Fortaleza Nobre | Resgatando a Fortaleza antiga : Praia do Peixe
Fortaleza, uma cidade em TrAnSfOrMaÇãO!!!


Blog sobre essa linda cidade, com suas praias maravilhosas, seu povo acolhedor e seus bairros históricos.
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terça-feira, 25 de março de 2014

A União trouxe a Liberdade - Ceará Terra da Luz


Jangadeiros usaram suas embarcações para lutar contra a escravidão no Ceará.


"Acompanhados de seus escravos, alguns negociantes aguardavam na Praia do Peixe – atual Iracema – a chegada das jangadas que iriam transportar quatorze cativos numa viagem até o Sul. Aparentemente, a cena era corriqueira, mas, naquela manhã de 27 de janeiro de 1881, todos foram surpreendidos pela atitude dos jangadeiros. Eles se recusaram a pôr os cativos em suas embarcações, num episódio que marcou para sempre a luta contra a escravidão no Ceará.

Desde o período colonial até os tempos do Império, o comércio interno de escravos, ou tráfico interprovincial, era uma constante no atual território brasileiro. Ele envolvia a transferência de cativos de uma região para outra, fosse por compra, troca, venda ou doação. Desde o século XVIII, o escravismo no Ceará foi, em grande parte, resultado desse tipo de negócio. Os escravos, em sua maioria, eram oriundos de províncias vizinhas, como Pernambuco, Maranhão e Bahia, e também vinham da África pelos portos de São Luís e Recife. Mas foi a partir de 1850, com a proibição do tráfico de cativos procedentes do continente africano, que o tráfico interprovincial passou a se intensificar e a ganhar relevância em todo o território do Império brasileiro.

Enquanto traficantes ganhavam cada vez mais dinheiro com esse comércio, começou a ser organizado um movimento abolicionista local, que teve mais força depois que três anos de seca (1877-1879) que se abateram sobre Fortaleza. A estiagem prolongada vitimou principalmente os escravos, que sofreram com a fome e com diversas doenças, e acabaram servindo de moeda corrente em tempos de penúria, transformando-se na salvação de senhores arruinados. Em 1879, um grupo de jovens que não suportava mais ver as humilhações impostas aos cativos que chegavam com as caravanas vindas do interior, resolveu fazer alguma coisa. Influenciados pelas ideias liberais que estavam em voga, eles organizaram uma associação destinada à compra das alforrias de escravas, já que os homens eram a principal mercadoria do comércio interno. A entidade abolicionista criada por esses jovens ficou conhecida como Sociedade Libertadora Perseverança e Porvir.


Segundo informações do livro de atas da associação, na noite de 26 de janeiro de 1881, o abolicionista José do Amaral sugeriu que se tomasse alguma medida para impedir, à força, que continuasse o tráfico de escravos que saía de Fortaleza. O mais curioso nessa história é que estava presente ao encontro um mulato chamado Francisco José do Nascimento, o Chico da Matilde, prático-mor do porto, que posteriormente receberia a alcunha de Dragão do Mar. Ele liderava o grupo dos jangadeiros ao lado do negro liberto Antônio Napoleão, que chegara a juntar vintém por vintém para comprar sua alforria, a da família e a dos amigos, gesto que foi determinante para torná-lo muito respeitado entre a classe.

O fato é que ninguém podia imaginar que homens simples afrodescendentes seriam capazes de desafiar uma organização extremamente poderosa. Mas a proposta dos abolicionistas só poderia dar certo com a participação dos jangadeiros. E foi o que ocorreu. Sem eles, que eram os últimos a ter contato com os escravos embarcados, o movimento não teria sucesso.

Napoleão, Nascimento e seus colegas tinham motivos de sobra para aderir a essa causa. Muitos escravos devem ter pedido a eles que não fossem embarcados e relatado terríveis histórias de sofrimento por terem sido separados dos seus. Assistir a esse teatro de horrores provavelmente fez crescer entre os jangadeiros a consciência de que aquela situação precisava mudar. Mas para que pudessem se organizar a ponto de paralisar o tráfico, teve que surgir entre eles um consenso sobre o que representava aquele ato.


