Fortaleza Nobre | Resgatando a Fortaleza antiga
Fortaleza, uma cidade em TrAnSfOrMaÇãO!!!


Blog sobre essa linda cidade, com suas praias maravilhosas, seu povo acolhedor e seus bairros históricos.

 



segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Hospital Geral Dr. César Cals



O Hospital recém inaugurado - Arquivo Nirez

O Hospital Geral Dr. César Cals de Oliveira é carinhosamente chamado de a César Cals, por conta da maternidade. Além do afeto, existem também motivos históricos para tão apropriada denominação, conforme relatos que se seguem sobre sua origem e evolução. Tais fatos também explicam, de maneira substancial, a inquestionável e destacada vocação acadêmica sempre existente nesta instituição. A César Cals é abençoada de origem, pois foi gerada na Santa Casa de Misericórdia de Fortaleza, datando esta de 1861 e sendo o Dr. João da Rocha Moreira um dos seus fundadores. Seu filho, o médico obstetra Dr. Manuelito Moreira lançou a semente da César Cals, quando, por sua ideia, foi aprovada, em reunião solene na Santa Casa, a fundação da Sociedade Auxiliadora da Maternidade Dr. João Moreira - Sociedade Civil Beneficente, proprietária da Maternidade e da Casa de Saúde.

Casa de Saúde Dr César Cals - Foto do Acervo Assis de Lima

Praça da Lagoinha, vendo-se o hospital - Arquivo Assis de Lima

Albergada inicialmente na própria Santa Casa, eram precárias as condições de funcionamento da nova instituição. Por isso, os Drs. Manuelito Moreira e César Cals arrojadamente partiram para a aquisição de um terreno na Praça da Lagoinha onde, após quase seis anos de penosa construção, foi inaugurada a sede própria, em 31 de outubro de 1928. No andar térreo ficou a Maternidade Dr. João Moreira com capacidade para trinta leitos e, no andar superior, a Casa de Saúde César Cals, com dezesseis leitos.


O Dr.César Cals de Oliveira foi seu primeiro diretor, liderando com eficiência um grupo de médicos pioneiros, capacitados,  determinados e de grande abnegação. Foi de extrema importância a colaboração das Irmãs Terceiras Capuchinhas, responsáveis pela  assistência de enfermagem e apoio à administração da nova instituição. Com o falecimento do Dr. César Cals, assumiu a direção,  com muito denodo e competência o Dr. José Ribeiro da Frota, permanecendo no cargo até o fim de sua vida. A seguir, foram diretores  duas históricas e destacadas figuras da medicina cearense, respectivamente Dr. José Carlos Ribeiro e Dr. José Galba Araújo. Seguiram-se vários diretores com características pessoais distintas, mas sempre atendendo, dentro do possível, e em função  das freqüentes dificuldades financeiras, os anseios do seleto corpo clínico da César Cals, respeitável em todas as épocas pela  excelência da sua formação técnica e ética,além de uma exemplar abnegação e espírito acadêmico.


Em 1973 aconteceu um fato histórico absolutamente decisivo para a César Cals. Com as mudanças de política de Saúde no Brasil,  este hospital se encontrava financeiramente inviável. Era governador do Ceará, o Sr. Cel. César Cals de Oliveira Filho, que se comprometeu, após análise minuciosa, a resolver o problema. Aos 16 de  julho do mesmo ano, o Governo do Estado assumiu as responsabilidades administrativas da Instituição, recebendo como doação o seu patrimônio e acervo, com o compromisso de continuar prestando, à populalação pobre do Estado, os serviços anteriormente disponibiliza-dos. Assim, a Fundação de Saúde do Estado do Ceará (FUSEC) passou a administrar a CÉSAR CALS, que recebeu novo e vigoroso ânimo. Desde então, só vem crescendo e se fortalecendo em sua abrangência diagnóstica e terapêutica. Hoje é de fato um hospital geral, de grande expressão e com muitos serviços, tendo uma capacidade instalada de 297 leitos.
E quanto à sua vocação, ao seu espírito acadêmico?

Arquivo Assis de Lima

Para melhor compreensão deste aspecto, vale salientar que a Medicina teve, tem e sempre terá em sua composição três  itens: magia, ciência e arte. Quanto mais ciência, menos magia, porém sempre haverá o componente magia, não no sentido anti-ciência. Os três, sabiamente dosados, dão o charme, especialmente  no setor do ensino médico, onde o instrutor, o verdadeiro mestre terá que ser vocacionado e precisa  agir no ambiente adequado. É necessário ressaltar que desde o tempo de Hipócrates (360 a.C) até os dias atuais, o conhecimento médico sempre foi buscado com afinco. A grande diferença está na celeridade das aquisições científicas dos tempos recentes, fazendo-se necessária uma permanente reciclagem e nisto os  mestres são imprescindíveis para ajudar os discípulos a distinguir o joio do trigo, a seguir a orientação sempre atual de William Osler: aprender medicina preponderantemente à beira do leito (“on bed side”) e  eu acrescentaria, nos tempos de hoje, se aproximar cada vez mais do “bed side” e fugir do “bad site” da Informática; esta, se imprescindível, é igualmente nefasta quando mal usada.


Neste contexto, a César Cals tem sido um exemplo maior de instituição médica com alto espírito acadêmico, vocacionada para o ensino desde o seu nascedouro, recebendo com extremo zelo profissionais competentes e éticos. Assim, desde o início, expressivos nomes da Medicina lá pontificaram, tais como Vulpiano Cavalcante, Newton Gonçalves, Paulo Machado, Ossean Aguiar, Pontes Neto, Haroldo Juaçaba e muitos outros até os dias atuais.

Foi pioneira em vários procedimentos cirúrgicos, como a primeira colecistectomia, realizada pelo Prof. Ossean Aguiar. Lá também aconteceram as primeiras cirurgias cardíacas (comissurotomia mitral, ligadura de PCA), graças ao denodo dos cirurgiões professores Newton Gonçalves, Horaldo Juaçaba e Paulo Machado, apoiados inicialmente pelo cirurgião cearense, radicado no Rio de Janeiro, Prof. José Hilário, na década de 50. A Obstetrícia e a Ginecologia prosperaram com solidez, persistindo até os dias de hoje uma grande e brilhante Escola Obstétrica, como é também hoje um grande destaque o Serviço de Neonatologia.
 

Fatos importantes marcaram a vocação acadêmica da CÉSAR CALS. Desde 1952 a Instituição vem mantendo estágio  teórico-prático para o Internato da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará, sendo grande a concorrência dos estudantes para ocupar suas vagas, dado a excelência do ensino. Em 1967, criou-se oficialmente a Residência Médica, reconhecida pelo MEC, nas áreas de Medicina Interna, Cirurgia e Obstetrícia-Ginecologia. Esta Residência, altamente concorrida, tem gerado excelentes profissionais, tanto no aspecto técnico como ético.


