder o bonde: Fortaleza e o transporte da Light nos anos 1913 – 1947. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Ceará, Departamento de História, Programa de Pós- Graduação em História Social, 2010. / JUCÁ, Gisafran Nazareno Mota. Verso e Reverso do Perfil Urbano de Fortaleza (1945 – 1960). São Paulo: Annablume, 2000 / MENEZES, Patrícia. Fortaleza de ônibus: quebra-quebra, lock out e liberação na construção do serviço de transporte coletivo de passageiros entre 1945 e 1960. Dissertação (mestrado) *Universidade Federal do Ceará, Departamento de História, Programa de Pós-Graduação em História Social, 2009. / PONTE, Sebastião Rogério. A Belle Époque em Fortaleza: remodelação e controle. In: SOUZA, Simone de.(Org.) Uma nova história do Ceará Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2000. p.185. /
KOSTER, Henry; CASCUDO, Luis da Câmara. Viagens ao nordeste do Brasil. Recife: Fundação Joaquim
Nabuco/ Massangana, 2002. / Fortaleza Prefeitura Municipal de; CASTRO, Jose Liberal de. Fortaleza: a administração Lúcio Alcântara (marco 1979/maio 1982) . Fortaleza: Prefeitura Municipal de Fortaleza, 1982. P.69 / PONTE, Sebastião Rogério. A Cidade Remodelada. In: SOUZA, Simone de. et.all. Fortaleza a gestão da
Cidade: uma história política e administrativa. Fortaleza: Fundação Cultural de Fortaleza, 1995, p.44 e 45.

sexta-feira, 7 de outubro de 2016

A energia elétrica de Fortaleza


Tudo o que é relacionado ao desenvolvimento, obedece a etapas e/ou estágios. Ao retornarmos ao passado, não implica em se sofrer atrasos, mas estamos resgatando merecimentos, afinal, o moderno hoje é o antigo amanhã. O moderno carro de injeção eletrônica não chegou antes daqueles, cuja partida era à manivela com carburação falha; o compacto celular em que localizamos as pessoas apenas no tempo, não podia chegar primeiro do que os aparelhos de telefonia à magneto, com sua extensão entre emissor e receptor não superior a 1000 metros; as aeronaves, os super-sônicos dar uma volta ao mundo em questão de horas, porém, Alberto Santos Dumont penou bastante para fazer subir o 14 BIS em 1906 na França... Será que a iluminação e energia elétrica fora algo diferenciado? Fortaleza quando no dizer do poeta Otacílio AzevedoAinda Descalça”, foi saindo da escuridão a custa do sacrifício de fauna marinha, hoje na lista de extinção. As baleias desapareceram da Costa Norte brasileira, pois, a iluminação pública da Fortaleza Provinciana, tinha como combustível, o azeite de peixe, cujos estudos datam de 25 de janeiro de 1834, mas que só foram concretizados em março de 1848, quando já era Presidente da Província Cearense, o Dr. Casimiro José de Moraes Sarmento, o construtor do primeiro cemitério da cidade. A exploração do serviço de iluminação de Fortaleza teve início, segundo o historiador João Nogueira, com a assinatura de um contrato com o Português Sr. Vitoriano Augusto Borges que tinha como atribuição, instalar lampiões em numero de 44. Essa luminária tinham quatro faces, sendo mais estreitas em baixo do que em cima, com fundo e tampa de metal. Eram suspensos com armações de ferro como se fosse uma forca, afixados nas esquinas e na posição que pudessem iluminar ruas e travessas. Eram limpos constantemente, e para acendê-los deveriam descer, por isso eles pendiam de uma corda, que passava em duas roldanas. Tinha uma caixinha cheia de azeite de peixe com torcida de algodão. Era parecido com pequenos tachos de que trabalham os ourives para soldas à maçarico. Foi assim que surgiu o primeiro personagem popular de Fortaleza: “Chico Lampião”. Fortaleza bonitinha ficou sendo iluminada com azeite de Peixe até 1866 quando caducado o contrato com o Sr. Vitorino. A tecnologia quando quer avançar não respeita era. Teria que surgir melhorias, e assim veio o Gás Carbônico sob a responsabilidade da “The Ceará Gás Company Limited”. Com o gás carbônico, as ruas de nossa cidade tiveram melhor qualidade na iluminação. Colocadas em ziguezague as luminárias obedeciam a uma distancia de apenas 30 metros uma da outra, e com uma altura de 2,40 metros. Ficava uma chama brilhante em forma de leque queimando o bem preparado gás, salientando que, o gasômetro ficava na Rua Senador Jaguaribe, ao lado da Santa Casa de Misericórdia olhando para a Praça do Passeio Público. Daí o antigo nome dessa rua ser “Rua do Gasômetro”. 

Passeio Público - Avenida Caio Prado (Atual Passeio Público). Vemos os Combustores.

Gasômetro da The Ceará Tramway Light & Power Co. Ltd.

A logística sempre transpassa o que quer ficar parado. O gasômetro já não atendia a demanda. Entra em cena na extensão de seus serviços, a firma inglesa “The Ceará Tramway Light & Power Co. Ltd”, que explorava o transporte de bondes elétricos desde 1913, ganhando privilégio agora para o serviço de iluminação. A localização dos geradores da Light era na Rua Adolfo Caminha (Baixos do Passeio Público) e as suas caldeiras eram alimentadas com lenhas vindas do Horto Florestal de Canafístula (Antônio Diogo - distrito de Aracoiaba) trazidas em vagões gôndolas pertencentes a Companhia Cearense da Via Férrea de Baturité. Em 25 de outubro de 1935, portanto, foi retirado o último lampião à gás encerrando assim, o segundo período da iluminação de Fortaleza, a era do Gás Carbônico. Experimentalmente, em 1933 foram colocadas quatro lâmpadas elétricas de 100 Watts na Rua Formosa (Barão do Rio Branco), entre as ruas Guilherme Rocha e Senador Alencar. Assim em 1934, fora rescindido o contrato da “Ceará Gás” e o Governo do Estado do Ceará sob a interventoria de Filipe Moreira Lima, nesse mesmo ano oficialmente, inaugurou-se na praça do Ferreira a energia elétrica. 