Foi na Perseverança e Porvir que a classe encontrou o apoio necessário para acabar com o  transporte de cativos. E reuniu forças para realizar um feito até então inusitado. Tanto que, naquela manhã de 27 de janeiro, os encarregados do embarque de escravos foram surpreendidos com a recusa dos jangadeiros em transportá-los. Diante da situação, conforme foi noticiado no jornal O Libertador, “os negreiros recorreram a todos os expedientes: oferecimento, promessas, suborno, ameaças; tudo, tudo foi baldado”.

A notícia dessa ação dos jangadeiros se espalhou, e as pessoas começaram a se dirigir à praia para ver de perto uma cena inédita. Afinal, um grupo de pescadores pobres, liderados por negros, pardos e mulatos, enfrentava os representantes de uma elite de poderosos comerciantes e traficantes. Segundo O Libertador, “mais de 1,500 homens de todas as classes e condicções” se encontravam ali, acompanhando a resistência dos jangadeiros. Em solidariedade ao protesto, muitos gritavam: “Nos portos do Ceará não se embarca mais escravos!”. O movimento, que se repetiu algumas vezes nos dias seguintes, até 31 de janeiro, ganhava sua primeira batalha.


Meses depois, em 30 de agosto de 1881, haveria uma nova tentativa de embarcar escravos, desta vez para o Norte. Apesar de o presidente da província e o chefe de polícia recém-nomeados apoiarem francamente os negreiros, os jangadeiros obtiveram outra vitória, e o porto de Fortaleza acabou sendo fechado definitivamente para o comércio interno de escravos. Tudo isso com o apoio do tenente-coronel Francisco de Lima e Silva, parente do duque de Caxias, que estava à frente do 15º Batalhão de Infantaria.

Mesmo com todas as mudanças em curso na sociedade cearense, os negreiros ainda eram capazes de dar algumas demonstrações de força. Os abolicionistas podiam ter o suporte do comandante do 15º Batalhão de Infantaria, mas os comerciantes de escravos ainda conseguiam se valer de todos os meios para manter seus lucros. Segundo o Livro de Actas da Sociedade Perseverança e Porvir, chegou a ser ordenado que uma flotilha da Marinha de Guerra fosse enviada para proteger o tráfico e até bombardear a cidade dos revoltosos. Mas, com o tempo, esse esforço acabaria provando ter sido em vão.

Os abolicionistas teriam muito a perder, pois os negreiros fariam de tudo para não deixar nenhum de seus adversários impune, valendo-se de perseguições, medidas repressivas e punições. Segundo o Livro de Actas, Lima e Silva foi removido do seu cargo, assim como o promotor público da capital, Frederico A. Borges, e de dois oficiais da guarda urbana.Além disso, o Dragão do Mar foi destituído de seu posto de prático-mor do porto.


Os acontecimentos no Ceará acompanharam mudanças na legislação a respeito da escravidão em outros cantos do Império. Nas principais províncias do Sudeste, começaram a ser adotadas leis que restringiam a entrada de escravos vindos do Norte, medidas que geraram um movimento com forte participação popular. Com o fechamento do porto de Fortaleza ao tráfico em 1881, a venda de cativos para outras províncias acabou sofrendo um duro e decisivo golpe, fortalecendo a luta abolicionista, que no dia 25 de março de 1884 acabou levando a Província do Ceará a proibir a escravidão. A luta para acabar com o tráfico interprovincial na região, com a fundamental ação dos jangadeiros, saiu vitoriosa, fazendo a “abolição” chegar ao Ceará alguns anos antes da Lei Áurea, de 1888."


José Hilário Ferreira Sobrinho 
(Professor da Faculdade Ateneu no Ceará 
e autor de Abolição no Ceará: 
um novo olhar(Imeph, 2009).