Um fato da mais alta importância merece comentários: a auto-sustentabilidade da César Cals. Por ela passaram gerações de excelentes profissionais e atualmente, os que a dirigem com crescente competência, são em sua maioria “filhos da casa” e todos oriundos da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará. Aos que fizeram e fazem a CÉSAR CALS, são todos merecedores da nossa admiração, gratidão e respeito pela abnegação e competência. Aos atuais fica um forte apelo: que jamais percam o ânimo apesar das dificuldades, pois a causa é extremamente nobre. Hoje o Hospital Geral Dr. César Cals é uma majestosa instituição que presta grande assistência especialmente aos menos favorecidos. O mérito é de vocês todos e a gratidão é de todos nós.


Crédito: João Martins de Souza Torres
Médico e Professor da Faculdade de Medicina-UFC
Ex- Diretor Geral do Hospital Geral Dr. César Cals 


segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Biblioteca Pública Governador Menezes Pimentel.

Na foto antiga, vemos o terreno que daria lugar a biblioteca e ao Dragão do Mar.
Arquivo Nirez

De Biblioteca Provincial do Ceará a Biblioteca Governador Menezes Pimentel

Instalação da Biblioteca Pública do Estado, em prédio à praça Cristo Redentor. Na foto: Renato Braga, Cel Teles Pinheiro, Raimundo Girão, Parsifal Barroso, José Lins de Albuquerque...

Criada em 25 de março de 1867 como Biblioteca Provincial do Ceará com cerca de 1.700 livros pelo então presidente da Província do Ceará João de Sousa Melo e Alvim. A instituição surge também como Arquivo Público. Em 6 de fevereiro de 1975 o Presidente Ernesto Geisel inaugura o prédio atual da biblioteca. Pelo Decreto 12.768 de 22 de maio de 1978, o governador Waldemar Alcântara muda o nome da Biblioteca Pública do Estado para Biblioteca Pública Governador Menezes Pimentel homenageando o ex-governador Francisco de Meneses Pimentel*. Em 2002 A biblioteca passou por sua última reforma geral onde foi feita uma completa reforma da estrutura do prédio com a modernização dos sistemas e da estrutura além da integração física com o Centro Cultural Dragão do Mar.


É mantida pelo Governo do Estado do Ceará através da Secretaria da Cultura.

Postal Biblioteca Pública. Anos 70.

A biblioteca ocupa uma área de 2.272m², distribuídos em 5 pavimentos. Com um acervo de aproximadamente 100.000 volumes, está em grande parte informatizado e disponível para a comunidade que a frequenta em uma media de 10.000 usuários/mês.
Com um acervo de aproximadamente 4.300 volumes de enciclopédias, dicionários e almanaques nacionais e estrangeiros.

Setor de obras gerais e empréstimo


Literatura nacional e estrangeira, além de obras em todos os campos do conhecimento formam o acervo do maior setor da biblioteca, onde é permitido o livre acesso às estantes. Todo este acervo pode ser consultado no local e ser levado como empréstimo domiciliar pelo período máximo de 15 dias, podendo ser renovado por igual período.

Foto Francisco Paiva Lima. Ano 2000

Setor infanto-juvenil

Com um acervo de aproximadamente 8.000 volumes. Oferece desde clássicos infantis até livros didáticos e obras de referência. Mantém uma programação voltada para atividades de leitura e oferece ainda jogos pedagógicos, fantoches, cds e outros elementos lúdicos e pedagógicos.


Biblioteca Pública. Acervo Renato Pires

Setor multimídia

Setor equipado com 16 computadores IBM ligados a internet. Utiliza o sistema livre Linux, complementando o acervo pelas pesquisas através do uso de bases referenciais e textuais disponíveis na rede internacional. Possui também 4 computadores com sistema DOS VOX a disposição dos deficientes visuais.

Setor audiovisual

Equipado com TV 29 DVD e Vídeo, dispõe de catálogo de filmes recreativos e documentários que podem ser livremente escolhidos pelos usuários nos horários de 8:30, 10:30 e 16:30h. Mantém uma programação fixa (de 2ª à 6ª feira sempre às 14:30h), oferecendo a cada dia da semana um gênero cinematográfico diferente.

Aspecto da biblioteca pública em 1984. Acervo Renato Pires

Setor braille

Área da biblioteca voltada para o atendimento dos deficientes visuais. Realiza trabalhos de transcrição de textos para o Braille, dando assistência a escolas e interessados na leitura e escrita Braille. Conta com um acervo de aproximadamente 2.500 volumes composto por livros em Braille, livros falados e livros digitais disponível para consulta local e retirada como empréstimo domiciliar.

Setor Ceará

Desde a publicação da Lei Nº 13.399 de 17 de novembro de 2003, atua como depositário de toda a produção bibliográfica do Ceará, além de edições publicadas fora do estado, mas que tenham como assunto o Ceará, seu povo, suas histórias e costumes. Tem um acervo de aproximadamente 10.000 volumes.

Setor de periódicos

Coloca a disposição dos usuários o Diário Oficial do Estado desde 1970, jornais locais correntes e retrospectivos, revistas, boletins informativos, anais, anuários estatísticos, relatórios, etc.


Serviço de microfilmagem
Com o objetivo de preservar as coleções de periódicos da biblioteca, mantém um catálogo com microfilmes de jornais como O Povo e Diário do Nordeste, jornais antigos cearenses de 1824 até 1991, além de publicações como o Almanaque do Ceará (1901–1921), Coleção de Leis do Estado do Ceará (1935-1985) e Anais e Atas da Assembléia Provincial e Legislativa do Ceará (1829–1950).


Setor de obras raras
Guarda preciosidade como por exemplo o incunábulo "Éclogas, Bucólicas, Georgicas, Eneida" do poeta Virgílio, publicado em latim arcaico na cidade alemã de Nuremberg no ano de 1492; o Correio Braziliense, primeiro jornal brasileiro publicado na Inglaterra por Hipólito da Costa, durante os anos de 1808 á 1822; 30 volumes do "Código de Napoleão" publicado na França no Século XIX; o Almanack Laemmert publicado no Rio de Janeiro nos anos de 1856 e 1928 e ainda muitas raridades nacionais e primeiras edições de autores cearenses como Barão de StudartAntonio SalesJuvenal Galeno, etc.

Iconografia

Abriga importante coleção de livros de arte, edições de luxo, edições limitadas e comemorativas.

