Fortaleza Nobre | Resgatando a Fortaleza antiga
Fortaleza, uma cidade em TrAnSfOrMaÇãO!!!


Blog sobre essa linda cidade, com suas praias maravilhosas, seu povo acolhedor e seus bairros históricos.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Parque Araxá, um dos mais tradicionais!


Estamos em 1967, na rua Otávio Justa, no Parque Araxá. Ao fundo temos a rua Azevedo Bolão. Acervo Lucas

O Parque Araxá é um dos bairros mais tradicionais de Fortaleza! Os moradores mais antigos dão conta de que ele surgiu por volta de 1950, a partir de um cercado que era habitado por um cidadão conhecido apenas como Zé Crateús. Na época, com o aparecimento de boatos dando conta que a estrada de ferro iria passar por dentro do terreno, seus proprietários resolveram cercá-lo e transformá-lo em lotes que, em seguida, foram vendidos a diversas famílias, notadamente vindas do interior do Estado.

Parque Araxá em foto do Correio do Ceará de 2 de agosto de 1974. Acervo Lucas

Parque Araxá em foto do Correio do Ceará de 2 de agosto de 1974. Acervo Lucas

Essa denominação foi inspirada num cacimbão existente na Rua José Sombra, quase esquina com a Avenida Jovita Feitosa, de onde se tirava água de excelente qualidade, tanto que vinha gente de muito longe em busca do precioso líquido, a fim de beber e até para curar doenças. A Imobiliária Barros, numa jogada de marketing, passou a vender as unidades com o nome de Loteamento Araxá, evocando a cidade de Axará, em Minas Gerais, até hoje conhecida mundialmente pela excelência de suas estâncias minerais. Mais tarde, com a construção de novas residências em torno do loteamento, a área passou a ser chamada de Parque Araxá.

Esquina das ruas Padre Cícero e Major Pedro Sampaio - Arquivo Juracy Mendonça

Essa é a rua Professor Anacleto, no bairro Parque Araxá - Arquivo O Povo

Oficialmente, o IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística delimita o bairro da seguinte forma: Norte: Rua Azevedo Bolão e Avenida Bezerra de Menezes; Leste: Avenida José Bastos (via férrea); Sul: Avenida Jovita Feitosa; e Oeste: Ruas Professor Anacleto e Pedro Ferreira de Assis. Segundo ainda o IBGE, até o ano 2000 a referida área possuía 6.540 habitantes. Porém, historicamente, e no pensamento popular, sua extensão é bem maior, limitando-se, no lado Sul, com a Lagoa de Porangabussu, abrigando estabelecimentos que são conhecidos na cidade como pertencentes ao Parque Araxá, como o Clube Recreativo Tiradentes, Restaurante Paulinho do Frango, Panificadora Pamil, Colégios Deoclécio Ferro, Manuelito Azevedo e Antônio Sales, dentre outros. 


De olho na foto do pai, Isac Xavier lembra dos tempos em que a região era apenas um grande terreno cercado - Arquivo Diário do Nordeste

Apesar de sua importância no desenvolvimento social e econômico da capital cearense, o bairro sofre uma indisfarçada discriminação por parte de moradores mais jovens, bem como de comerciantes e empresários recém-chegados, que acham o nome “Parque Araxá” cafona, antiquado, fora de moda, e preferem dizer que estão na Parquelândia, São Gerardo, Otávio Bonfim, Benfica ou Rodolfo Teófilo. Porém, mais interessante é a gente verificar que o Parque Araxá é cultivado por todos aqueles que gostam de preservar suas origens. O bairro tem, acima de tudo, um povo alegre e descontraído, abriga artistas de diferentes áreas de atuação e uma infinidade de empresas e prestadores de serviços que o tornam um lugar agradável e digno de ser habitado e visitado.


Seu Saraiva e dona Clarinha residem desde 1957 no Parque Araxá na Rua Bernardo Figueiredo - Arquivo Juracy Mendonça

"O bairro Parque Araxá fez parte da minha infância e juventude sob vários aspectos. Não morei propriamente nele, porém muito próximo. A casa dos meus pais ficava mais precisamente na Avenida Bezerra de Menezes, no vizinho bairro de São Gerardo. Localizado na zona Oeste da nossa capital, o bairro do Parque Araxá cresceu desordenadamente e sem a infra-estrutura necessária, como todos os demais. Atualmente está totalmente descaracterizado e muito diferente do que foi nas décadas de 60 e 70. 