 Poço da Draga e ao Longe a Chaminé da Usina Light.

 Vagões Gôndolas da Via Férrea de Baturité no Horto Florestal em 1913.


Aquele 8 de dezembro foi apoteótico. Aos 19 de maio de 1947 circulou o último bonde elétrico em Fortaleza e, apesar da sobra de demanda, a energia da Light ainda era muito precária. A “The Ceará Tramway” por força do decreto Federal nº 25.232 de 15 de julho de 1948, é transferida para a Prefeitura Municipal de Fortaleza, sendo o Prefeito Acrisio Moreira da Rocha. Aos 20 de maio de 1954, saiu o decreto nº 803 criando o “Serviço de Luz e Força do Município de Fortaleza - SERVILUZ” quando ainda era prefeito, o radialista e advogado Paulo Cabral de Araújo. As novas instalações foram inauguradas em 8 de novembro do mesmo 54, ocupando o local onde funcionava o Escritório da extinta empresa de Bondes no Passeio Público, pela rua João Moreira. A Usina Termoelétrica fora instalada em maio de 1955 na Ponta do Mucuripe, inicio da Praia Mansa. Com modernos geradores Westinghouse, o Serviluz fora criado para resolver o problema da precária energia elétrica de Fortaleza. As razões técnicas para a usina ficar distante do centro da cidade, segundo analistas da época, deveram-se a estratégica zona portuária com o surgimento de empreendimentos, tais como os já existentes: Shell Mex, Esso Standart do Brasil e moinhos de trigo. Além do mais, o equipamento roncava e aquecia demais e a ventilação praiana, favorecia a regulagem térmica. O Serviluz é administrativamente transferido em 1 de maio de 1960 para a Companhia Hidroelétrica do São FranciscoCHESF (Estado da Bahia), a qual por sua vez, em 1 de abril de 1962 instala a Companhia Nordeste de Eletrificação de FortalezaCONEFOR que substituiu o Serviluz. 

 Usina do Serviluz na Enseada do Mucuripe - 1954.

Geradores do Serviluz 


Dois anos após, a rede elétrica proveniente da Usina Hidroelétrica de Paulo Afonso chegou a Fortaleza, com uma subestação em Mondubim. Aí com as presenças do Presidente da República, Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco, do Governador do Ceará Virgílio Távora, do Prefeito de Fortaleza Murilo Borges e várias autoridades, em 1 de fevereiro de 1965 precisamente às 18.30 h, na Praça Libertadores, bairro Otávio Bonfim, era acessa a primeira lâmpada de iluminação pública com energia elétrica da CHESF. Em 5 de julho de 1971, o Governo César Cal's cria a Companhia de Eletricidade do CearáCOELCE e encampa a Conefor, que após três anos em assembléia geral a extingue. Como não era de se esperar, a história se repetiu. O comando do serviço de energia elétrica do Ceará saiu das mãos do Governo Estadual. A Coelce foi vendida, e aos 13 de maio de 1998 passou a pertencer a “Distriluz Energia Elétrica S.A”, “Companhias Enersis S.A”, “Chilectra S.A”, “Endesa de España S.A” e a “Companhia de Eletricidade do Rio de JaneiroCERJ”. Então quem não quiser mandar mais dinheiro para fora, consuma produtos da Terra e economize energia. Seja racional. 

Leia também:

De Serviluz a Coelce - A Companhia Energética do Ceará


Colaborador: Assis Lima

Ex-Ferroviário, Assis Lima é radialista e jornalista.
Idealizou e mantêm o Blog Tempos do rádio



domingo, 3 de agosto de 2014

O transporte coletivo em Fortaleza - Entre 1945 e 1960 (Parte III)


A retirada dos bondes 


Arquivo Assis Lima

Em 19 de setembro de 1946 o capitão Josias, seu Batista e o advogado da Ligth apresentaram pela primeira vez ao governo no Palácio da Luz um plano para suspender o tráfego de bondes em Fortaleza e salvar as finanças da companhia.
Os bondes já não serviam para a cidade e modelo de exploração estava esgotado. 
Restava garantir a continuidade do serviço de luz e cuidar para que os fortalezenses não pagassem a conta. 
Por outro lado, os apelos para a manutenção dos bondes sensibilizaram o novo interventor federal no Ceará, coronel José Machado Lopes, que, em resposta ao Memorial da Federação das Associações de Comércio e Indústrias do Cearáconsiderou que somente autorizaria a retirada dos bondes se a Light garantisse o transporte da população lançando mão de outra estratégia. Afinal, até então, “economia, eficiência e comodidade [eram] artigos que a Light reserva[va] exclusivamente para uso próprio”.



Vista de um postal de 1940 da rua Major Facundo - Arquivo Nirez

Se a suspensão dos bondes elétricos dividia opiniões, a ineficiência da Light em acompanhar o crescimento de Fortaleza era consensual. A cidade estava no caminho do progresso. Em breve atingiria a população de 200.000 habitantes e necessitava de mais bondes, mais linhas e da duplicação das que já existiam.
Os caminhos do Centro à Vila de Messejana e da Praia de Iracema ao promissor lugar do Mucuripe, onde estava sendo construído um porto, mereciam cuidados urgentes¹. Isso demandava recursos da concessionária – talvez por isso a sugestão do interventor José Machado Lopes em manter o novo transporte ainda sob a batuta inglesa não tinha agradado a opinião pública. 

Mas, infelizmente, a Ceará Light pouco ou nada liga ao progresso da nossa urbs. [...] parece primar em tratar-nos como se fôssemos povos coloniais, de civilização rudimentar e aspirações limitadas. [...] É o caso de perguntar-nos: quando nos veremos livres dessa malfadada companhia estrangeira que tão acintosamente abusa de nossa paciência?