Biblioteca pública ao lado do Dragão do Mar ainda em construção. Meados dos anos 90.

Espaço Martin Luther king Jr
Doado pela Embaixada dos Estados Unidos, oferece um rico e variado acervo de obras sobre diversos aspectos da cultura e civilização americanas. Equipado com computadores ligados à Internet disponibiliza também relação de sites de interesse para aqueles que desejam se informar sobre possibilidades de estudo/ensino e negócios nos Estados Unidos.


Laboratório de encadernação e restauro
Responsável pelo serviço de conservação, preservação e restauração do acervo da biblioteca. Oferece cursos nesta área e presta em parceria com a APADA (Associação de Pais e Amigos do Deficiente Auditivo) um importante serviço social, capacitando surdos no trabalho de conservação de livros e documentos.

Biblioteca Volante

Projeto de extensão da BPGMP, ampliando seu raio de atuação e atendendo a população mais carente de acesso aos bens culturais na cidade de Fortaleza. O ônibus conta com acervo bibliográfico para empréstimo e consulta, computadores para pesquisa em obras digitais e equipamento para exibição de filmes. Com acervo composto por cerca de 2.100 livros, distribuídos entre literatura infanto-juvenil, obras de referência e obras gerais.

*Quem foi Menezes Pimentel?



Francisco de Menezes Pimentel Nasceu em Santa Quitéria (Ce), em 12 de Setembro de 1887, e faleceu no Rio de Janeiro em 19 de Maio de 1973. Filho de José Balbino Ferreira Pimentel e Clara de Menezes Pimentel.

Estudou no colégio Liceu do Ceará. Jornalista, advogado, fundador e Diretor do Ginásio São Luiz, em Fortaleza, ainda se destacou como professor de Direito Romano e Diretor da Faculdade de Direito do Ceará, e exerceu o cargo de Juiz do Tribunal Eleitoral do Ceará de 1931 a 1933.

Iniciou sua carreira pública como deputado estadual do Ceará na legislatura de 1928 a 1932. Depois foi eleito governador exercendo o cargo entre 1935 a 1937 continuando como interventor entre os períodos de 1937 a 1945 e 1946 a 1950. Neste último ano foi eleito deputado federal, sendo reeleito para o mandato seguinte até 1958. Em 1959 se elege senador ficando no cargo até 1971.

Na Câmara dos Deputados, presidiu a Comissão de Educação e Cultura por diversas vezes. Foi Ministro da Justiça do Presidente Nereu Ramos (1955/1956).
Como intelectual, foi eleito membro da Academia de Letras do Ceará. No Senado, ocupou a Presidência da Comissão de Educação e Cultura (1961/1962).
Também exerceu a função de redator dos Jornais O Nordeste e O Estado.

Foi ministro da Justiça e Negócios Interiores no governo Nereu Ramos, de 11 de novembro de 1955 a 31 de janeiro de 1956.
A Biblioteca Pública do Ceará foi batizada com seu nome em 1978 pelo governador Waldemar Alcântara por acreditar que Menezes Pimentel foi um homem público de grande valor.

Arquivo Aba Film - Foto da campanha de Teixeira Lott. Sentados: Francisco Menezes Pimentel, Parsifal Barroso e Armando Falcão. Em pé os repórteres, entre eles Edilmar Norões e Armando Vasconcelos.

Editado em 23/08/2019:

Cinco anos fechada e sem data para reabertura. Essa é a situação da Biblioteca Pública Menezes Pimentel.   

O equipamento de cultura mais antigo do Ceará permanece inacessível, à espera de uma reforma cujos contornos beiram o improvável. Em fevereiro de 2014, quando deixou de receber visitantes, o espaço já pelejava com a falta de cuidados. Infiltrações, problemas de ventilação e a pouca acessibilidade afastavam os frequentadores e colocavam em risco o acervo histórico da instituição. Anos depois, as obras já se encerraram, mas a biblioteca ainda não foi reinaugurada por falta de mobiliário. 

Endereço da Biblioteca:

Av. Presidente Castelo Branco, 255 - Centro
CEP: 60312-060 - Fortaleza - Ce
Telefone: (85) 3101-2541 / Fax: (85) 3101-2544
Email: bp@secult.ce.gov.br

Fontes: Wikipédia, Enciclopédia Nordeste, Diário do Nordeste

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Rachel de Queiroz - A primeira mulher a entrar para a Academia Brasileira de Letras




"[...] tento, com a maior insistência, embora com tão
precário resultado (como se tornou evidente), incorporar
a linguagem que falo e escuto no meu ambiente nativo à
língua com que ganho a vida nas folhas impressas.  Não
que o faça por novidade, apenas por necessidade.
Meu parente José de Alencar quase um século atrás vivia
brigando por isso e fez escola."



Rachel de Queiroz
, nasceu em Fortaleza - CE, no dia 17 de novembro de 1910, filha de Daniel de Queiroz e de Clotilde Franklin de Queiroz, descendendo, pelo lado materno, da estirpe dos Alencar (sua bisavó materna — "dona Miliquinha" — era prima de José de Alencar, autor  de "O Guarani"), e, pelo lado paterno, dos Queiroz, família de raízes profundamente lançadas em Quixadá, onde residiam e seu pai era Juiz de Direito nessa época.
Em 1913, voltam a Fortaleza, face à nomeação de seu pai para o cargo de promotor. Após um ano no cargo, ele pede demissão e vai lecionar Geografia no Liceu. Dedica-se pessoalmente à educação de Rachel, ensinando-a a ler, cavalgar e a nadar. As cinco anos a escritora leu "Ubirajara", de José de Alencar, "obviamente sem entender nada", como gosta de frisar.
Fugindo dos horrores da seca de 1915, em julho de 1917 transfere-se com sua família para o Rio de Janeiro, fato esse que seria mais tarde aproveitado pela escritora como tema de seu livro de estréia, "O Quinze".
Logo depois da chegada, em novembro, mudam-se para Belém do Pará, onde residem por dois anos. Retornam ao Ceará, inicialmente para Guaramiranga e depois Quixadá, onde Rachel é matriculada no curso normal, como interna do Colégio Imaculada Conceição, formando-se professora em 1925, aos 15 anos de idade. Sua formação escolar para aí.
Rachel retorna à fazenda dos pais, em Quixadá. Dedica-se inteiramente à leitura, orientada por sua mãe, sempre atualizada com lançamento nacionais e estrangeiros, em especial os franceses. O constante ler estimula os primeiros escritos. Envergonhada, não mostrava seus textos a ninguém.
Em 1926, nasce sua irmã caçula, Maria Luiza. Os outros irmãos eram Roberto, Flávio e Luciano, já falecidos).