Parque Araxá na década de 80. Acervo Tarcísio Riziane

A avenida Bezerra de Menezes é uma das divisas. Diversas linhas de ônibus passam pelo local, facilitando o deslocamento dos moradores - Arquivo Diário do Nordeste

Naquela época tinha vida e personalidade própria. E fama de local de belas mulheres e muita festa animada, em especial as tertúlias. Suas ruas eram estreitas e o pavimento de pedras de granito, o popular calçamento, assim como a maioria das ruas de Fortaleza. Asfalto ainda era um luxo e apenas visto nas grandes avenidas da cidade. O bairro sofria de crônicos problemas de drenagem e no período de chuvas, nosso inverno, a maioria das ruas ficava completamente alagada por semanas. Tornava-se um inferno de lama e de mosquitos e muriçocas, que atormentavam a população local e dos bairros vizinho nas longas noites insones. Mas nada disso tirava a alegria e o apego dos seus moradores pelo local. Ninguém pensava em mudar para outro bairro devido a tranquilidade e as amizades entre os moradores e vizinhos. Era um bairro muito simples, classe média e eminentemente residencial. Uma ou outra casa se destacava pela arquitetura ou pelo porte mas a grande maioria das casas era modesta e sem jardins. Na época ainda existiam grandes áreas desocupadas e até mesmo alguns sítios com fruteiras e criação de gado. Uma coisa totalmente impensável nos dias atuais.

Rua Conselheiro Vieira da Silva - Arquivo O Povo 

O bairro do Parque Araxá tinha, porém uma particularidade que o diferenciava dos demais. Grande parte dos seus moradores se conhecia ou tinha laços de família. Era comum encontrar famílias inteiras morando em casas vizinhas. Também era o reduto de famílias vindas do interior, em especial de cidades da região Centro-Sul do Ceará. Dentre as famílias e colônias que fincaram raízes no bairro se destacavam os imigrantes de Acopiara, minha cidade natal, e da vizinha Mombaça. Sem maiores explicações ou motivos aparentes, tanto minha família como os demais conterrâneos resolveram se instalar no Parque Araxá. Em uma das suas ruas principais, a Rua José Sombra, fixaram residência vários tios, primos e parentes distantes. Por vezes algumas ruas do bairro mais parecia uma rua de Acopiara do que da capital, tal a quantidade de familiares e conhecidos residindo no local. Vários deles instalaram na Rua José Sombra suas casas e seus comércios. Ficavam nela ou em ruas muito próximas as casas dos meus tios Nestor, Luiz e dos filhos do tio Francisco (ele mesmo não deixou Acopiara) e da família Alves (Manel, Marilu e Luiz Alberto). Recordo-me que era nessa rua que ficavam os depósitos de materiais de construção dos meus tios Nestor (Depósito Araxá) e Valmir (Depósito Humaitá) e a mercearia do tio Luiz. Pertinho dali, na Bezerra de Menezes, ficava a casa do meu pai, Neófito e em frente as casas da tia Perpétua e dos seus filhos Airton, Rui, Pinheirinho, Reni e Ubaldina, ao lado do Depósito e Fábrica de Mosaicos Gurgel. Mais a frente ficava a imponente residência do ex-prefeito de Acopiara Chico Sobrinho e a casa da família do Waldizar Brasil. Fazendo limites com o bairro do outro lado, na Avenida Jovita Feitosa, ficavam a residência e o depósito do primo Chiquinho Gurgel e família. Também residiu no bairro, mas mudou-se posteriormente o tio Nertan com alguns dos seus filhos. Vale ainda registrar que no outro vizinho bairro de Otávio Bonfim, quase uma extensão do Parque Araxá, residiam outros tios, vários primos e conterrâneos de Acopiara e que pela proximidade e laços de família circulavam diariamente pelas ruas do bairro.

Curiosamente a pequena mercearia do tio Luiz resiste até os dias de hoje e virou ponto de referência e de encontro dos conterrâneos de Acopiara. O local também é ponto de encontro da família Gurgel, em especial aos sábados pela manhã. Seus integrantes e amigos para lá se dirigem com frequência, seja na busca de notícias da “terrinha” ou para rever os parentes ou apenas para beber uma cerveja gelada. Com um detalhe curioso, o cliente não pode ter pressa. O atendimento é realizado pelo próprio dono, no caso o tio Luiz, ou melhor, “seu Luiz”, como é respeitosamente chamado. Gordo, muito branco e de olhos azuis, é uma figura impagável e muito querido por toda família. Sempre vestido de bermudas, tênis, meias no meio da perna e com seu indefectível suspensório e sem qualquer pressa de servir a cachaça ou abrir a cerveja. E muito menos de encher os copos. E não adianta reclamar, pois além de ser xingado e ouvir desaforos do proprietário, o infeliz cliente vai ficar sem beber por um longo tempo. Se achar ruim, procure outro local. É seu estilo inconfundível e que não poupa nem mesmo os sobrinhos ou parentes. No que pesem os eventuais transtornos, ainda vale a pena passar no local, beber uma pinga ou uma cerveja e jogar conversa fora. Justiça seja feita, a cerveja é sempre gelada e o tira-gosto de excelente qualidade. Sem falar na farinha que acompanha o tira-gosto e que o freguês pode comer com as mãos.