Bondinho na Avenida Pessoa Anta - Arquivo Nirez

Em março de 1947, o governo brasileiro firmou contrato com a Inglaterracriando uma comissão mista com representantes dos dois países para avaliar as condições financeiras e as necessidades da empresa “Great Western da Leopoldina Railway e dos serviços de força, luz e bonde de Manaus, Belém e Fortaleza”, com interesse de nacionalizá-los.
Como de praxe, no dia 17 de março, o capitão Josias prestou contas ao Governador Faustino de Albuquerque sobre “a calamitosa situação em que encontra a Light”. Revelou que o governo inglês repudiara a proposta brasileira de ceder os capitais congelados em Londres para os reparos nas instalações em Fortaleza, o que dificultava ainda mais a gestão da empresa. Sem manutenção na usina, a cidade corria sério risco de ficar às escuras. Entretanto, o interventor acreditava que, em cerca de um ano, a Light estaria saneada, com a usina operando com óleo diesel e livre do oneroso serviço de transporte público. 


Serão muito provavelmente retirados de circulação os bondes da Light, com o que os fortalezenses ficarão privados do seu principal meio de locomoção, pois não se pode negar que assim é, malgrado a quase imprestabilidade dos antiquados tramways.

O transporte, mais que nunca, virara um tema indigesto. Tanto a disposição pública em nacionalizar os prejuízos da empresa quanto a retirada dos bondes inspirou a indignação popular. Os deputados estaduais enviaram um ofício para o governador pedindo informações sobre o futuro dos serviços de força, luz e transporte da Capital e sobre o destino da Light, recebendo como retorno respostas lacônicas


Bonde Soares Moreno

E, com a inglesa com os dias contados, os bastidores das suas relações com o governo passaram a ocupar os políticos da ocasião. Udenistas e pessedistas protestavam na tribuna da Assembleia Legislativa contra o descaso da companhia com a população. Bradavam opiniões contra a proteção especial que os governos reservavam à empresa, fazendo vista grossa aos compromissos contratuais, elevando tarifas e deslocando recursos públicos diretamente para a empresa. 

Confrontando dados estatísticos de 1920 e 1940, o deputado Valdery Uchoa fez ver que aquela empresa estrangeira continuava, numa data e noutra, com o mesmo capital empregado na sua usina e no seu serviço de transporte. Ao referir-se à encampação da Light, foi aparteado pelo deputado Barros dos Santos, que perguntou: 
- V. Excia. sabe quanto a Light tem do governo? Estou informado de que o coronel Machado Lopes entregou 2.000 contos do povo àquela companhia! 
Ouviram-se palmas.


Interior dos antiquados Tramways.

É provável que os motivos de tantas reclamações de políticos se fundamentassem no impacto que o tema causava nos humores do eleitorado. A aceleração da urbanização das maiores cidades brasileiras no período pós-guerra fez com que os problemas de transporte público se destacassem nas preocupações da ainda tímida mas relevante classe média urbana, usuária de ônibus e bondes. Isso chamava a atenção dos candidatos.²
A presença da falida companhia estrangeira em cada uma das principais artérias da capital exaltava os ânimos dos defensores do nacionalismo econômico. Os privilégios que outrora a Light tivera podiam ser identificados com a proteção inconsequente do período autoritário. Em 24 de maio de 1947, a Gazeta de Notícias publicou uma reportagem com a manchete: Nos tempos da ditadura - Quando reclamar contra a cobiça da Ceará Light era considerado crime contra a segurança do regime em que era denunciada a perseguição a um ex-deputado opositor da empresa.



Vista Parcial da Usina da Light

No meio do debate, em maio de 1947, a Light resolveu paralisar duas caldeiras da Usina de Força e Luz que estavam danificadas e em risco de explosão. A medida, aprovada pelo governador para evitar o colapso total dos serviços, acarretaria uma considerável diminuição da geração de energia e gerava um impasse contratual: 

Impõe-se uma medida urgente para o racionamento de energia [...] A Light não pode tirar os bondes de circulação por não ter com que pagar as indenizações garantidas aos operários pelas leis trabalhistas. O Estado, igualmente, não pode autorizar tal retirada porque consequentemente se responsabilizaria pela indenização decorrente da 
dispensa dos operários. Outrossim, a suspensão de energia para deixar os bondes em circulação traria uma crise muito maior pois a consequente paralisação da indústria traria desemprego [...] ao passo que uma crise transportes seria de mais fácil solução.
Outrora símbolos do progresso da Capital, os bondes eram, passados 35 anos de funcionamento, obstáculos ao desenvolvimento. Entre paralisar a indústria e enfrentar uma crise de circulação, anunciavam-se os problemas de transporte de Fortaleza que chegavam. A solução, como de costume, foi conciliatória e improvisada. No dia 17, o prefeito da Capital, Jorge Moreira da Rocha, o capitão Josias e a comissão de técnicos federais acordaram com o Governo do Estado um plano emergencial para garantir o fornecimento mínimo de eletricidade, estabelecendo reduções do uso nas indústrias, nas ruas e retirando os bondes de circulação provisoriamente por cinco dias.


¹“Em 24 de janeiro de 1948, a Empresa Iracema inaugura a linha Centro, da Praça Waldemar Falcão ao Cais do Porto, no Mucuripe, utilizando quatro ônibus mistos, para o transporte de cargas e passageiros”. O Porto do Mucuripe tinha um ramal ferroviário que o ligava à Parangaba desde 1941. ESPÍNOLA, Rodolfo. Caravalelas, jangadas e navios: uma história portuária. Fortaleza: Omni, 2007. 