 foto da autora

foto da autora

foto da autora

Com o pseudônimo de "Rita de Queluz" ela envia ao jornal "O Ceará", em 1927, uma carta ironizando o concurso "Rainha dos Estudantes", promovido por aquela publicação. O diretor do jornal, Júlio Ibiapina, amigo de seu pai, diante do sucesso da carta a convida para colaborar com o veículo. Três anos depois, ironicamente, quando exercia as funções de professora substituta de História no colégio onde havia se formado, Rachel foi eleita a "Rainha dos Estudantes". Com a presença do Governador do Estado, a festa da coroação tinha andamento quando chega a notícia do assassinato de João Pessoa. Joga a coroa no chão e deixa às pressas o local, com uma única explicação "Sou repórter".
Seu pai adquire o Sítio do Pici, perto de Fortaleza, para onde a família se transfere. Sua colaboração em "O Ceará" torna-se regular. Publica o folhetim "História de um nome" — sobre as várias encarnações de uma tal Rachel — e organiza a página de literatura do jornal.


Imagem da Sede do Sítio PICI de Daniel Queiroz, pai da Escritora Rachel de Queiroz, localizada no Bairro do Henrique Jorge - Foto do blog Inventario ambiental Fortaleza

Submetida a rígido tratamento de saúde, em 1930, face a uma congestão pulmonar e suspeita de tuberculose, a autora se vê obrigada a fazer repouso e resolve escrever "um livro sobre a seca". "O Quinze" — romance de fundo social, profundamente realista na sua dramática exposição da luta secular de um povo contra a miséria e a seca — é mostrado aos pais, que decidem "emprestar" o dinheiro para sua edição, que é publicada em agosto com uma tiragem de mil exemplares. Diante da reação reticente dos críticos cearenses, remete o livro para o Rio de Janeiro e São Paulo, sendo elogiado por Augusto Frederico Schmidt e Mário de Andrade. O livro logo transformaria Rachel numa personalidade literária. Com o dinheiro da venda dos exemplares, a escritora "paga" o empréstimo dos pais.
Em março de 1931, recebe no Rio de Janeiro o prêmio de romance da Fundação Graça Aranha, mantida pelo escritor, em companhia de Murilo Mendes (poesia) e Cícero Dias (pintura). Conhece integrantes do Partido Comunista; de volta a Fortaleza ajuda a fundar o PC cearense.
Casa-se com o poeta bissexto José Auto da Cruz Oliveira, em 1932. É fichada como "agitadora comunista" pela polícia política de Pernambuco. Seu segundo romance, "João Miguel", estava pronto para ser levado ao editor quando a autora é informada de que deveria submetê-lo a um comitê antes de publicá-lo. Semanas depois, em uma reunião no cais do porto do Rio de Janeiro, é informada de que seu livro não fora aprovado pelo PC, porque nele um operário mata outro. Fingindo concordar, Rachel pega os originais de volta e, depois de dizer que não via no partido autoridade para censurar sua obra, foge do local "em desabalada carreira", rompendo com o Partido Comunista.
Publica o livro pela editora Schmidt, do Rio, e muda-se para São Paulo, onde se aproxima do grupo trotskista.
Nasce, em Fortaleza, no ano de 1933, sua filha Clotilde.
Muda-se para Maceió, em 1935, onde faz amizade com Jorge de Lima, Graciliano Ramos e José Lins do Rego. Aproxima-se, também, do jornalista Arnon de Mello (pai de Fernando Collor, que a agraciou com a Ordem Nacional do Mérito). Sua filha morre aos 18 meses, vítima de septicemia.
O lançamento do romance "Caminho de Pedras", pela José Olympio - Rio, se dá em 1937, que seria sua editora até 1992. Com a decretação do Estado Novo, seus livros são queimados em Salvador - BA, juntamente com os de Jorge Amado, José Lins do Rego e Graciliano Ramos, sob a acusação de subversivos. Permanece detida, por três meses, na sala de cinema do quartel do Corpo de Bombeiros de Fortaleza.



 Anexo da casa da Fazenda onde viveu a escritora em Quixadá-CE
(foto: folha/uol) - Crédito do blog Fortaleza em Fotos e Fatos

Fazenda "Não me Deixes" em Quixadá-CE, onde viveu Rachel de Queiroz (foto: folha/uol) - Crédito da foto: Blog Fortaleza em Fotos e Fatos

Em 1939, separa-se de seu marido e muda-se para o Rio, onde publica seu quarto romance, "As Três Marias".
Por intermédio de seu primo, o médico e escritor Pedro Nava, em 1940 conhece o também médico Oyama de Macedo, com quem passa a viver. O casamento duraria até à morte do marido, em 1982. A notícia de que uma picareta de quebrar gelo, por ordem de Stalin, havia esmigalhado o crânio de Trótski faz com que ela se afaste da esquerda.
Deixa de colaborar, em 1944, com os jornais "Correio da Manhã", "O Jornal" e "Diário da Tarde", passando a ser cronista exclusiva da revista "O Cruzeiro", onde permanece até 1975.