Rua Professor Anacleto - Arquivo O Povo

Com o passar do tempo e com o desenvolvimento e a urbanização desordenada da cidade pouco restou do velho e pacato bairro. Infelizmente muitos dos antigos moradores já partiram ou mudaram do local. Junto com o crescimento chegaram os engarrafamentos e a violência crônica que assola todas as grandes cidades. Do bairro da época das tertúlias, das cadeiras nas calçadas, do café torrado em casa e passado na hora, muito pouco restou. Ficou a saudade e as recordações daqueles velhos tempos. Tempo em que o maior perigo no bairro era escorregar na lama e no lodo que se acumulava nas calçadas na época do inverno. E muito pior do que a queda era a vaia da garotada. Uma grande vergonha e um constrangimento pelo qual passei algumas vezes quando criança. Mesmo com tais perigos era realmente uma festa e uma alegria passear pelas ruas do Parque Araxá no final da tarde. Merendar nas casas dos meus primos, beber um guaraná na mercearia do tio Luiz, jogar conversa fora nas esquinas, tudo sem pressa e sem medo. Hábitos esquecidos pela maioria e estranhos para as novas gerações. Quantas lembranças."

Carlos José Holanda Gurgel




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terça-feira, 24 de janeiro de 2012

O Quebra-Quebra de 1942



“Passeata da Vitória” promovida pelo Centro Estudantil no dia 09 de Agosto de 1942 (alguns dias antes do 
Quebra-Quebra) - Foto de Thomaz Pompeu


Em 18 de agosto de 1942 acontece o chamado quebra-quebra, em represália ao afundamento de vários navios mercantes brasileiros na costa brasileira, torpedeados por submarinos italianos e alemães.
Estabelecimentos de alemães, italianos e japoneses são depredados, assaltados e incendiados pelo povo revoltado.
Até estrangeiros que nada tinham a ver com o "eixo" foram "punidos" por terem nomes complicados.
Na voragem foram incendiadas as lojas A Pernambucana e Casa Veneza e a firma Paschen & Companhia.
A Padaria Italiana muda seu nome para Padaria Nordestina, durante a revolta popular.



Foto do livro Cronologia Ilustrada de Fortaleza de Nirez


Foto do livro Cronologia Ilustrada de Fortaleza de Nirez

O dia 18 de agosto de 1942 parecia ser mais um dia comum no Brasil do Estado Novo, que assistia, sem maior envolvimento, à Segunda Guerra Mundial. O afundamento de seis navios brasileiros por submarinos alemães não havia gerado ainda nenhuma resposta do governo de Getúlio Vargas às forças do Eixo (formado por Alemanha, Itália e Japão). A população, inconformada com tamanha afronta dos alemães, toma suas próprias providências e sai às ruas para quebrar todos os estabelecimentos comerciais que tivessem alguma ligação com os países que passara a considerar inimigos. Acontece, então, o Quebra-Quebra de 42.


Motoristas participam da passeata.


Em meio à algazarra na Praça do Ferreira, onde se avolumava uma pequena multidão em
frente à coluna da hora, ouve-se o grito "Estão quebrando a padaria do Espanhol!". Assim teria começado, na capital Fortalezense, o chamado Quebra-Quebra. 




Em meio àquela confusão, estava Thomaz Pompeu Gomes de Matos, que fez várias fotografias do movimento popular. O fato não foi muito comentado pelos jornais da época, que preferiram não dar repercussão a um caso de desordem pública em plena ditadura. Assim, os principais registros da revolta, acontecida dois dias antes de o Brasil entrar oficialmente na Segunda Guerra, foram as imagens feitas pelo jovem. Para não ir contra os interesses do governo ditatorial, Thomaz Pompeu negou por muito tempo a autoria das fotos, que só foram divulgadas na década de 1980, na coluna de Miguel Ângelo de Azevedo (Nirez) no jornal O Povo.

Loja A Pernambucana sendo consumida pelo fogo.


A algazarra na Praça do Ferreira


No jornal O Nordeste, do dia 19 de agosto, em edital na primeira página, comenta-se sobre a Grande massa de povo, ontem, durante quase todo o dia, principalmente depois das 10 horas, veio as ruas em manifestações coletivas de desagravo à covarde agressão dos piratas nazistas à Marinha mercante Nacional.