Praça Waldemar Falcão

Ônibus da Empresa Iracema

² A constituição de 1946 excluiu o direito de voto aos analfabetos, legando à classe média, embora numericamente incipiente, um papel determinante nas escolhas políticas. Suas inclinações nacionalistas ligadas ao desenvolvimento e o processo de urbanização no segundo pós-guerra podem ser acompanhadas em SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Getúlio a Castelo (1930 a 1964). Rio de Janeiro: Saga, 1969 e SAES, Décio. Classe média e sistema político no Brasil. São Paulo: TA Queiroz, 1985.  

Créditos: Patricia Menezes (Mestre em História Social pela Universidade Federal do Ceará). Dissertação: FORTALEZA DE ÔNIBUS: Quebra- quebra, lock out e liberação na construção do serviço de transporte coletivo de passageiros entre 1945 e 1960


terça-feira, 22 de julho de 2014

O transporte coletivo em Fortaleza - Entre 1945 e 1960 (Parte II)


Bonde em meados do século XX, elétrico, linha Outeiro.

Desafios da concorrência

Sobralense, o capitão Josias chegou à Light disposto a sanear as contas.
Sua primeira medida foi tomar conhecimento exato da situação financeira,
analisando o parecer dos doutores Pedro Avelar e Renato Freire, do Conselho Regional do Trabalho. Sua primeira impressão foi de que, “se a escrita da Light [estivesse] certa, o aumento [das tarifas seria] uma bomba atômica”. Como sempre, seria necessário majorar as tarifas ou conseguir empréstimo para pagar os trabalhadores e a adaptação das caldeiras da Usina de Força e Luz para a queima de óleo. Em todo o caso, o capitão Josias conseguiu recorrer da decisão da Justiça do Trabalho, retomando a sugestão que Mr. Brown elaborara no calor da crise. Para isso, usou o estratagema usual da companhia: não era contra o aumento de salários. Apenas solicitara ao Governo que lhe desse condições de cedê-lo... 

O aumento das tarifas veio em 5 de julho, autorizado pelo Governo Federal e somente deu para solver a folha de pagamento. Mas, de certa forma,ele trazia um recurso que permitiria a sobrevivência da Light até a substituição das
caldeiras, uma vez que vinculava o preço da energia elétrica à variação dos
preços da lenha. 

Foi uma importante conquista do capitão Josias, pois, desde a instalação da
Usina do Passeio Público, a geração de luz consumia mais e mais as florestas próximas da Capital. Em 1946, o preço da lenha estava muito alto e drenava recursos da companhia, deixando-a “acossada por dificuldades de toda a espécie:
falta de transporte, escassez de água do Pajeú, umedecimento das achas de
madeiras nos invernos (sic) rigorosos”
.

Ceará Tramway, Light and Power Co. - Ponto de partida dos bondes.

Assim, a solução do avanço tecnológico do óleo diesel se mostrava cada vez mais consensual para os fortalezenses. Ao comentar o fracasso financeiro
da Light, o presidente da Fênix Caixeiral lamentou, tempos depois
:

Tivessem sido instaladas as caldeiras de queimar óleo ao invés de lenha, bem assim tomadas outras providências [de ordem técnica] além de não ter sido destruída nossa floresta e provocado, consequentemente o aumento no preço da lenha...
Ou seja, a conta da Light parecia recair sobre os ombros da população,
tanto do ponto de vista do aumento de preços – protegido pelo monopólio – como da injeção e deslocamento de recursos públicos para a companhia. Mas a elevação de tarifas era providência incômoda ao governo, pois redundava em
grandes manifestações de descontentamento popular. À sociedade prenhe da
retomada das eleições, valia oferecer alguma compensação.
E, mais uma vez, choviam promessas de melhorias no transporte público. 

Década de 40 - Cepimar

Segundo o capitão Josias, em julho de 1946 a Light tinha 52 bondes, dos quais apenas 14 estavam em funcionamento. Com o dinheiro auferido na nova tarifa, a companhia poderia recuperar 13 deles até o fim do mês e consertar toda a frota até o fim do ano.

No começo de agosto já havia 25 bondes circulando e um certo boato de que viriam novos aumentos, elevando o preço do bonde em Cr$ 0,10. A história
mereceu comentários do seu Batista, que continuava no primeiro escalão da
companhia: 

E digo mais: a cobrança de passagens a Cr$ 0,40 não será suficiente mesmo para fazer face às despesas trazidas pela manutenção do serviço de bondes, que ocupa um verdadeiro exército de homens e desde há anos deixa largos prejuízos. Parece incrível? Se pudéssemos, por exemplo, manter as atividades livres dos ônibus, poderia ser que fizéssemos desaparecer o prejuízo. Mas não se verifica: enquanto o ônibus ou a caminhonete viaja apenas quando lotado, sem obedecer a horários, [com] o círculo de 6 às 20 horas, ou seja, nos momentos de grande movimento, os bondes são obrigados a entrar funcionamento pela madrugada e circular até meia noite, viajando, em largas horas, com 3 ou 4 passageiros. Não há compensação do serviço.

Além das dificuldades do pós-guerra, surgiam agora os ônibus como obstáculos para a Light. Para seu Batista, era necessário proteger a companhia inglesa da concorrência dos automotores. Era preciso, ao menos, “regularizar” os ônibus e obrigá-los a operar em condições de igualdade com os bondes.
Esquecia-se o ex-gerente de que a frouxidão do controle público sobre o tráfego de ônibus e caminhonetes era a outra face do contrato de privilégios do Governo com a Light. Era, assim, o reflexo do entendimento onde os ônibus eram alternativas suplementares da insuficiência do serviço de tramways.
Em 1946, seu Batista esquecia-se também da grande e cara estrutura que
a Light dispunha frente às domésticas empresas de ônibus que atuavam na
cidade. E esquecia-se, finalmente, do compromisso em enviar, a cada ano, um
grande valor de dividendos aos acionistas ingleses. Tanto que, quando o capitão Josias desmentiu o boato do novo aumento da tarifa, tratou de esclarecer que a ideia fora sugerida numa conversa informal com o interventor do Estado. Se a elevação acontecesse, seria para “ocorrer aos pagamentos dos dividendos das ações da empresa em Londres, o que [poderia ser] feito oportunamente, aos poucos, logo que a Light [entrasse] em melhor situação econômica”. 