Crédito das fotos: http://www.onordeste.com

Estabelece residência na Ilha do Governador, em 1945.
Seu pai vem a falecer em 1948, ano em que publica "A Donzela e a Moura Torta". No ano de 1950, escreve em quarenta edições da revista "O Cruzeiro" o folhetim "O Galo de Ouro".
Sua primeira peça para o teatro, "Lampião", é montada no Teatro Municipal do Rio de Janeiro e no Teatro Leopoldo Fróes, em São Paulo, no ano de 1953. É agraciada, pela montagem paulista, com o Prêmio Saci, conferido pelo jornal "O Estado de São Paulo".
Recebe, da Academia Brasileira de Letras, em 1957, o Prêmio Machado de Assis, pelo conjunto de sua obra.
Em 1958, publica a peça "A beata Maria do Egito", montada no Teatro Serrador, no Rio, tendo no papel-título a atriz Glauce Rocha.
O presidente da República, Jânio Quadros, a convida para ocupar o cargo de ministra da Educação, que é recusado. Na época, justificando sua decisão, teria dito: "Sou apenas jornalista e gostaria de continuar sendo apenas jornalista."
O livro "As Três Marias", com ilustrações de Aldemir Martins, em tradução inglesa, é lançado pela University of Texas Press, em 1964.
O golpe militar de 1964 teve em Rachel uma colaboradora, que "conspirou" a favor da deposição do presidente João Goulart.
O presidente general Humberto de Alencar Castelo Branco, seu conterrâneo e aparentado, no ano de 1966 a nomeia para ser delegada do Brasil na 21ª. Sessão da Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas, junto à Comissão dos Direitos do Homem.
Passa a integrar o Conselho Federal de Cultura, em 1967, e lá ficaria até 1985. Depois de visitar a escritora na Fazenda Não me Deixes, em Quixadá, o presidente Castelo Branco morre em desastre aéreo.
Estréia na literatura infanto-juvenil, em 1969, com "O Menino Mágico", em 1969.
No ano de 1975, publica o romance "Dôra, Doralina".
Em 1977, por 23 votos a 15, e um em branco, Rachel de Queiroz vence o jurista Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda e torna-se a primeira mulher a ser eleita para a Academia Brasileira de Letras. A eleição acontece no dia 04 de agosto e a posse, em 04 de novembro.  Ocupa a cadeira número 5, fundada por Raimundo Correia, tendo como patrono Bernardo Guimarães e ocupada sucessivamente pelo médico Oswaldo Cruz, o poeta Aluísio de Castro e o jurista, crítico e jornalista Cândido Mota Filho.
Seu livro, "O Quinze", é publicado no Japão pela editora Shinsekaisha e na Alemanha pela Suhrkamp, em 1978.
Em 1980, a editora francesa Stock lança "Dôra, Doralina". Estréia da Rede Globo de Televisão a novela "As Três Marias", baseada no romance homônimo da escritora.
Com direção de Perry Salles, estréia no cinema a adaptação de "Dôra, Doralina", em 1981.
Em 1985, é inaugurada em Ramat-Gau, Tel Aviv (Israel), a creche "Casa de Rachel de Queiroz". "O Galo de Ouro" é publicado em livro. 
Retorna à literatura infantil, em 1986, com "Cafute & Perna-de-Pau".
A José Olympio Editora lança, em 1989, sua "Obra Reunida", em cinco volumes, com todos os livros que Rachel publicara até então destinados ao público adulto.
Segundo notícia que circulou em 1991, a Editora Siciliano, de São Paulo, pagou US$150.000,00 pelos direitos de publicação da obra completa de Rachel.
Já na nova editora, lança em 1992 o romance "Memorial de Maria Moura".
Em 1993, recebe dos governos do Brasil e de Portugal, o Prêmio Camões e da União Brasileira de Escritores, o Juca Pato. A Siciliano inicia o relançamento de sua obra completa.
1994 marca a estréia, na Rede Globo de Televisão, da minissérie "Memorial de Maria Moura", adaptada da obra da escritora. Tendo no papel principal a atriz Glória Pires, notícias dão conta que Rachel recebeu a quantia de US$50.000,00 de direitos autorais.
Inicia seu livro de memórias, em 1995, escrito em colaboração com a irmã Maria Luiza, que é publicado posteriormente com o título "Tantos anos".
Pelo conjunto de sua obra, em 1996, recebe o Prêmio Moinho Santista.
Em 2000, é publicado "Não me Deixes — Suas histórias e sua cozinha", em colaboração com sua irmã, Maria Luiza.
Em novembro deste ano, quando a escritora completou 90 anos de idade, foi inaugurada, na Academia Brasileira de Letras, a exposição "Viva Rachel". São 17 painéis e um ensaio fotográfico de Eduardo Simões resumindo o que os organizadores da mostra chamam de “geografia interior de Rachel, suas lembranças e a paisagem que inspirou a sua obra”.
Rachel de Queiroz chega aos 90 anos afirmando que não gosta de escrever e o faz para se sustentar. Ela lembra que começou a escrever para jornais aos 19 anos e nunca mais parou, embora considere pequeno o número de livros que publicou. “Para mim, foram só cinco, (além de O Quinze, As Três Marias, Dôra, Doralina, O Galo de Ouro e Memorial de Maria Moura)pois os outros eram compilações de crônicas que fiz para a imprensa, sem muito prazer de escrever, mas porque precisava sustentar-me”, recorda ela. “Na verdade, eu não gosto de escrever e se eu morrer agora, não vão encontrar nada inédito na minha casa”.
Recebe, em 06-12-2000, o título de Doutor Honoris Causa da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.

Em 2003, é inaugurado em Quixadá (CE), o Centro Cultural Rachel de Queiroz.

Faleceu, dormindo em sua rede, no dia 04-11-2003, na cidade do Rio de Janeiro. Deixou, aguardando publicação, o livro "Visões: Maurício Albano e Rachel de Queiroz", uma fusão de imagens do Ceará fotografadas por Maurício com textos de Rachel de Queiroz.
Obras:
Individuais:
Romances:
- O quinze (1930)
- João Miguel (1932)




- Caminho de pedras (1937)
- As três Marias (1939)
- Dôra, Doralina (1975)
- O galo de ouro (1985) - folhetim na revista " O Cruzeiro", (1950)
- Obra reunida (1989)
- Memorial de Maria Moura (1992)


Literatura Infanto-Juvenil:
- O menino mágico (1969)
- Cafute & Pena-de-Prata (1986)
- Andira (1992)
- Cenas brasileiras - Para gostar de ler 17.


Teatro:

- Lampião (1953)
- A beata Maria do Egito (1958)
- Teatro (1995)
- O padrezinho santo (inédita)
- A sereia voadora (inédita)


Crônica:

- A donzela e a moura torta (1948);
- 100 Crônicas escolhidas (1958)
- O brasileiro perplexo (1964)
- O caçador de tatu (1967)
- As menininhas e outras crônicas (1976)
- O jogador de sinuca e mais historinhas (1980)
- Mapinguari (1964)
- As terras ásperas (1993)
- O homem e o tempo (74 crônicas escolhidas}
- A longa vida que já vivemos
- Um alpendre, uma rede, um açude: 100 crônicas escolhidas
- Cenas brasileiras
- Xerimbabo (ilustrações de Graça Lima)
- Falso mar, falso mundo - 89 crônicas escolhidas (2002)


Antologias:

- Três romances (1948)

- Quatro romances (1960) (O Quinze, João Miguel, Caminho de Pedras,
As três Marias)

- Seleta (1973) - organização de Paulo Rónai


Livros em parceria:

- Brandão entre o mar e o amor (romance - 1942) - com José Lins do Rego, Graciliano Ramos, Aníbal Machado e Jorge Amado.

- O mistério dos MMM (romance policial - 1962) - Com Viriato Corrêa, Dinah Silveira de Queiroz, Lúcio Cardoso, Herberto Sales, Jorge Amado, José Condé, Guimarães Rosa, Antônio Callado e Orígines Lessa.

- Luís e Maria (cartilha de alfabetização de adultos - 1971) - Com Marion Vilas Boas Sá Rego.

- Meu livro de Brasil (Educação Moral e Cívica - 1º. Grau, Volumes 3, 4 e 5 - 1971) - Com Nilda Bethlem.