Considerando justificável e inevitável às repercussões dos afundamentos na multidão, a população agora deveria se colocar dentro dos imperativos do patriotismo e manter-se confiante nos labores do alto poder nacional. Obedecendo aos apelos das autoridades visando calma, ordem e disciplina. “Passou-se o tempo dos devancios faciosos, das intrigas partidárias, das rivalidades mesquinhas. O que se quer, o que o poder público reclama é a união de todos os brasileiros[...]



Missa pelos mortos de naufrágios de navios brasileiros.


Nesse dia a cidade “acorda” com uma Missa realizada na Igreja do Patrocínio, onde uma grande multidão se concentra abarrotando-se em frente as suas portas. Pela mesma atenção ao luto nacional, as aulas da faculdade de direito foram suspensas. Um informante privilegiado descreve o clímax dos acontecimentos:

[...] A revolta popular aumentava de minuto a minuto. Vi várias mulheres chorando durante a Missa. Nesse clima de revolta e indiguinação fomos para a Faculdade de Direito e lá nos reunimos em frente ao prédio onde oradores falaram concitando o Governo Federal a declarar Guerra à Alemanha.[...]
Mais ou menos às 10:30 saímos em passeata [...] e [chegamos] a velha praça do Ferreira. [...]Por onde íamos passando a fileira ia aumentando consideravelmente. Quando atingimos a Coluna, ali já se encontrava uma compacta multidão a gritar “morra Hitler e seus asseclas!”. Vários oradores se fizeram ouvir [...] [avultando] o número de manifestantes face ao fechamento do comércio as 11:00 horas como era de hábito na época. Nisso, no meio da multidão ouve-se um grito: “Estão quebrando a padaria do Espanhol!”. [...] Foi o início do quebra-quebra.






Nesse mesmo alvoroço acabaram sendo quebradas e incendiadas outras casas comerciais como as Lojas Pernambucanas, Camisaria Álvaro, Jardim Japonês da família Fujita.
O Jornal Correio do Ceará noticiava: "Acompanhados de grande massa popular, ao som de estrepitosos foguetes e empunhando cartazes de propaganda democrática, os estudantes rumaram para a Praça do Ferreira, onde já se havia formado  um grupo numerosíssimo de pessoas. A entrada do cortejo cívico no principal logradouro da cidade foi triunfal, ouvindo-se ensurdecedoras aclamações aos nomes dos presidentes Vargas e Roosevelt, de Churchill e De Gaulle e as nações unidas, cujos heróicos combatentes derramaram o seu sangue em holocausto da Liberdade."

"O Quebra-quebra de 1942 em Fortaleza", acúmulo de gente na Rua Floriano Peixoto.


Seria algo como um espelho do que realmente aconteceu. Nessas fotos, podemos detectar um grande número de pessoas fardadas mostrando o ativismo dos estudantes daquela época, a adesão dos vários grupos sociais (estudantes, professores, motoristas, organizações católicas como a Cruz de Cristo, etc) erguendo os seus cartazes e faixas que acabam se juntando em um só grito de condenação ao nazi fascismo dos países do eixo.


Estudantes participam de passeata.


Tanto pelo temor de se ser envolvido em alguma querela policial, como por motivos de constrangimento pessoal com pessoas próximas, essas fotografias foram guardadas em foro íntimo no arquivo pessoal do Sr. Thomaz Pompeu, tendo sido mostradas apenas para familiares e amigos próximos até o começo da década de 80.

O primeiro suporte, onde as fotos ganham uma divulgação mais ampla, é a página do jornal O povo intitulada Pesquisa e Comunicação, datada no dia 22 de Agosto de 1982, escrita pelo memorialista e colecionador Miguel Ângelo de Azevedo (Nirez).



 
Álbum com as fotos do Quebra-Quebra organizado pelo
Sr.Thomaz Pompeu Gomes de Matos.

Reduzido a um foro íntimo, mas com grande audiência dos pesquisadores depois da divulgação no jornal, o segundo suporte é o álbum de fotografias organizado, também no começo dos anos 80, pelo próprio Thomaz Pompeu.

O Álbum – que hoje se encontra na reserva técnica do Memorial da Cultura Cearense – possui uma capa dura, vermelha e em letras douradas, no canto inferior direito, está o nome do seu antigo proprietário; na lombada, também em dourado, encontra-se um nome em caixa-alta: Quebra-Quebra de 18-08-1942. É possível julgar o livro pela capa, assim observamos o cuidado e carinho especial que o Sr. Thomaz tem por esse acontecimento.