Mesmo sem o aumento, as declarações repercutiram muito mal. Choveram
reclamações das classes produtivas sobre o pouco caso da companhia inglesa
com os sofridos passageiros de bondes. Mais ainda porque, no final de setembro de 1946, o capitão Josias articulava transmitir 51% das ações da Light ao governo brasileiro, mesmo depois de retumbantes indícios sobre a iminente falência da empresa. 

A Fênix Caixeiral e a Federação das Associações de Comércio e Indústrias
do Ceará
manifestaram-se contra a gestão do capitão Josias, publicando o mesmo rosário de críticas: não era admissível penalizar a população do Ceará para salvar uma empresa estrangeira que só fez distribuir seus lucros – fartos até a gestão de Mr. Scott – aos acionistas. A culpa da situação era a má gestão, que privilegiava a remessa de dinheiro ao exterior ao invés de colocar dinheiro na rede de carris e força. A Light não cumpria os acordos com o Governo, o que contribuía ainda mais com a obsolescência do maquinário:

Suas linhas jamais foram ampliadas; seus bondes jamais foram
melhorados nem aumentados em número de acordo com o crescimento
da população da cidade e seus trilhos, seus maniquinismos, as
instalações de sua usina, todo o seu antiquado material, enfim, nunca
deixou de ser isso o que acaba de ser dito, de público, pelo interventor.
Deficiente e imprestável

Continua...

Créditos: Patricia Menezes (Mestre em História Social pela Universidade Federal do Ceará). Dissertação: FORTALEZA DE ÔNIBUS: Quebra- quebra, lock out e liberação na construção do serviço de transporte coletivo de passageiros entre 1945 e 1960

sábado, 12 de julho de 2014

O transporte coletivo em Fortaleza - Entre 1945 e 1960



"Em 1958, os ônibus de Fortaleza eram palcos de todo o inesperado que pode se criar quando muita gente diferente se junta num mesmo espaço a caminho de destinos mais ou menos próximos. Podiam até mesmo ser reflexos diminuídos da grande cidade que se formava, tamanhas suas contradições. Vistas das janelas dos ônibus, de alguma forma, as ruas deixavam de ser caminhos ordenados pelos construtores da cidade para se tornarem veredas imprevisíveis, incertas até mesmo da chegada. Nos ônibus, o acolhimento da racionalidade urbana cedia assento para a aventura das relações humanas em movimento. Para enfrentar os ônibus, o conselheiro Milton Dias sugeria certo alheamento do real, como uma cautela frente à impossibilidade de compreensão do cotidiano vivido.
Então eram eles, os ônibus, por suas incongruências, os lugares possíveis de se
conhecer a gente da cidade."

Patricia Menezes




O CASO DA LIGHT

Andar de ônibus é talvez a aventura capaz de traduzir com mais precisão a realidade da cidade em disputa, pouco se sabe das discussões que envolveram a formação do moderno sistema de transporte de passageiros de Fortaleza. Nos primeiros momentos, esse enfrentamento se deu entre os bondes elétricos da The Ceará Tramway Light and Power e as pequenas empresas de ônibus que se multiplicaram na cidade depois de 1926.



Para o seu João Batista de Paula, o “Batista da Light¹, os maiores problemas que surgiram foram a Guerra e os ônibus. Se, para os ônibus, o racionamento de gasolina durante a Segunda Guerra Mundial trouxera inevitáveis transtornos com o gasogênio – improviso mecânico que permitia o tráfego de automóveis através da combustão de carvão –, para a Light, responsável pela eletricidade e pelos bondes da cidade, as dificuldades se multiplicaram na razão do tamanho da companhia e do seu papel determinante do desenvolvimento urbano de Fortaleza no final dos anos 1940.
Funcionário de carreira, seu Batista foi o único nome cearense que esteve à frente da The Ceará Tramway Light and Power Limited em Fortaleza, – afora o interventor nomeado pelo Governo Federal do Presidente Dutra, já nos últimos meses de funcionamento da empresa. Batista começou a trabalhar em 1914 como contínuo e foi galgando postos até chegar à gerência – o posto máximo da empresa no Brasil – em 1934, em substituição a Mr. Hull², que fora afastado quando a legislação brasileira impediu que estrangeiros exercessem funções de comando no País. Com 40 anos de trabalho na companhia, seu Batista conhecia a Light como ninguém. Lidava com intimidade com os problemas da vida dos trabalhadores e resolvia com desenvoltura as complicadas relações com os acionistas na Europa.


Em 1945, seu Batista pedira à sede da companhia em Londres que enviasse um lote de peças para que ele recolocasse em funcionamento grande parte da frota de bondes elétricos que estava encostada na garagem da Light, no bairro Joaquim Távora, em Fortaleza. Eram, ao todo, 53 tramways. Ele bem sabia
que eram pouquíssimos para atender os 195 mil habitantes da cidade, espalhados
ao longo dos caminhos das nove linhas de carris e em arrabaldes bem mais distantes do Centro. Mas comprar novos bondes e ampliar a instalação de trilhos e cabos elétricos impunha importantes negociações com os capitalistas ingleses. 


A fotografia dos anos 30 nos mostra um bonde elétrico da Ceará Tramways, Light & Power em Fortaleza. Está perto da Praça do Ferreira, na rua Pedro Borges esquina com Floriano Peixoto, em Frente à Mercearia Leão do Sul.


Portanto, resolver o problema de conservação da frota existente, sem dúvida, já
seria um grande benefício para Fortaleza.
A preocupação de seu Batista em aumentar o número de bondes urbanos era coisa que os jornais já estavam cansados de reclamar. A cidade estava se transformando numa metrópole, fazendo da desorganização da circulação e da deficiência do transporte coletivo problemas urgentes. Essas questões haviam
inspirado o Secretário de Segurança Pública do Estado, Raimundo Gomes de Matos, ainda em 1945, a contratar o senhor Rui Toledo para planejar melhorias nos deslocamentos da Capital. Era sabido que o descontrole do crescimento de Fortaleza transbordara as expectativas dos planos urbanísticos anteriores e exigia que o saber técnico tentasse esquadrinhar novamente o movimento da cidade.


Chegando de São Paulo pouco depois da substituição do titular da Secretaria por Romeu Martins, o senhor Rui de Toledo considerou o trânsito de Fortaleza um caos e, no tempo curto de seu contrato, limitou-se a sugerir medidas que visavam “melhorar a educação” das pessoas nas ruas. Recomendou, inclusive, a adoção de traves laterais nos bondes, de forma a impedir que os passageiros subissem por qualquer lado do carro e viajassem dependurados nos estribos, como bochecheiros³. Tais traves, finalmente, poderiam evitar as constantes paradas dos bondes para embarques fora dos pontos, que eram grandes obstáculos ao fluxo de automóveis.
As medidas eram tímidas. Mesmo com a confusão do tráfego e a notória escassez de veículos de transporte coletivo, havia dias que somente 8 dos 53 bondes elétricos entravam em circulação, tão deteriorada estava a frota da Light.


Seu Batista alegava que a companhia não dispunha de peças sobressalentes para reposição, pois a tecnologia dos tramways era inglesa e a crise do comércio
marítimo durante a Guerra impedia que os navios chegassem à Fortaleza.

Não há nervos que resistam à passagem na via pública dos calhambeques da companhia inglesa. São tramways desgastados pelo uso e máquinas corroídas pelo tempo. Controles que descontrolam os motorneiros e desconsertam os tristes passageiros.


Então, restava improvisar. Em janeiro de 1946, um grupo de trabalhadores da Light revelou ao repórter do Correio do Ceará que algumas peças quebradas
eram substituídas por engenhos feitos de cimento e cal pelos mecânicos da empresa, garantindo um número mínimo de bondes circulando, mesmo em
condições duvidosas. Os resultados de tal tática eram os frequentes acidentes e
incêndios espontâneos que revelavam aos assustados passageiros as deficiências
da oficina da companhia. Uma semana depois da revelação, o Unitário publicou o acidente com o bonde da linha José Bonifácio:

O bonde incendiou sua caixa de máquinas provocando, além dos ferimentos em seu guiador, susto nos passageiros que ali viajavam.  Unitário, Fortaleza, 21 jan. 1946. Em março de 1946, a falha nos freios de um bonde causou uma colisão que levou um garoto à morte. Correio do Ceará, Fortaleza, 13 mar. de 1946.

Mas, com o final da Segunda Guerra, a retomada do movimento internacional nos portos brasileiros e o começo da recuperação da Europa, as esperanças do seu Batista de receber a encomenda de peças da Grã Bretanha aumentaram. Ele planejava recolocar nas ruas os bondes elétricos que estavam parados ainda no ano de 1946.

Tomadas as providências para receber o carregamento, seu Batista viajou ao Rio de Janeiro para discutir com as autoridades do governo soluções para a crise financeira da Light. Deixou a gerência e a negociação sobre o dissídio dos
trabalhadores da empresa sob os cuidados de seu imediato, o engenheiro chefe,
Mr. Brown.
Naquele tempo, a Light mobilizava grande número de trabalhadores da cidade. Basta lembrar que logo no começo de suas atividades, em 1913, tratou de empregar, só na operação dos carris urbanos, 64 motorneiros – que guiavam os bondes – 64 condutores – que cobravam as passagens – e 25 fiscais, ou seja,
153 trabalhadores. Com o passar do tempo, o contingente de empregados só fez
crescer, principalmente depois que a empresa substitui a Ceará Gás Company na distribuição de eletricidade para iluminação das ruas, em 1934.

Eram muitos funcionários, se comparados às pequenas empresas de transporte por ônibus que existiam nos anos 1940. Trabalhavam em condições precárias mas, irmanados no embate com os patrões ingleses, formavam um grupo mais ou menos homogêneo. No começo dos anos 1920, criaram a Associação União e Progresso dos Trabalhadores da Light que se transformou, em 1931, no Sindicato de Operários da Light. E no passo da sua organização, já haviam deflagrado grandes greves que chegaram a paralisar a cidade em 1917, 1919 e 1926. Em 1926, o movimento paredista obrigara o Presidente do EstadoJosé Moreira da Rocha, a mobilizar forças para impor medidas de “caráter conciliador e, por último, de pronta reação, [somente quando então] os ânimos se acalmaram voltando os grevistas ao labor honesto e profícuo de sua profissão”. Mensagem apresentada à Assembleia Legislativa pelo Desembargador José Moreira da Rocha, presidente do Estado. Fortaleza: Typographia Gadelha, 1926. 

Os operários de bondes, força e luz eram, portanto, protagonistas de uma longa
história de reivindicações de trabalho.
Enquanto seu Batista estava às voltas com a crise da Light, em 1946, o governo federal regulou o direito de greve. Então, o Sindicato dos Operários em Empresas de Carris Urbanos de Fortaleza encaminhou à Delegacia Regional do Trabalho um memorial descrevendo as muitas responsabilidades dos trabalhadores da Light. No documento, o sindicato enumerava os desafios do aumento do custo de vida, das baixas remunerações e propunha, enfim, um
aumento que variava entre 50% e 80% sobre os salários. Naquele tempo de
escalada da carestia, os trabalhadores da Light ganhavam entre Cr$ 145,00 e Cr$
1.000,00. A fórmula de reajuste escalonado dos ordenados era uma alternativa à
conhecida inclinação da companhia em não diminuir sua margem de lucros. A
Delegacia do Trabalho despachou o pedido à gerencia da Light determinando um prazo de 48 horas para que patrões e empregados entrassem em acordo.

No dia 30 de março o prazo se esgotou, mas a Light não atendeu a reivindicação. Argumentava que não tinha dinheiro para arcar com o aumento. Mr. Brown, “em todo o caso – frisou – na resposta a ser enviada ao sindicato, ‘- Sugeriremos que seja utilizado, para cobrir esse aumento, o saldo resultante do aumento das tarifas de força e luz e cuja aplicação é da alçada do Governo’”.

Ou seja, naquele contrato em que as obrigações da companhia e do Governo não estavam muito claras, tanto os resultados dos aumentos de tarifa de bondes, luz e força quanto as responsabilidades de oferecer o serviço de qualidade à população se confundiam. Aliás, nos anos 1940, a constante das relações entre o Governo e Light era um jogo de compensações no qual os pedidos da empresa para autorização de aumentos no preço dos bondes correspondiam a compromissos de investimentos em novas linhas, cuidados com os tramways ou com a folha de pagamento do pessoal do tráfego. Mas, na maioria das vezes, os aumentos de tarifas não bastavam para cobrir os gastos da empresa. Então, os investimentos no serviço de transporte da cidade ficavam para depois.

Daí decorria o costumeiro desrespeito aos acordos firmados com as autoridades. Pouca gente acreditava nas promessas para minimizar o “castigo dos passageiros de bondes”. O sonho do seu Batista de aumentar a frota tornou-se bravata de 1º de abril em 1946, junto com as ironias urbanas sobre o funcionamento da iluminação e dos telefones, do tabelamento do preço do peixe, da chegada de navios.


Mentiras do Dia:
A Light adquiriu quarenta bondes novos, com assento de veludo e vai manter corrente contínua.

A sensação de que pouco se poderia esperar tornou-se mais concreta quando o vapor Benedict chegou a Fortaleza, em 3 de maio de 1946, com peças capazes de restaurar somente 10 dos bondes elétricos, que, segundo Mr. Brown, depois dos reparos, poderiam ser reintegrados às linhas da cidade em 10 semanas. 
A frustração daqueles que esperavam que os 53 bondes operassem só foi minorada pelas manchetes de jornais que sugeriam benfazejas expectativas do modelo alternativo de transporte coletivo na cidade:

ÔNIBUS ENCOMENDADOS
Segundo o nosso informante que é pessoa merecedora de fé, a Empresa Pedreira”, que explora as linhas de JacarecangaBrasil Oiticica, dentro de três meses, estará com mais 3 ônibus em circulação.
O sr. Jose Setúbal Pessoa, que mantém serviço de ônibus nas linhas de Praia de Iracema, Mucuripe e Seminário, inaugurou um novo veículo e tem encomenda de mais três.
 A “Empresa Salvador”, cujos carros trafegam para Monte Casteloantigo açude de João Lopes, lançou em circulação um carro novo e tem
encomendado mais dois.  

A “Empresa S. Gerardo” e “Severino” que exploram as linhas de Alagadiço, Benfica e Joaquim Távora , estão também com diversos veículos em construção.
Como observam os nossos leitores, nos três próximos meses, o nosso sistema de transportes inter-urbanos terá melhorado consideravelmente, marchando para uma solução definitiva e satisfatória a crise que ora nos aflige.

A comparação da ineficiência da gigante inglesa com as pequenas empresas de ônibus era inevitável. Como explicar que, cobrando passagens ao mesmo preço, os ônibus fossem tão mais confortáveis, seguros e rápidos? Numa leve alfinetada na omissão dos homens públicos, os passageiros acreditavam que “o cúmulo da boa vontade seria a gerência da Light fazer alguns consertos nos calhambeques com que serve à população”.


No dia 14 de maio de 1946, seu Batista voltou do Rio de Janeiro munido da panacéia que tiraria a Light do vermelho. Urgia mudar a matriz de energia elétrica da cidade, substituindo a queima de carvão e lenha por caldeiras capazes de processar óleo diesel na usina do Passeio Público. Era uma alternativa eficiente que deixaria Fortaleza livre dos lapsos de fornecimento e, de uma vez por todas, do fantasma da falta de energia elétrica. Ao mesmo tempo, o diesel colocaria a Light novamente em condições financeiras de operar.
Mas tal mudança, como de costume, exigiria o esforço coletivo, traduzido na elevação das tarifas de força e luz. Afinal, não se podiam esperar novos investimentos da Inglaterra, abalada como estava com os sacrifícios da Segunda Guerra, assim como todos os países do Velho Continente... O dinheiro teria de sair do Brasil. De acordo com o seu Batista, esses mesmos motivos tinham impedido as chegada das prometidas peças para os bondes estragados no vapor Benediet:

Não é verdade que seja velho todo o material recém chegado da Inglaterra. Recebemos Cr$ 600 mil cruzeiros de equipamentos, rodas, engrenagem, etc. Apenas os motores e controles indispensáveis não puderam vir saídos de fábrica. É que não houve meios de trazer os novos. E a não vir nada, preferimos trazer uns usados, em boas condições ainda. Que se compreenda: todas essas dificuldades de transporte em Fortaleza, de vinda de material novo, tudo isso é doença geral, doença do após-guerra. Que é que podemos fazer além do que
fazemos? Onde é que buscaremos bondes novos?


Enquanto isso, motorneiros e condutores esperavam o fim do impasse dos
salários. E, em poucos dias, as alegações de que a Light estava sem dinheiro
caíram por água abaixo. A Justiça do Trabalho determinou o pagamento do
aumento salarial, descartando a desculpa de que a empresa só dava prejuízos. Os juízes consideraram que há tempos a companhia não cumpria seus acordos com o poder público. Na última negociação, por exemplo, comprometera-se, em troca do aumento nas passagens, a retirada dos “bondes da Praça do Ferreira, fazendo-se, em substituição, instalação de trilhos nas ruas Barão do Rio Branco e Liberato Barroso. Além disso havia a junção das linhas Via Férrea com Soares Moreno, o prolongamento da linha Jose Bonifácio e outros serviços [...] A elevação das tarifas e das passagens de bondes entrou imediatamente em vigor, mas os melhoramentos e ampliações que a Light se obrigara ainda [continuavam] a ser esperados pela população de Fortaleza".

Uma devassa nas contas da Light revelou que "a soma dos saldos verificados entre as despesas e a receita da mesma [companhia] depois de 1932,
[ascendia] a elevada quantia de CR$ 26.008.820,35. Ainda mesmo deduzido o
valor dos descontos de previsão reservados anualmente pela empresa, apurou-se
um lucro liquido de mais de dez milhões de cruzeiros". É certo que tal conta,
encomendada pela Justiça do Trabalho, divergia completamente das planilhas
preparadas pelos guarda-livros da Light, que apontavam um déficit muito maior. De qualquer forma, com os novos cálculos em mãos, os trabalhadores pediram a prisão preventiva do gerente da Light, caso não cedesse os novos salários.

Seu Batista estava certo de que a Light não estava em condições de pagar novos salários. Argumentou que só a majoração nos preços de luz e transporte
traria recursos para honrar o aumento, mas sabia que tal solução demandava
muitos estudos do Governo do Ceara. Então, desistiu. Pediu ao interventor federal no Ceará, Ministro Pedro Firmeza, que providenciasse a intervenção federal na companhia.

Em 1° de junho de 1946, sob a orientação do Ministro do Trabalho, o Presidente Dutra decretou a intervenção, nomeando o Capitão Josias Ferreira Gomes novo administrador da Ceará Light.

Continua...


  • ¹  João Batista de Paula nasceu na cidade de Quixadá, estado do Ceará, em 26 de março de 1895.

Filho de José Ferreira de Paula Filho e Maria Carminda do Carmo Paula, ambos analfabetos e trabalhadores rurais.

No ano de 1919 casou-se com sua prima legítima, por parte de mãe, Sarah do Carmo Paula (09/07/1894).
Batista e Sarah do Carmo Paula, mais velha que Batista alguns meses, tiveram três filhos: Margarida Maria de Paula Ventura (26/09/1919), Luiz Gonzaga do Carmo Paula (19/02/1923) e João Batista de Paula Filho (28/07/1925).

Batista começou a trabalhar com 12 anos de idade quando deixou a casa de seus pais, em Quixadá, para ser caixeiro da mercearia de Pedro Gurgel do Amaral, em Senador Pompeu, uma pequena cidade com 30 mil habitantes, localizada às margens do Rio Codiá, no coração do Ceará.

Dois anos depois, em 28 de junho de 1909, mudou-se para Fortaleza. Empregou-se na Casa Correia. De lá saiu para a Casa R. Guedes que funcionava no antigo local do Cartório Pergentino Maia.

Com dezessete anos, no ano de 1912, foi admitido pela South América, no serviço de recebimento de material para a instalação da Usina do Passeio Público e as linhas de bondes, com o salário de 150 mil réis por mês.

Seis meses depois passou a ganhar 200 mil réis.

A South América durou pouco. Construiu alguns trechos da Estrada de Ferro de Baturité, mas em novembro de 1913, faliu e Batista foi demitido.

No ano de 1914, Batista conseguiu emprego de Almoxarife na Ceará Light (Ceará Tramways Lyght and Power Cº Ltd) que no ano de 1911 havia celebrado com a municipalidade um contrato por 75 anos para a implantação e exploração de bondes a tração elétrica, na cidade de Fortaleza.

O seu salário inicial como Almoxarife era de 250 mil réis.

Foi caixa durante seis anos. Depois chefe do tráfego, chefe do escritório, assistente do gerente e, finalmente, em 26 de setembro de 1934, gerente. Foi gerente durante vinte anos.





  • ² Depois de seu afastamento, Mr. Hull tornou-se Cônsul britânico em Fortaleza. Sua influência sobre os destinos da Light, entretanto, persistiu durante toda a gerência de Batista e até mesmo do interventor federal na empresa. A sede do consulado inglês funcionava nas dependências da Companhia, no Passeio Público, até a encampação pela
Prefeitura, em 1948, o que pôde indicar a estreita ligação dos acionistas estrangeiros com as tomadas de decisão para o funcionamento e para a distribuição dos lucros da empresa.




  • ³ OS BOCHECHEIROS


Data: 22/03/1939 - Fonte: O Estado, p. 03

Pegar uma bochecha nos desengonçados carros da Light, no seu percurso em volta da Praça do Ferreira, é vêso antigo da nossa molecagem. É tão grande é o número desses pequenos vagabundos que, por vezes, ambos os estribos dos carros se apresentam completos, impossibilitando de forma absoluta a que nos mesmos se suba ou deles se desça.

Não raro os nossos jornais têm clamado por medidas coercitivas, aliás, de facílima execução, sem que até agora se prestasse atenção ao caso.

Não há dúvida, porém, quanto à necessidade dos mesmos, pelo que as solicitamos.

Os goleiros e os vagabundos estão ali a desafiar a atenção da nossa polícia que, talvez, com um simples guarda e a Madalena fizesse cessar esse abuso. Uma ou duas colheitas lei as naquele local entre a garotada bochecheira e barulhenta, tiraria à mesma esse costume condenável sob todos os pontos de vista.


Grafia da época


Créditos: Patricia Menezes (Mestre em História Social pela Universidade Federal do Ceará). Dissertação: FORTALEZA DE ÔNIBUS: Quebra- quebra, lock out e liberação na construção do serviço de transporte coletivo de passageiros entre 1945 e 1960, Site do João Scortecci, Museudantu.org.br, Arquivo Nirez e Cepimar


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