- O nosso Ceará (com sua irmã, Maria Luiza de Queiroz Salek), relato, 1994.

- Tantos anos (com sua irmã, Maria Luiza de Queiroz Salek), auto-biografia, 1998.

- O Não Me Deixes – Suas Histórias e Sua Cozinha (com sua irmã, Maria Luiza de Queiroz Salek), 2000.


Obras traduzidas pela escritora:

Romances:

AUSTEN, Jane. Mansfield Parlz (1942).
BALZAC, Honoré de. A mulher de trinta anos (1948).
BAUM, Vicki. Helena Wilfuer (1944).
BELLAMANN, Henry. A intrusa (1945).
BOTTONE, Phyllis. Tempestade d'alma (1943).
BRONTË, Emily. O morro dos ventos uivantes (1947).
BRUYÈRE, André. Os Robinsons da montanha (1948).
BUCK, Pearl. A promessa (1946).
BUTLER, Samuel. Destino da carne (1942).
CHRISTIE, Agatha. A mulher diabólica (1971).
CRONIN, A. J. A família Brodie (1940).
CRONIN, A. J. Anos de ternura (1947).
CRONIN, A. J. Aventuras da maleta negra (1948).
DONAL, Mario. O quarto misterioso e Congresso de bonecas (1947).
DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Humilhados e ofendidos (1944).
DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Recordações da casa dos mortos (1945).
DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Os demônios (1951).
DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Os irmãos Karamazov (1952) 3 v.
DU MAURIER, Daphne. O roteiro das gaivotas (1943).
FREMANTLE, Anne. Idade da fé (1970).
GALSWORTHY, John. A crônica dos Forsyte (1946) 3 v.
GASKELL, Elisabeth. Cranford (1946).
GAUTHIER, Théophile. O romance da múmia (1972).
HEIDENSTAM, Verner von. Os carolinos: crônica de Carlos XII (1963).
HILTON, James. Fúria no céu (1944).
LA CONTRIE, M. D'Agon de. Aventuras de Carlota (1947).
LOISEL, Y. A casa dos cravos brancos (1947).
LONDON, Jack. O lobo do mar (1972).
MAURIAC, François. O deserto do amor (1966).
PROUTY, Oliver. Stella Dallas (1945).
REMARQUE, Erich Maria. Náufragos (1942).
ROSAIRE, Forrest. Os dois amores de Grey Manning (1948).
ROSMER, Jean. A afilhada do imperador (1950).
SAILLY, Suzanne. A deusa da tribo (1950).
VERDAT, Germaine. A conquista da torre misteriosa (1948).
VERNE, Júlio. Miguel Strogoff (1972).
WHARTON, Edith. Eu soube amar (1940).
WILLEMS, Raphaelle. A predileta (1950).


Biografias e memórias:

BUCK, Pearl. A exilada: retrato de uma mãe americana (1943).
CHAPLIN, Charles. Minha vida (caps. 1 a 7 (1965).
DUMAS, Alexandre. Memórias de Alexandre Dumas, pai (1947).
TERESA DE JESUS, Santa. Vida de Santa Teresa de Jesus (1946).
STONE, Irwin. Mulher imortal (biografia de Jessie Benton Fremont (1947).
TOLSTÓI, Leon. Memórias (1944).






Teatro:

CRONIN, A. J. Os deuses riem (1952).



Estatua de Rachel de Queiroz, na Praça dos Leões, em Fortaleza - Crédito da foto: http://www.cearavivaessaalegria.com.br


quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

A Copacabana do Cambeba

Foto arquivo OPovo


A primeira casa do primeiro conjunto construído à beira do Lago Jacarey foi comprada por José Carlos Ferreira Maia, 62, em 1980. A Construtora Cearense anunciou na seção de imóveis dos anúncios populares o início do empreendimento que ficou conhecido como Mansões do Lago, na Avenida Viena Weyne. Cada uma das sete primeiras casas, todas de pavimento térreo, custava em torno de quatrocentos mil cruzeiros.
A preços de hoje, valem R$180.000,00, em média.


Desde sempre, o bairro Cidade dos Funcionários compreende toda a extensão da Avenida Oliveira Paiva, desde a BR-116 até a Avenida Perimetral - atualmente denominada Avenida Washington Soares - no cruzamento conhecido como Seis Bocas, exatamente onde funcionava o restaurante
Toca do Coelho (é o novo!!). Descendo 400 metros à direita na metade da Oliveira Paiva, sentido leste-oeste, chega-se ao lugarejo da Cidade dos Funcionários conhecida como Lago Jacarey. Seu Maia relembra como era difícil o acesso, e mais difícil ainda a aceitação da família em mudar-se para a sonhada casa própria. Os dois filhos adolescentes e a esposa saíram a contragosto do sobrado alugado na Aldeota, na Rua Torres Câmara, reclamando do isolamento e da distância da nova morada. Para piorar o fato de que apenas uma linha de ônibus servia o local, fazendo a rota Praça do Coração de Jesus - Cidade dos
Funcionários via BR-116, a instalação de aparelhos telefônicos na área era um luxo para poucos. Além de ser caro, por vezes demandava tráfico de influência envolvendo algum “peixe” da extinta Teleceará.
Apesar da falta de infra-estrutura e das constantes reclamações familiares, Seu Maia se sentia realizado. A beleza e a paz do local lhe davam a certeza de ter feito um bom negócio, que dentro em breve seria reconhecido pelos que lhe condenavam naquele momento. Em frente à casa, nascentes de água limpa brotavam do solo e abasteciam o Lago Jacarey. No entorno, o matagal, abrigo natural de cobras e escorpiões nativos, os quais eram motivo de mais uma dentre as tantas queixas da família recém-chegada.
De quando em vez, a invasão dos abomináveis vizinhos no território dos Maias obrigava os novatos a fatídica missão de exterminar os peçonhentos. O passo seguinte era exibir ao pai o monstro abatido como troféu, na tentativa inútil de convencê-lo a mudarem dali.

Foto Arquivo Tv Verdes Mares

E por falar em inutilidade, nada se compara a placa indicativa com a inscrição BAIRRO CAMBEBA, afixada na praça do Lago pela Prefeitura de Fortaleza, faz uns cinco anos. É perda de tempo querer convencer aos moradores, em plena praça, que o Lago é parte do Cambeba. Por mais que a placa insista negando, “o Lago é bem aqui, o filé da Cidade (dos Funcionários), e o Cambeba é lá acolá, pras
bandas da Messejana! Esse povo lá sabe de nada!”, bronqueia o Maia, cheio de razão e de vontade de arrancá-la.


Tem jacaré aí, menino!