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Fontes: Cronologia Ilustrada de Fortaleza - Nirez,  
A trama fotográfica do Quebra-Quebra de 1942 de Carlos Renato Araújo FREIRE
 e Blog Coisa de Cearense 



segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Novela vivida




Ultrapassava a paixão. Era o viver a novela. Incluir-se em cada cena. Sofrer, alegrar-se, rir, chorar. De viva voz, buscar interagir com o televisor, exigir-lhe respostas. Aplauso, protesto ou manifestação de contentamento mostrava-se de quando em vez.
Dona Luzia transformava-se de telespectadora em participe. Não raro, levantava-se da cadeira e encaminhava-se para junto do receptor. Parecia querer entrar naquele mundo de ficção. Para ela, insofismável realidade.
- Conta à verdade toda! A hora é esta! Deixa de querer ser boazinha! Pronto! Agora está sem jeito, sua tola! Ah, vai chorar, né? Bestalhona! A outra vai te passar para trás! 


Na foto, montagem com cena da TV Ceará. Em primeiro plano João Ramos eKarla Peixoto


E mais um capítulo chegava ao fim com os aconselhamentos, protestos, exclamações e, até, interrogações da aficionada fã.
O calendário marcava um dos anos sessenta. Dois ou três depois de inaugurado o primeiro canal televisivo na Capital. Longe da chegada do videoteipe, os dramalhões apresentavam-se ao vivo. Atores locais, também intérpretes de novelas radiofônicas, formavam o elenco das oito da noite nas telinhas convexas, de cantos arredondados, com imagens de pouco brilho, em preto e branco, além das interferências conhecidas popularmente como “chuvisco”.

Raras casas possuíam o novo entretenimento. Daí nasceu à figura do televizinho, o sem-TV que infernizava a vida dos proprietários do novo aparelho.

Nossa personagem integrava aquele grupo. Todas as noites fazia-se penetra em uma das únicas duas casas dos providos da rua. As salas ficavam cheias. Os que não mais ali cabiam, postavam-se na calçada. Espremiam-se nas janelas e portas das residências para assistir aos programas. 



A privacidade das famílias findava-se. O sossego também. As intervenções inesperadas da idosa senhora chegavam a assustar uns, merecer críticas de alguns e os “psius” da maioria. Ela chegava ao extremo da descompostura aos reclamantes, exigindo suas retiradas do recinto. Enquanto isso, os donos da casa evitavam incompatibilidade com os moradores conhecidos e sofriam resignados e silentes.
Novidades tecnologias sempre têm preços e sacrifícios altos.








Artigo do amigo e colaborador Geraldo Duarte

domingo, 22 de janeiro de 2012

Bar O Buraco do Reitor



O bar foi fundado pelo Sr. Manoel há 40 anos* e atendia aos estudantes da UFC, daí a origem do nome. Hoje é comandado pelo Sr. Andrade, irmão do fundador, e conta com uma clientela tão antiga quanto fiel... E sempre aparecem novos amigos.

Anualmente é realizado um encontro dos frequentadores, é o EBAN, "Encontro dos Bebedores do Andrade". Este encontro ocorre há 28 anos, e já se chamou EBEM, "Encontros dos Bebedores do Manoel", sendo devidamente registrados com fotos, que são expostas nas paredes do bar.

Pequeno e modesto, o bar é cheio de particularidades e folclore. As vendas fiado são anotadas nas madeiras das prateleiras em giz, mas atenção: quando Sr. Andrade anota de giz vermelho, é porque o freguês está inadimplente, e é melhor só aparecer se for para saldar a dívida. Corre uma história que um cliente, Paulo Galinha, morreu e ficou devendo no bar. Seu nome ficou anotado nas prateleiras em giz vermelho, mas certo dia foi apagado à noite, misteriosamente. Os frequentadores acreditam que o dito cujo veio do além e apagou seu nome na lista dos fiados.

Dois troféus anuais são outorgados aos seus frequentadores: O Boneco e a Ferradura. O primeiro, na realidade uma boneca de plástico que fica pendurada na prateleira, é para o maior "bonequeiro" e o segundo, para o mais comilão. Para alguém frequentar o "Buraco do Reitor" é necessário que seja levado por algum cliente da casa, senão o Sr. Andrade, simplesmente, não atende.