Bibliografia

AMARAL VIEIRA, Roberto Attila do. Um herói sem pedestal – a Abolição e a República no Ceará. Fortaleza: Imprensa Oficial do Ceará, 1958.

GONÇALVES, Adelaide; FUNES, Eurípedes. “Abolição – manifestação e herança. A Abolição da Escravatura no Ceará: uma abordagem crítica”. Cadernos do NUDOC nº 1. Fortaleza: Departamento de História/UFC, 1988.

MOREL, Edmar. Vendaval da liberdade: a luta do povo pela abolição. São Paulo: Global, 1988.


 

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Primeira estação radiotelegráfica de Fortaleza - Uma casa, duas antenas e 3 gerações


Em 1922 instalou-se a primeira estação radiotelegráfica de Fortaleza na Praia do Peixe com duas grandes torres(antenas)¹. Os escritórios ficavam no prédio da Fênix Caixeiral, na Praça Marquês do Herval, na Rua General Sampaio, esquina com Rua Guilherme Rocha, onde hoje fica o edifício do CEMJA.

Foto da época da instalação das antenas em 1922 - Detalhe que a casinha não tem nenhum vizinho próximo. A Foto faz parte do acervo de Joanna Dell'Eva

Zoom da foto anterior

Em 21 de agosto de 1927 é inaugurada a Estação Radiotelegráfica "Ceará", da Repartição Geral dos Telégrafos - RGT, sob a direção de Augusto Mena Barreto.

Uma das antenas na década de 30

Uma das antenas na década de 30

Família Mamede


Por volta de 1947 já com o fim da estação, Mozart Vitoriano Pinheiro, que foi telegrafista na época da agência, foi convidado a morar na casa, que pertencia a União²
Por ser uma pessoa muito correta e honesta, aceitou o "convite" somente mediante o pagamento de aluguel. O aluguel era simbólico, mas existia. Foi então que juntamente com a esposa Hilda Mamede e os filhos: Luís Mário, Mozart, Francisco Alísio (com 12 anos na época), Maria Hilda, Maria Júlia, Maria Plautilia e Maria Tereza, ele foi para a simpática casa na Praia de Iracema, onde criou os filhos e viveu momentos maravilhosos. Foi lá inclusive que nasceu uma das filhas do casal: Maria Celuta (Que hoje se encontra com mais de 60 anos).  

Uma das antenas na década de 30

Foto da década de 30 - Detalhe que ainda não existia nem o Ed. São Pedro e nem a igrejinha. Arquivo Nirez

A casa foi moradia de pelo menos três gerações da família Mamede.
Depois de muitos anos na casa, o patriarca resolveu se mudar, e um de seus filhos, Mozart Mamede, foi morar na casa com a família que havia constituído.

Outra foto da década de 30 vendo-se as duas antenas dos telégrafos

Década de 30

Zoom da foto anterior

Em 1973, a casa passou a ser moradia para o outro irmão, Francisco Alísio Mamede Pinheiro e sua família.
Maria Tereza Pinheiro, filha de Francisco Alísio conta:

“Não sei se você sabe, mas aquela casa tinha porão, quando nós chegamos lá em 1973, os quartos ainda eram com piso de madeira, tinha uma porta no piso claro, pra gente ir pro porão. Dava pra andar na casa toda por baixo. E dava pra entrar por fora também. Esse porão foi feito pra entrar a água do mar, que inclusive na maré cheia, o porão ficava cheio de água, e eu tinha muito medo( ressaltando). Várias vezes ficamos ilhados pela água do mar. E meu pai contava, que quando ele era criança e morava lá (ele foi morar lá com 12 anos), tinha um ladrão, com o apelido de TROÇÃO, que morava em baixo do porão, só que ele entrava por fora (baixo) da casa (claro), minha avó com muito medo dele, além de permitir que ele ficasse, ainda o alimentava de vez em quando. Minha época de moradia foi muito boa, aproveitei o máximo minha infância na praia e criei meu filhos lá, que também usufruíram bastante da praia, com muita liberdade...Morei mais de 30 anos na casa que foi agencia dos correios e telégrafos.“