Difícil saber de onde vem a palavra Jacarey. No Aurélio, consta a grafia com “i” no final, e designa o nome de uma planta da família das ramnáceas, da qual o juazeiro é a espécie mais conhecida. Dentre os moradores mais antigos, não há notícia de um só pé de juá nos arredores, vivo ou derrubado nos últimos 30 anos. Ou seja, no dicionário da língua portuguesa o significado não guarda qualquer semelhança com a denominação dada ao Lago.
A profundidade media aproximadamente dois metros e meio e conta-se que, ao longo dos últimos trinta anos,
uma meia dúzia de pessoas, crianças e adultos, morreram afogadas em suas águas. Esses mesmos moradores
falam de um tempo em que ali habitavam jacarés, mas não há qualquer relato que confirme a preexistência de
répteis crocodilianos. No máximo, horripilantes répteis como cobras e escorpiões e o mais asqueroso dos batráquios, famoso sapo-cururu. Alguns dizem Jacaraí, outros Jacareí, mas são unânimes em difundir o folclore do bairro que dá conta de que a origem da palavra vem da aglutinação de jacaré+aí, talvez criada para amedrontar as crianças e assim livrá-las de situações de perigo.

Copacabana do Cambeba


Distante duas quadras do Lago, no rumo do Cambeba, mora a aposentada Lemirte Pinheiro de Castro, 71, ex professora de Geografia do ensino médio, que chegou ao bairro em 1976. Disposta a terminar o namoro da filha com um rapaz que não lhe era bem-visto, restou-lhe deixar a casa própria do Parque Araxá, assumindo pesadas prestações para aquisição do novo imóvel. Também para ela não foram poucas as queixas de seus familiares, e com a agravante de que Dona Lemirte odiou o local desde o primeiro
dia. “Tudo era difícil, tudo era longe. Aqui era só brejo”, diz, apontando para a rua. Ela conta que um dia cansou de se martirizar, de esconder a filha e de esconder-se a si própria. Substituindo auto-piedade por determinação a viver melhor, saiu de porta em porta conclamando os vizinhos para juntos iniciarem uma espécie de mutirão de melhorias. Com a primeira quantia arrecadada contrataram calceteiros - profissionais que trabalham na pavimentação de ruas - e aos poucos foram desmatando, sentando pedras e fincando placas nas ruas, como forma de minimizar o isolamento que muitas vezes implicava no não recebimento
de correspondência e na falta de prestação de serviços domiciliares, como farmácias, gás butano etc.

Em pouco tempo os serviços coordenados por Dona Lemirte chegaram ao Lago. Com as contribuições regulares de aproximadamente 50 moradores pagavam-se trabalhadores pela capinagem periódica das margens, cerca de 500 metros de contorno. Aberto o acesso ao espaço, a combinação entre a necessidade de lazer das crianças e o tempo livre dos pais nos finais de semana resultou na rotina dos piqueniques, oportunidade para todos fartarem-se de nadar e de comer camarões pescados na hora.
À época, apelidaram o lugar de Copacabana do Cambeba, onde permaneciam até o limite do pôr-do-sol. Mais que isso, impossível, pelo menos para quem tem sangue nas veias. O coaxar eufórico da saparada funcionava como toque de recolher, anunciando a pontualíssima chegada dos mosquitos hematófagos. Às pressas e com o que restava de iluminação natural juntavam-se os teréns e batiam em retirada, deixando livre a área para os verdadeiros donos do pedaço.