Foto do arquivo Sindifort

O Buraco do Reitor

Acredito que todo aluno da Universidade Federal do Ceará das últimas três décadas conheceu o Buraco do Reitor. Se não frequentou, ao menos de nome e de fama ouviu falar desse boteco. Se o estudante era "enturmado" e gostava de beber uma cachacinha no final das aulas, com certeza conheceu o Buraco do Reitor. É um daqueles lugares que surgem sem que ninguém possa explica como pode um local sem qualquer graça ser tão conhecido e frequentado. Tem tudo para não ser nem ao menos lembrado. Fica numa ruazinha transversal, entre duas grandes avenidas quase no centro da cidade (Av. da Universidade e Avenida Carapinima). O prédio da mercearia, ou melhor, da bodega do “Seu Manel” é velho, mal conservado e sem a mínima estrutura para abrigar um bar. Pois o Buraco do Reitor fica numa pequena divisão do imóvel, espremido entre a mercearia do seu Manel e uma residência. São duas portas e um balcão de cimento e uma velha prateleira de madeira quase caindo e com umas poucas garrafas de bebida, a maioria cachaça. Cadeiras apenas umas três, reservada para os frequentadores mais graduados, no caso os que bebem diariamente e em grande quantidade. No mais, apenas cadeiras improvisadas com caixotes ou os chamados tamboretes. A grande maioria fica mesmo é em pé no balcão ou encostado nas paredes, pois o espaço entre o balcão e as estreitas portas da rua é mínimo. Quem desejar alguma privacidade pode ficar na parte dos fundos, em uma pequena divisão atrás das prateleiras. Mas a maioria não interessa ficar isolada nos fundos pois além de perder a conversa e as piadas o reservado fica numa parte escura, úmida e próximo do mictório improvisado e mal-cheiroso. O bom mesmo é beber ao pé do balcão e ficar circulando entre os biriteiros frequentadores. A fama do local é mesmo inexplicável e o nome deve-se particularmente à sua proximidade do prédio da Reitoria e do campus universitário da UFC. Era no passado uma das poucas mercearias que vendia pinga e tira-gosto na área e ficava escondido num beco de pouco trânsito de pedestres e de carros. A discrição era seu maior atrativo, já que não ficava bem para a imagem dos futuros doutores serem vistos bebendo cachaça em botequim de esquina. Com a mudança de parte da Universidade para o novo Campus do Pici a maioria da clientela de estudantes sumiu. O acelerado crescimento da cidade e as mudanças culturais contribuíram para reduzir a frequência do local. Seu atual proprietário é o Andrade, uma figura impagável. Baixinho, cara fechada e não gosta de dar um bom dia e não tem nenhuma delicadeza com os clientes. No que pese a sua falta de trato com os fregueses, é respeitado e reverenciado por todos, em especial pelos clientes mais assíduos e chegados ao copo, os chamados "papudinhos". O que diferencia e o que mais chama atenção no Buraco do Reitor é o elevado nível social e cultural dos seus fiéis frequentadores, considerando tratar-se de uma minúscula bodega cravada num bequinho estreito e sem nenhum atrativo. Até mesmo para estacionar o carro no local é complicado. Bebericando no boteco podem ser encontrados médicos, engenheiros, advogados, professores da UFC, funcionários públicos graduados e até militares de folga. Também é reduto de aposentados, pequenos comerciantes locais e vendedores. Uma clientela eclética e que mistura sem qualquer separação ou discriminação todas as classes sociais e profissionais. Uma única restrição: mulheres não frequentam o Buraco. Um destaque: a grande maioria dos fregueses se conhece e o tratamento, como não poderia deixar de ser, é por apelidos. Alguns hilários, outros bizarros e sem explicação, contudo sem nenhuma ofensa ou sentido pejorativo. Pateta, Jabão (meu primo), Moi de Chifre, Filé de Borboleta, são alguns dos apelidos dos fregueses mais conhecidos. Qualquer insinuação de preconceito ou de humilhação de algum cliente, em especial dos assíduos e fieis "papudinhos", será prontamente rebatida e o autor convidado a se retirar. O espaço é totalmente democrático e festivo. Discute-se de tudo, prevalecendo logicamente a política e o futebol. Mas o grande mote são os casos amorosos, as conquistas e particularmente as traições. Nesse ponto é onde surgem as melhores piadas e as maiores discussões. Amores, traições, adultérios e tudo que são fatos e histórias envolvendo o tema estão sempre em evidência e é fonte inesgotável de piadas e gozações. Masculinidade, impotência e desempenho sexual completam a pauta. Todos são envolvidos nas histórias e brincadeiras, porém sempre de maneira cômica e sem ofensas. Às vezes os presentes elegem um pra "Cristo" e tome piada e gozação em cima do pobre coitado. As discussões se acirram, o tom de voz se eleva, entretanto no final termina tudo em gargalhadas e muita bebida. Um fato pitoresco e que chama muito atenção é a maneira original como o proprietário acompanha as doses de bebida servida. Ao invés da tradicional caderneta ou livro, as doses são anotadas por traços na madeira das prateleiras ou até no balcão com um pedaço de giz. Somente os clientes vip possuem anotações da conta em pedacinhos de papel que ficam literalmente pendurados em um pegador coberto de ferrugem e na vista de todos. Ter crédito no Buraco do Reitor não é para qualquer um e ficar "na pendura" é motivo de orgulho. O variado tira-gosto, que sempre vem de fora, pois o Buraco não tem cozinha, é uma atração à parte. Não pela qualidade, mas pela maneira como é generosamente compartilhado. Pode ser uma simples laranja ou mesmo um limão cortado em pedaços, algumas siriguelas, um bife trinchado ou um frango à passarinha. Tudo é colocado em cima do balcão e todos os biriteiros podem se servir diretamente. Com as mãos, com palitinhos e até com garfos, qualquer um pode beliscar o tira-gosto. E o melhor, quase sempre apenas um dos presentes patrocina espontaneamente o tira-gosto. Outro fato pitoresco do local é o encontro anual dos clientes mais assíduos, os imperdíveis EBAN - Encontro Anual dos Biriteiros do Andrade, promovido pelos fieis frequentadores e que já se encontra na sua trigésima edição. O evento, um grande almoço, é organizado pelos fiéis clientes e é realizado em algum restaurante ou churrascaria da cidade. Participa do encontro quase sempre o mesmo grupo e toda despesa é “rachada” entre os participantes. A reunião é toda fotografada e as fotos dos encontros são reveladas e circulam meses entre os membros dessa original confraria. Um grande pôster com a melhor foto dos participantes é confeccionado e fixado nas velhas paredes do Buraco. Eu estou lá, na foto do XXI EBAN realizado em dezembro de 2001, para a posteridade. Por conta dessa longa tradição, uma das brincadeiras do local é acompanhar pelas fotos os companheiros que já “partiram” e tentar adivinhar quem será o próximo. Pode até parecer macabro ou “de mau gosto”, mas até a morte gloriosa dos “papudinhos” é motivo de piadas e muita gozação. Toda vez que passo nas proximidades me recordo das brincadeiras e de algumas das impagáveis figuras que circulam no local. Somente quem já tomou umas e outras no Buraco do Reitor consegue entender como um local tão simples e modesto pode atrair tão seleta clientela. Coisas do meu Ceará.



Carlos J. H. Gurgel

Mapa de localização do Buraco do Reitor



Conforme Mazim, um dos leitores do site, o O Buraco foi fundado em 21/04/1960.


Endereço: Rua Senador Catunda 
Bairro: Benfica
Referência: Entre Av. Carapinima e Av. da Universidade, na altura da Faculdade de Economia
Fone: (85) 3252-2460
Contato: Sr. Andrade
Especialidade da casa: Encontro de amigos


Horário de funcionamento:
- Segunda a Sábado: das 9:00hs às 20:00hs
- Domingos: das 9:00hs às 13:00hs
Obs: Este horário não é fixo, podendo haver alterações sem aviso prévio.


Programação da semana:
Os frequentadores são a própria programação do bar. Segunda, sexta e sábado ao meio dia são os horários mais frequentados, assim como os domingos pela manhã.


Cozinha
Os próprios frequentadores devem levar o tira-gosto. 

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Créditos: Ao amigo e colaborador Carlos Gurgel e ao Site Pelos Bares da Vida

sábado, 21 de janeiro de 2012

Palácio Plácido de Carvalho - Uma prova de amor!


Foto de 1964 do Livro 'O Centro Histórico De Fortaleza' - 2002
de Maurício Cals

Rico e de gosto requintado, Plácido de Carvalho fez construir o que se pode classificar como uma das mais monumentais obras arquitetônicas da época no Brasil – o “Palácio do Plácido”, na Aldeota, antigo Outeiro. Foi um presente do rico comerciante à sua amada Pierina, uma italiana de Milão.
A majestosa construção, cópia de um Palácio Veneziano, que o Sr. Plácido de Carvalho havia mandado construir para a bela Pierina, ficava na Avenida Santos Dumont e possuía pequenos chalés para servirem de moradia dos serviçais do castelo. Nos anos 60 o castelo foi vendido.




O comerciante Plácido de Carvalho, teve forte atuação no cenário empresarial de Fortaleza, nas duas primeiras décadas do Século XX, até a primeira metade dos anos trinta. Registrou seu reconhecido bom gosto em vários prédios que construiu, destacando-se, entre outros, o famoso Palácio do Plácido erigido para homenagear Maria Pierina Rossi; o Cine-Theatro Majestic Palace, o Cinema Moderno e o imponente Excelsior Hotel. Dos quatro monumentos arquitetônicos só resta o Excelsior. O Majestic foi totalmente devorado por um incêndio.


Zaira em frente a escadaria da entrada principal do castelo. Arquivo Nirez

Plácido e Zaira. Arquivo Nirez

A italiana Pierina. Arquivo Nirez

Um Palácio para a amada

No início do século XX, Plácido de Carvalho era um bem sucedido comerciante e industrial em Fortaleza, isso nas duas primeiras décadas do século até a metade da década de trinta.
Em 1916, viajando pela Europa veio a conhecer em Paris, Maria Pierina Rossi, uma italiana de Milão, que apesar de apaixonada recusava-se a vir morar no Brasil. Ele porém, também muito apaixonado, prometeu construir para ela em Fortaleza, uma cópia de um belo palácio que ambos viram em Veneza. Com a promessa, ela concordou, chegando a Fortaleza no ano seguinte.


Foto aérea do Castelo na década de 60. A. Capibaribe Neto

Logo começaram os preparativos para a obra.
Para construção o bairro escolhido foi o Outeiro, já conhecido como Aldeota. Quanto ao construtor, há dúvidas, muitos apontam o feito ao irmão de Pierina, Natali Rossi, este sim foi o arquiteto do Excelsior Hotel. Mas o Palácio do Plácido foi certamente obra do Sr. João Sabóia Barbosa, artista plástico e excelente engenheiro eletricista diplomado em Liverpool, Inglaterra.


Foto aérea do Castelo na década de 60- Esquina da Av. Santos Dumont com Monsenhor Bruno

O palácio foi erguido entre as ruas Carlos Vasconcelos e Monsenhor Bruno, tendo como cruzamento das duas a Av. Santos Dumont. Foram usados mármores e vitrais importados, bem como raras madeiras brasileiras. Exibindo estilo rico e eclético, a decoração encantava e chamava atenção. Era cercado de jardins com roseiras e plantas nativas, e possuía duas bem trabalhadas fontes.


Depois de dois anos de meticulosos esforços a obra finalmente foi inaugurada em 1921.
Em torno do Palácio do Plácido como passou a chamar-se ou para os mais excêntricos Palacete Plácido de Carvalho, foram construídos pequenos chalés, a servirem de moradia aos serviçais da imponente construção.
 


Após a morte do esposo, em 03 de junho de 1935, Pierina, que já morava desde 1933 no Excelsior Hotel, casou-se com o arquiteto húngaro Emílio Hinko, amigo de Plácido, que a pedido dela desenhou e construiu em 1938, em torno do palácio seis palacetes, para que servissem de aluguel. Todos ainda existentes.
O palácio então foi alugado, e lá passou a funcionar o Serviço de Malária, departamento federal que equivale a Sucam.




Em 1957, morre Maria Pierina, e na década seguinte, Zaíra, filha e única herdeira, vende o palácio a um grupo comercial local, que no início dos anos 70 faz a demolição do mesmo para a construção de um supermercado, no entanto o terreno ficou abandonado. Em decorrência de dívidas para com o Poder Público, fez-se a quitação da mesma passando o terreno para o Governo do Estado que lá construiu e hoje está o Centro de Artesanato Luíza Távora.
Quanto ao Palácio do Plácido, este ficou no passado, num velho postal e em gasta e antigas fotos, também na lembrança dos que um dia o viram ou nele entraram, contemplando a beleza de sua torre, de suas janelas e belas escadas a quase dobrar-se, dos seus jardins e suas fontes. Um pedaço do passado agora transferido para livros ou fotos raras. A cumprida promessa de um homem apaixonado que o tempo impiedosamente levou. 


Foto de Nelson Bezerra da Exposição Viva Fortaleza

Foto de Nelson Bezerra da Exposição Viva Fortaleza

Foto de Nelson Bezerra da Exposição Viva Fortaleza

Plácido Barbosa de Carvalho

Plácido Barbosa de Carvalho, nascido, a 17/01/1873, em Canindé, era filho de Bernardino Plácido de Carvalho e de Alexandrina Barbosa Cordeiro de Carvalho. 
Durante a primeira Guerra Mundial, Plácido de Carvalho se casa, em Paris, com Maria Pierina Rossi, nascida em Milão (Itália), em 11/01/1889. Dessa união, não nasceriam descendentes.

O Palácio por dentro


Com a chegada de Pierina, ao Ceará, em 1917, o casal passou a residir na Rua Princesa Isabel. Somente em 1920, com a conclusão da construção do “Palacete Plácido de Carvalho”, é que se mudaram para o Outeiro. 


Foto de 1971 pouco antes de ser demolido

Após a demolição do Castelo - Arquivo Nirez 

Década de 40, na época o castelo estava ocupado pelo Serviço Nacional de Febre Amarela. Acervo Henrique Abreu

luminária da escada do Castelo do Plácido, em 1972. Foto: Nelson Bezerra

Registro da fachada nascente do Castelo em 1972 - Nelson Bezerra

Porão do Palácio em 1972 - Nelson Bezerra



Leia mais sobre Plácido de Carvalho AQUI
Inclusive detalhes do seu testamento.
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Fontes: O Povo (Artigo de Bérgson Frota) e  Plácido de Carvalho e Luiz Severiano Ribeiro: “Uma dupla de cinema” de Carlos Negreiros Viana

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