Essa foto é maravilhosa! Foi a primeira foto usada por mim no painel do blog. 
Década de 30

Foto de 1931 - A antena lá atrás

Foto do final de década de 60 - A casinha (seta) que serviu de agência dos correios e telégrafos

Aquela casinha que foi tão importante, que foi a primeira estação radiotelegráfica de Fortaleza e que por anos foi o aconchegante lar da família Mamede, hoje nada mais é que escritórios de arquitetura de Luciano Cavalcante, que fez o favor de modificar totalmente a casa. Em busca da modernização, ele tirou todas as características da casa³.

Foto de 30/05/1955 - A casinha ao lado do restaurante Lido (em reforma). Na foto, Charles Dell'Eva. Arquivo Joanna Dell'Eva

Pedro Dell'Eva em uma das sapatas que ficavam em frente ao Lido em 1955- Arquivo Joanna Dell'Eva

¹-Meus Trampolins


"Quando criança, eu adorava brincar com meu irmão gêmeo, Pedro, nas sapatas de uma das antenas dos telégrafos localizada bem na frente do Restaurante LIDO (de meus pais), ali mesmo enterradas na areia, sem ao menos sonhar que aqueles enormes blocos quadrados de cimento eram antigamente o sustento de uma antena gigante e tão importante. A segunda antena se encontrava um pouco mais distante, atrás ou ao lado do Ed. São Pedro.

Pois bem, aquelas 4 sapatas eram os “meus trampolins” ! Ficávamos sobre a tal sapata, um de “meus trampolins”, na espera ansiosa de uma grande onda, e na hora “H”, pulávamos dentro d’água como peixinhos! Era uma delícia e como era divertido. Hoje os meus saudosos "trampolins", aqueles que me deram tantas alegrias, foram cobertos pela areia e concreto e sumiram para sempre com todas suas fabulosas histórias dos anos 30, dando espaço à uma pista de patins e skates insuportável!

Joanna Alice Dell’Eva

Filha de Charles e Lúcia Paulette Dell’Eva


1968 - Foto de Nelson Bezerra

Zoom da foto anterior


Casinha que serviu de sede do serviço telegráfico em 1931 e que resistiu ao tempo. Foto de 1969 - Arquivo Nirez

²-Essa casa só poderia ter sido vendida pra gente, porque morávamos lá há muitos anos, caso a gente não quisesse, ela teria que ser leiloada, por ser Patrimônio Público, só que não foi isso que aconteceu, e após anos morando na casa, tivemos que nos mudar.
Maria Tereza Pinheiro

Iracema, final dos anos 70 - Vemos as sapatas da antena que ficava em frente ao Lido.


"Durante um tempo meus trampolins ficavam enterrados, e se escondiam de mim sob a areia...e apareciam de novo, lavados pelas águas do mar! 
como você vê Leila, quando a maré baixava lá estavam eles, imponentes e majestosos blocos de concreto, fortes e imbatíveis, mesmo com a força do mar...porém não resistiram a força brutal do Homem!" - Joanna Dell'Eva


A Casinha ao lado do Lido - Foto de 21/09/1973

Zoom da foto anterior

³-Muitas perguntas sem respostas 

"Leila fico tão "incapacitada" em não saber mais sobre estas antenas e a casinha amarela...que mistério!
E foi tão importante para Fortaleza, as primeiras antenas e a casa dos telégrafos!!!
Seria por cabo marinho na época?
São tantas as perguntas...
Quem construiu? Em que ano? O material veio de onde? Americanos, ingleses ou franceses?
Você pode observar com clareza que a casinha, era construída sobre pilotis sem dúvida por causa do mar...
Eu me lembro desta casa ainda com seus pilotis...erguida sobre a areia.
E as antenas? Se eu fosse Prefeita mandava desenterrar e faria sua historia!


Foto de 1975 - Foto do acervo de Joanna Dell'Eva

E pior ainda...não existe nem uma plaquinha dizendo "Aqui foi a casa que abrigou o primeiro telégrafo de Fortaleza com 2 antenas”.

O Luciano Cavalcante se preocupou só em modificar por completo a casinha amarela...Que pena, além de que ela era TOMBADA! Não entendo...

Joanna Alice Dell’Eva


A casinha hoje:

A casinha hoje, totalmente modificada... Foto de Pedro Paulo


Nem uma única plaquinha dizendo "aqui foi a casa que abrigou o primeiro telégrafo de Fortaleza" - Foto de Pedro Paulo

Foto de Tereza Duarte

Foto de Tereza Duarte


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Agradecimentos a Maria Tereza Pinheiro, Joanna Alice Dell'Eva e Nirez

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Memórias da Praia de Iracema - Parte III



Praia do amor infinito


Praia de Iracema em 1931 - Arquivo Nirez


Nenhum outro bairro de Fortaleza é dotado de maior vocação icônica do que a Praia de Iracema, nem tão decantado em poemas, livros e canções. Talvez isso decorra de seu extraordinário poder de mutação, autêntica Fênix urbana sempre a ressurgir da fúria de um mar inclemente, ou das ondas contaminadoras dos vícios e descaminhos da noite.

Denominada Praia do Peixe, em sua origem na vida urbana de Fortaleza, ganhou o nome atual no fim dos anos 1920, em concurso jornalístico promovido por Adília de Albuquerque Moraes, pioneira do colunismo social no Ceará.




O poço da Draga, na Praia Formosa, hoje ocupado pela indústria naval. Ao longe, vê-se prédios como a Secretaria da Fazenda, o Passeio Público e a Cadeia Pública (Emcetur)



Nos anos 1930/1940, o bairro era um dos mais elegantes da Capital, disputando com o Benfica e Jacarecanga a preferência das famílias pertencentes à pompa e circunstância da alta sociedade de então.

Tornaram-se famosos os serões artísticos do Jangada Clube, nos quais o industrial Fernando Pinto acolheu o cineasta estadunidense Orson "Cidadão Kane" Welles, e também, no âmbito do paladar nativo, o célebre e degustado caldo de cangulo do pioneiro restaurante Ramon, primeiro local frequentado pelo fortalezense para "jantar fora".




Ed. São Pedro - O Iracema Plaza Hotel - Por Eduardo


Trecho da praia de Iracema antes da colocação da estátua Iracema Guardiã de Zenon Barreto- Arquivo Nirez


Marcando igualmente suas épocas, surgiram o até hoje tão citado Estoril; o Lido, do francês Charles Dell´Eva; o Panela, dos quereres do colunista social Lúcio Brasileiro, e a animada danceteria Tony´s, pertencente ao popular Figueiredão, a princípio conhecido como produtor dos mais saborosos sorvetes e "picolés" da cidade.

Diz Gervásio de Paula, jornalista e nostálgico remanescente do apogeu do Estoril, que "o amor continua presente e permanente em todos quantos vivem, sobrevivem e revivem na Praia de Iracema".


Por Eduardo


Pesca em Iracema - Por Eduardo


O mitológico bar passou a ser, a partir dos anos 60, abrigo dos boêmios, artistas, escritores - e da própria vida inteligente de Fortaleza, onde noite adentro se destilava poesia, política e posse transitória de amores enluarados.

Antiga Vila Morena, em seguida ex-clube privado dos soldados americanos aqui arranchados durante a Segunda Grande Guerra, hoje o Estoril posa de futura casa cultural com reinauguração infinitamente protelada.