A união pela praça


Em 1985, e por iniciativa própria de Dona Lemirte, nasceu a UNILAGO (Associação dos Moradores do Lago Jacarey), entidade por ela presidida durante o biênio inaugural e sobre a qual pouco comenta e muito lamenta. Entre lágrimas, queixa-se de artimanhas políticas armadas por pessoas que colocavam interesses pessoais acima das necessidades da comunidade, o que determinou o abandono definitivo daquele que foi seu mais importante projeto.
Para espantar a tristeza, retomamos estrategicamente o assunto do meio ambiente. Dona Lemirte relembra a
qualidade da água do Lago, a vegetação abundante no entorno, os bandos de garças e aves pernaltas, os cardumes e os enxames, a harmonia e interdependência entre os coletivos. Com a autoridade de quem domina a Geografia, detém-se na explicação dos conceitos de bioma lacustre e cadeia alimentar e finaliza defendendo a necessidade urgente de revitalização e conservação do Lago.
Declara-se “revoltada” com o assoreamento, responsável pela profundidade atual de cerca de um metro. “Devido ao crescente número de ligações clandestinas de esgoto, hoje em dia só uma ou outra garça arrisca atravessá-lo a pé, bicando uma larvinha aqui, outra acolá. E a associação (UNILAGO) não faz nada!”, protesta. Pergunto-lhe então sobre a atuação da atual diretoria, e ela diz que pouco sabe, não conhece os membros. E alfineta: “Na minha época, todo mundo me conhecia!”. Pura verdade. Logo de manhã cedo, dá para ver as bocas de manilha despejando líquidos espumantes na água turva onde uma garça solitária cisca indecisa entre aguapés, dejetos orgânicos e materiais plásticos. No centro, onde é mais profundo,
dois homens em pé, com os peitos à mostra, arriscando umas piabinhas com uma tarrafa de trama miúda. À noite, por hábito natural, é hora dos ratos enormes abandonarem a morada nas manilhas e saírem à caça. Também é verdade que a fundadora Lemirte, assim como o pioneiro Maia, têm lugar de destaque dentre os moradores mais conhecidos e respeitados do bairro.
Nas noites de sexta e sábado da primeira semana do mês, uma banca da UNILAGO é armada no meio da
praça, a fim de recolher a contribuição voluntária mensal de cinco reais dos associados. Pedi para ver a prestação de contas, e a resposta foi que trariam na noite seguinte, domingo. “Não precisa, não, era só curiosidade”, disse, como forma de propiciar um ambiente mais agradável para a conversa com Dona Lurdes, 52, espécie de tesoureira da UNILAGO. Enquanto ela me preparava o recibo (moro lá desde 1997 e confesso que contribuí poucas vezes) falava sobre o muito que há por fazer e sobre como as contribuições estão escasseando (argumentei que, no meu caso, contribuí todas as vezes que a cobrança bateu à minha porta e que é esperar demais do associado que compareça à praça nas datas e horários do plantão
da UNILAGO). Perguntei-lhe sobre o que me parece mais importante, que é o fato de as ligações clandestinas desaguarem dejetos no Lago. “A Prefeitura não tá nem aí, e a CAGECE só vive enrolando a gente!” Dois diretores se achegaram, apresentando-se como Seu Antonio e Seu Oliveira, alardeando que logo, logo haverá correntes de ferro na borda do Lago e que também em breve teremos policiamento, ocupando finalmente a guarita deserta desde a instalação há mais de um ano.
Quanto à revitalização, acreditam que a UNILAGO nada pode fazer, que o assunto compete exclusivamente à Secretaria Executiva Regional II. Me despeço na certeza de que o Lago ainda vai agonizar por um bom tempo, pelo menos enquanto as gestões da UNILAGO considerarem Ecologia e Meio Ambiente questões secundárias, até que resolvam chamar a atenção dos órgãos de imprensa para a gravidade dos problemas do bairro e exigir do poder público o cumprimento das leis de preservação e conservação
ambiental.
Dia e noite , noite e dia Deixando a profundidade de lado – dá licença, Belchior? - e aparentemente indiferentes ao processo de degradação, os freqüentadores do Lago são assíduos e pontuais no cumprimento de seus objetivos. Às cinco da manhã aparecem os primeiros coopistas, e até às nove o rodísio de turmas de andarilhos é intenso. Durante esse período, babás e bebês tomam banho de sol, caninos encoleirados fazem no asfalto o passeio matinal, comerciantes abrem as portas, ambulantes de café circulam, transeuntes vêm e vão.
Às quartas, bem cedinho, um carro de som percorre as ruas do bairro anunciando a venda de frutas e verduras no ônibus da CEASA (Centrais de Abastecimento), estacionado na margem sul do Lago. A copa das ingazeiras sombreia o comércio, enquanto as vagens de sementes chacoalham ao vento, produzindo o fundo musical para o canto dos pássaros. Fascinados com o banquete multicor, pardais atrevidos não resistem à tentação e arriscam-se em vôos rasantes sobre as bancas, com bicadas certeiras nos frutos mais suculentos, espalhando delicioso aroma tutti-frutti.
Das dez às dezesseis o movimento acalma, e daí pra diante recomeçam os coopistas do crepúsculo dando voltas até perto de vinte e uma horas, repartindo o espaço com bebês e babás banhados, outras coleiras e cães, faturamentos encerrados, caixas zerados à espera do tilintar da noite, barracas improvisadas com tudo à venda, transeuntesque vão e vêm. Nos bancos, presença constante de amantes aconchegados sob o sereno do luar, agraciados com a brisa fresquinha e carregada das melodias dedilhadas pelos amadores de violão que se encontram para tirar um som Nas noites de fim-de-semana tem ferveção completa: gente em ebulição, altos barulhos e lixo demais. Trenzinhosarrodeiam o lago, abrindo caminho entre os carrosboate de forró-pancadão e a fumaça dos churrasquinhos de filé-miau e do acarajé. Tem pula-pula, profusão de barracas de bugigangas, butiques a céu aberto e, como não podia deixar de ser, as figuras carimbadas dos pirateiros
de CDs e DVDs, habituées de todos os lugares e horários. Tem pipoca, estalinho, algodão-doce, sorvete;
bola, balão, bicicleta, pedalinho e skate; dominó, novena, panfletagem, até comício tem. Todas as tribos se encontram e se identificam, cada qual na sua, porém em comum o fato de habitarmos a mesma aldeia, o Lago Jacarey, que a tudo vê mas não consegue ser enxergado em agonia, refletida no espelho turvo, impróprio e fedido de suas águas. Falta-nos consciência ecológica e responsabilidade sócio-ambiental, enfim,  sensibilidade e tomada de posição, capazes de transformar observação passiva individual em indignação coletiva, tomada de posição em ação concreta envolvendo os setores privado e público. Falta-nos acima de tudo pressa, pois o tempo da degradação corre a passos largos rumo ao irreversível e abominável fim.




Crédito: Denise Gurgel

domingo, 5 de dezembro de 2010

A Vila de Fortaleza Passa à Cidade


Carta de lei que elevou à categoria de cidade a vila de Fortaleza

"D. Pedro. Pela Graça de Deus e Unânime Aclamação dos Povos, Imperador constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil.

Faço saber aos que esta Minha Carta virem: Que, Tendo Eu Elevado este País a alta dignidade de Império, como exigem a sua vasta extensão e riqueza, e tendo-me Dado as Províncias, de que se compõe, grandes e repetidas provas de amor e fidelidade á Minha Augusta Pessoa e de firme adesão á causa Sagrada da Liberdade e Independência deste Império, cada um segundo os meios que ministram a sua população e riqueza:

Houve por bem por Meu Imperial Decreto de 24 do mês próximo passado, em memoria e agradecimento de tantos e tão relevantes serviços que ela tem prestado, concorrendo todos para o fim geral do aumento e prosperidade desta grandiosa Nação, Elevar á Categoria de cidade todas as vilas que forem capibis de Províncias: E havendo anteriormente requerido esta mesma condecoração em favor da Vila da Fortaleza da Província do Ceará e Comarca da mesma Vila em seu nome e do Clero, Nobreza e Povo, pelos atendíveis motivos que se verificaram na Minha Augusta Presença em Consulta da Mesa do Desembargo do Paço, com cujo Parecer Me Conformei por Minha Imediata Resolução de 2 de Janeiro do corrente ano: Hei por bem, Tendo a tudo consideração que dita Vila da Fortaleza fique erecta em cidade, e que por tal seja havida e reconhecida com a denominação de Cidade da Fortaleza de nova Bragança, e haja todos os Foros e Prerrogativas das outras cidades deste Império, concorrendo com elas, em todos os atos públicos e gozando os cidadãos e moradores dela de todas as distinções, franquezas, privilégios e liberdades, de que gozam os cidadãos e moradores das outras cidades sem diferença alguma; porque assim é Minha Mercê; pelo que Mando á Mesa do Desembargador do Paço e da Consciência e Ordens, Conselho de Fazenda, Regedor da Casa de Suplicação, Junta do Governo Provisório da Província do Ceará, e a todas as mais dos das outras Províncias, Tribunais, Ministros de Justiça, e quaisquer outras pessoas, a quem conhecimento desta Minha Carta de Lei haja de pertencer, e cumpram e guardem, e façam cumprir como nela se contem, sem dúvida ou embargo algum. E ao Monsenhor Miranda, Desembargador do Paço e Conselheiro-Mor do Império do Brasil, Ordeno que a faça publicar na Chancelaria, e que dela envie cópias a todas as Estações do estilo e remetendo-se o Original á Câmara de dita Cidade para seu título. Dada no Rio de Janeiro aos 18 de Março de 1823, segundo ano da Independência e do Império - Imperador com Rubrica e Guarda".



Crédito: Blog Ceará terra do sol


NOTÍCIAS DA FORTALEZA ANTIGA: