Fachada da Fábrica Myrian - Álbum Fortaleza 1931
A Fábrica Myrian, da firma C. N. Pamplona & Cia., inaugurou no dia 03 de agosto de 1929, na Rua da Alfândega (Avenida Pessoa Anta), esquina com a Rua Almirante Jaceguai, na Praça Almirante Saldanha. A Fábrica foi o primeiro estabelecimento no Ceará a extrair óleo de oiticica através de maquinaria apropriada.
Não se sabe ao certo quem primeiro explorou o óleo de oiticica na região, mas o historiador cearense Geraldo Nobre, no livro 'O Processo Histórico de Industrialização do Ceará', oferece pistas que levam ao Barão de Ibiapaba como o pioneiro da empreitada. Fundamentado em outros importantes estudiosos, como Raimundo Girão, José Guimarães Duque e Paulo de Brito Guerra, ele conta que "O Barão de Ibiapaba, em 1876, pôs em funcionamento uma fábrica, em Fortaleza, composta de um esmagador de sementes, duas prensas verticais e um motor a vapor, para extração do óleo e fabrico de sabão, mas o empreendimento fracassou", em razão de falhas no processo de liquefação da massa obtida com o esmagamento do fruto.
Nova tentativa teria sido feita em 1914 (auge da efervescência industrial movida pelas indústrias automobilística, aeronáutica, química e bélica, que necessitavam de quantidades cada vez maiores de tintas, vernizes e lubrificantes), pela Companhia Fabril e Navegação, do Rio Grande do Norte, "igualmente fracassada". Dessa vez, "por se não ter conseguido neutralizar o mau odor do suco oleaginoso".
Coube, então, aos industriais Franklin Monteiro Gondim, que chegou a exercer interinamente o governo do Estado, e a seu cunhado e sócio, Carlito Narbal Pamplona, em parceria com a Condoroil Tintas S/A – Tintas Ipiranga, dirimir os gargalos e fazer da oiticica uma mina de dinheiro e prosperidade. Mas não sem muito esforço, como conta Geraldo Nobre: "Carlito foi o quarto agraciado pela FIEC, em 1975 – post-mortem, com a Medalha do Mérito Industrial. Hoje, também é o nome de um dos bairros mais tradicionais de Fortaleza".
Operários em frente a fábrica - Álbum Fortaleza 1931
O primeiro passo da dupla, que à época, por volta de 1923, mantinha a firma C.N. Pamplona & Cia., foi enviar amostras da amêndoa para laboratórios nos Estados Unidos e Alemanha. Os resultados não poderiam ser melhores. As sementes, originárias da Fazenda Viração, em Icó, de propriedade de Franklin Gondim, tiveram o seu óleo comparado ao da Tung, até então a principal matéria-prima usada no mundo, mas que tinha o inconveniente de ser importada da China, isso num período de constantes ameaças de guerra entre os Estados Unidos e o Japão. Portanto, o achado seria "de grande vantagem comercial, se houvesse matéria-prima para a industrialização em escala competitiva", escreveu Geraldo Nobre.
De posse dos laudos, a empresa providenciou o levantamento de informações sobre a produção de sementes de oiticica no Ceará e estados vizinhos, assegurando-se da viabilidade do negócio. Certos também disso, os empreendedores encomendaram da Alemanha os maquinários necessários à empreitada. Em 1926, teve início a montagem da fábrica, mas, devido à falta de mão de obra especializada, os últimos ajustes só findaram em meados de 1929.
Batizada de Fábrica Myrian, a inauguração foi em 3 de agosto daquele ano, “com grande concurso de autoridades e convidados especiais, além de populares, atraídos pela curiosidade à Praça da Alfândega (atual Almirante Saldanha), onde ficava o estabelecimento, a pouca distância do porto, localização escolhida para maior facilidade dos carregamentos para o exterior”, segundo Geraldo Nobre.
Entretanto, antes de se consolidar como um grande sucesso, um outro problema engrenou o negócio. Agora foi a coagulação do óleo, que se tornava pastoso e, em contato com o ar, adquiria consistência parecida com a da borracha. Entrave que contou com o empenho pessoal do então secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, Tomás Pompeu de Sousa Brasil Filho, ao intermediar o envio das análises ao laboratório do Instituto Nacional de Óleos, no Rio de Janeiro, em 1930. Apesar dos esforços, o caso não foi resolvido pelo recém-criado órgão público, nem pelos demais laboratórios no Brasil e no exterior que também receberam as amostras.
Franklin Monteiro Gondim - Proprietário - Álbum Fortaleza 1931
Geraldo Nobre registra que “a pertinência dos cearenses permitiu, no entanto, uma solução intermediária”: a fervura do óleo a temperaturas de 180° a 220° graus centígrados e a adição de solventes na porção necessária para obter uma densidade com a qual “a Fábrica Myrian passou a produzir uma tinta em condições de uso satisfatório, como demonstrou pintando grande número de casas da capital e de outras cidades cearenses”.
Com o slogan “Ajudem a defender o produto cearense”, o arremedo foi eficaz o suficiente para alavancar os negócios a ponto de os comerciantes de tintas importadas ficarem temerosos da queda de seus negócios. O repentino êxito do óleo de oiticica para fabricação de tintas despertou o interesse de empresas estrangeiras. Entre elas a indústria francesa C. Coteville & Cia., estabelecida no Rio de Janeiro, que propôs à de Fortaleza a compra de toda a sua produção de óleo, sob a condição de exclusividade.
Carlito Narbal Pamplona - Proprietário - Álbum Fortaleza 1931
Depois de consultar um dos maiores especialistas do ramo de tintas no mundo, o diretor-presidente da Condoroil Tintas S/A – Tintas Ipiranga, M. E. Marvin, os cearenses resolveram não aceitar a proposta. Em seu livro, Geraldo Nobre explica que para Marvin “a firma cearense tinha um grande futuro, desde que superado, definitivamente, o problema da coagulação. Ele até se ofereceu para trazer ao Brasil o químico Henry Gardner, considerado o maior especialista em assuntos de óleos vegetais nos Estados Unidos”.
O prédio da Fábrica Myrian, é a atual Boate Armazém
Proposta aceita, o norte-americano Marvin se tornaria mais do que um conselheiro; seria, de fato, sócio de um grande e lucrativo negócio, que começou após a solução definitiva proposta pelo especialista americano. Era o início da Brasil Oiticica S/A, em 14 de novembro de 1934, menos de seis meses após o entendimento. A nova sociedade foi firmada no Rio de Janeiro, a então capital federal, mas manteve Fortaleza como sede.
Créditos: Gevan Oliveira, Álbum Fortaleza 1931 e Cronologia Ilustrada de Fortaleza de Miguel Ângelo de Azevedo