Por Eduardo


Por Eduardo


Propalam as línguas viperinas que, nas entranhas de certas noites dos anos 40, mocinhas fortalezenses da classe média pulavam os muros de suas casas para ir ao encontro dos garbosos "yankees" frequentadores do Estoril. De saldo, restaram muitos bebês loirinhos em Fortaleza ou, nos casos mais afortunados, respeitáveis senhoras, atualmente venerandas vovós, agora residentes em cidades como Boston ou Filadélfia. Tudo sob as bênçãos de Iracema, que também se fez não virgem com um estrangeiro, seduzido por seus saborosos lábios de mel.


O mar arrebentando nas pedras - Por Eduardo


O famoso Cais Bar - Por Eduardo


E houve também as fases tristes. Vítima da fúria do mar, depois da construção do Porto do Mucuripe, Iracema parecia reservada a cumprir o destino preconizado no samba do compositor Luís Assunção e ser eternamente "a praia dos amores que o mar carregou".

Pirataria


Mas logo ressurgia como ponto fervilhante da noite o Pirata Bar, através da visão lúdica do português/cearense Júlio Trindade, que ali institucionalizou "a segunda-feira mais animada do planeta", para gáudio do exacerbado bairrismo fortalezense, no parecer internacional do insuspeito "The New York Times".


Por Eduardo


Nos trilhos do tempo - Por Eduardo 


Quase ao lado da esfuziante pirataria, pontificaram as delícias do requintado cardápio do restaurante "La Bohème", onde imperava a classe fidalga de D. Ignez Fiuza.

Fortaleza logo se tornou renomado ponto turístico, o que foi bom por um lado, mas vieram gringos de toda parte e toda sorte, não apenas para ver o pôr-do-sol na Ponte dos Ingleses, mas também ávidos de favores sexuais retribuídos em dólar, fazendo proliferar locais "underground" e pontos de droga no até então aparentemente inexpugnável reduto de charme e tradição.



O Estoril - Por Eduardo


Por Eduardo


É esse lado negativo que se pretende expurgar no momento, pena que por meio de obras tão demoradas, sempre adiando para Deus sabe quando o tão necessário e esperado resgate. Porém, como diria Gertrude Stein, um mito é um mito é um mito é um mito.

Sobrevivente da fúria do mar, do abandono dos abonados, da partida de Julio Trindade, do fechamento do Cais Bar e, em tempos mais remotos, da extinção da linha do bucólico bonde que ia até a Igrejinha de São Pedro, certamente a Praia de Iracema renascerá, com aquela força que une o elegante ao trágico, o solar ao sombrio, a alegria aos penares do amor, sentimentos que geram mutações e contrastes nos corações das cidades.

É como diz o polivalente artista e "iracemista" Audífax Rios: "Iracemar, verbo intransitivo d´Alencar. Transitável Iracema, quero caminhar teu presente e teu infinito".


José Augusto Lopes


Essas casinhas praticamente invadiam o mar de Iracema - Por Eduardo


Por Eduardo


Histórias de um bairro à beira-mar

Na primeira foto, cena de um cotidiano que data ainda do início do século XX, no qual as mulheres desfilavam pela praia com roupas de banho comportadas. Já os homens (segunda foto), de calças arregaçadas, observavam o movimento no Porto, com a chegada das grandes cargas de mercadorias. Ao mesmo tempo, jangadas encostavam com o apurado, ainda fresco, da pescaria em alto mar.

O registro iconográfico atesta as palavras de quem se dedicou ao longo da vida a pesquisar e guardar momentos da história da cidade das mais diversas formas. O respeitado pesquisador cearense Miguel Ângelo de Azevedo, Nirez, cedeu imagens de seu arquivo que serão expostas no Formosa Iracema, espaço do Diário do Nordeste na Casa Cor Ceará 2011.

O Ponta Mar Hotel - Eduardo


Por Eduardo


Além de preservar documentos do passado, a memória do estudioso não falha ao descrever, com propriedade e precisão de detalhes, hábitos, costumes e as transformações que marcaram a constituição da Praia de Iracema. "A Praia teve um período muito forte da intelectualidade no final dos anos de 1940, se estendendo até os anos de 1960, e com sede no Estoril", rememora.

Apesar da boêmia e da intelectualidade serem as referências diretas que se tem ao tratar do bairro, Nirez destaca um aspecto que as transformações culturais e naturais até minimizaram, mas ainda não destruíram: a beleza da praia.

Como diz o pesquisador, foi a construção do Porto de Fortaleza, na área do Mucuripe, que tirou parte da formosura e da agitação social do lugar. Ele observa que, durante quase 50 anos, a Praia de Iracema tinha um fluxo muito grande de pessoas graças à ponte metálica que funcionava como porto.

Fotos do bairro com suas casas coloridas - Eduardo


Do mar vinham também a pesca artesanal e os jangadeiros que na praia aportavam e faziam parte da Colônia de Pesca Z-1. A Z-2 abrangia a Praia do Caça e Pesca enquanto a Z-10, a única que ainda funciona na atualidade, servia aos pescadores da área do Mucuripe.

O fato de o local ser o aporte do fluxo comercial do Estado fez o bairro importante, sendo um dos primeiros a receber os melhoramentos da modernidade, como a Alfândega de Fortaleza e a diversificação dos meios de transportes.

"Tinha a linha do trem que descia até a Ponte e como ela cruzava com a linha do bonde que vinha servir à Praia. Teve um dia em que aconteceu uma batida do bonde com o trem, um acidente que deixou vítimas fatais", explica. Depois, vieram os ônibus, "e era bem servida", destaca. Mas a tradição também andava lado a lado com as benesses do progresso e, conforme Nirez, podia-se ver carroças e pessoas andando a cavalo, burro ou jumento.



Rua Boris -Foto de Eduardo


Foto de Eduardo


Cenário

A paisagem da praia não foi alterada somente pela velocidade da vida moderna, mas ainda pelo próprio movimento da natureza. Com o passar dos tempos, o mar começou a avançar, em resposta à própria construção do Porto do Mucuripe. "No final da década de 1940, o avanço começa a destruir as casas. Foi preciso colocar uma contenção que enfeou a praia, mas foi o jeito, senão ia derrubar tudo", lamenta Nirez.



O Iracema Mar Hotel e uma Pizzaria -  Foto de Eduardo

Terreno onde ficava o DNOCS - Foto de Tiago


E, assim, a Praia de Iracema ganha nova feição, em um processo sem volta. A área situada à esquerda da Ponte, por exemplo, conhecida como Praia Formosa, passa a ser ocupada pela indústria naval e pelos armazéns de mercadorias, local hoje denominado de Poço da Draga.

Essas transformações, seguidas pelo crescimento da própria cidade para outras regiões, fizeram com que o bairro entrasse em um processo de degradação paisagística e social. Fenômeno esse que poder público e sociedade civil se esforçam para conter com ações para requalificar a Praia de Iracema.

Dessa forma, tenta-se reescrever uma história mais "formosa" para o bairro e também para a própria capital cearense.

Naiana Rodrigues

A agitada noite da Praia de Iracema - Foto de Tiago


As fotos das postagens "Memórias da Praia de Iracema" estão expostas no Espaço Diário do Nordeste da Casa Cor Ceará 2011.
Quem quiser apreciar de pertinho, melhor correr, pois conforme o site oficial, a Casa Cor só funcionará até o dia 22 desse mês. De terça à domingo, inclusive feriados: De 16:00 às 22:00hs.

Local: Av. Almirante Tamandaré, 22 - Praia de Iracema

Ingresso
Inteira: R$ 34,00
Meia: R$ 17,00
Estudantes e pessoas a partir de 60 anos. Crianças abaixo de 10 anos não pagam


Informações sobre o Evento
(85) 3112-4144


Veja também:





Depoimentos sobre a Praia de Iracema



Fonte - Diário do Nordeste

NOTÍCIAS DA FORTALEZA ANTIGA: