Fortaleza Nobre | Resgatando a Fortaleza antiga
Fortaleza, uma cidade em TrAnSfOrMaÇãO!!!


Blog sobre essa linda cidade, com suas praias maravilhosas, seu povo acolhedor e seus bairros históricos.

 



sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Guindaste Titan - Mucuripe




Graças a ajuda do Guindaste Titã, há mais de 70 anos, o Porto do Mucuripe vive um momento de prosperidade. 
Aperte o play, ouça a música de Sérgio Costa e Wilson Cirino, em homenagem ao gigante de aço e curta a postagem!


Enseada do Mucuripe antes da Construção do Porto - Arquivo Nirez

Postal Porto do Ceará
o Presidente da República, Getúlio Vargas, modificando o decreto anterior, lança o Decreto-Lei nº 544, de 7 de julho de 1938, e o faz publicar no Diário Oficial da União e decreta em seu Artigo 1º:

Art. 1º Fica transferida a localização do Porto de Fortaleza para a enseada do Mucuripe a que se refere a concessão outorgada ao Estado do Ceará, pelo decreto nº 23.606, de 20 de dezembro de 1933, para construção, aparelhamento e exploração do referido porto (Espíndola, 1978; p. 32). 


Foto do Guindaste Titan em 1940 - Arquivo MIS
Em 23 de julho de 1938 as obras tiveram início no Mucuripe. Segundo Espíndola, foram projetados dois enrocamentos laterais e paralelos, de 240 e 320 metros, com três metros de largura e nove de altura cada, um enrocamento transversal levantado por 102 colunas de concreto chamadas tubulões, cada uma com 2 metros de diâmetro por 12 metros de altura ligadas por vigas de concreto e sobre as quais se ergueria o cais de embarque e desembarque, espaçadas em oito metros. Um quebra-mar de 1.480 metros de comprimento à frente dos enrocamentos com função de amortecer as ondas e guiar as correntes para o largo. A conclusão da obra previa a realização de dragagem para alcançar oito metros de calado, aterro do espaço entre os enrocamentos utilizando o material dragado, um calçamento de paralelepípedos sobre o aterro e a construção de armazéns de carga e administrativos e instalação de geradores. 


A previsão de conclusão foi de 32 meses, prazo que não foi cumprido. Segundo Jucá (2000) e Espíndola (1978), o atraso e a posterior paralisação das obras do agora Porto do Mucuripe se deveram à inadimplência, ao assoreamento e aos fatores externos, como a crise financeira do Estado. A partir daí as idéias de ligação do Porto à cidade foram também abortadas. Conta Jucá que a construção do porto “incrementou o anedotário” (JUCÁ, 2000; p. 129) para muitos quando se referiam a tempo indeterminado ou ao dia de “São Nunca”. Assim se diziam que os play-boys da cidade se casariam no dia da inauguração do porto. Outro fator que emperrou a construção foi o conhecido acidente* do Guindaste Titã. O guindaste vinha operando já há alguns meses em péssimas condições de uso no transporte de pedras e na construção do quebra-mar. Segundo relata Espíndola, no dia 3 de junho de 1940 

[...] ao descarregar um dos carros de pedra, o Titã sofreu ruptura numa chaveta e, em seguida, quebra de uma mensageira. Nesse instante, a lança já se encontrava desnivelada pelo carrilho, resultando então no desequilíbrio e tombamento de toda a estrutura metálica [...] (Espíndola, 1978; p. 38). 


Acervo Carlos Juaçaba
o conserto do guindaste levou dez meses, durantes os quais os trabalhos de lançamento de pedras e construção do quebra-mar foram interrompidos. Mas o imaginário popular ganhou espaço. A praia onde desabou o Titã acabou ganhando o nome de Titã, e mais tarde Titãzinho.

O transporte das pedra

O Guindaste Titan em plena atividade

O Guindaste fez história e virou símbolo:

"Em 1939, chegava em Fortaleza o guindaste Titan, gigante de aço que, durante anos, foi símbolo da construção do Porto do Mucuripe, erguendo toneladas de rochas para a formação do quebra-mar que ainda hoje mantêm as águas tranquilas do Porto. A partir do Mucuripe, o Ceará passou a romper fronteiras com o mundo e Fortaleza ganhou status de metrópole."
Sergio Novais

(Diretor Presidente da Companhia Docas do Ceará)

O gigante de aço
Titãns

"Usual em toda imprensa fazer referência a “Luta de titãs” sobre qualquer coisa principalmente em futebol. 
Quando se construía o porto de Fortaleza, havia um guindaste de proporções avantajadas. Era o titã que pontificava na Ponta do Mucuripe para encher com pedras. Era o espanto para quem chegava a Fortaleza. 
Gago Coutinho foi visitar Fortaleza. A comissão de recepção do Clube da praia de Iracema fez homenagem. Convidou o herói para a visita. Subiu no Titã até o ponto mais alto. Foi espetáculo assistido pelo povo. 
Daí por diante quando uma coisa era grande, deixou de ser “jagularau”. Titã tomou conta do resto. "

Ari Cunha
(Correio Braziliense)

"...Viajei no passado, lembrando-me de que, quanto jovem, aluno do Liceu do Ceará, cheguei a aventurar em deliciosos mergulhos naquelas águas tendo como testemunha o antigo e simbólico e gigantesco guindaste Titã, que anos depois, já bastante corroído pela ação do tempo e da maresia, tragicamente desabou matando operários ao ser desmontado para venda em ferro velho. Foi a “fúria do Titã”, como registrou o jornal O POVO, onde eu na época era repórter político. Hoje, o local é emoldurado pelas vistosas torres geradoras de energia eólica. Mas isto é outra estória..."

Paulo Tadeu

(Jornalista)


Colocação das pedras do quebra-mar do porto pelo guindaste Titan. Ao longo dos anos, a praia ao lado do porto ficou conhecida como Praia do Titanzinho - Acervo Jaime Correia
Sobre o Porto, ao qual dedica especial atenção no livro 'Caravelas, Jangadas e Navios'; histórias do Ceará, Espínola descreve a presença do Titã, máquina responsável pela construção do molhe de pedras, para viabilizar sua construção. Era "o maior equipamento produzido pelo homem no Ceará. E o mais moderno e importante, porque não tinha semelhantes nas regiões Norte e Nordeste". E lamenta o pouco caso com a nossa história: "até ser transformado em sucata, por ideia de algum iluminado em troca de uns poucos dinheiros".


*Em 03 de junho de 1940, desaba a torre do guindaste Titan, no Mucuripe, que cai ao mar por não suportar uma carga de 50 toneladas. Saem feridos dez operários, dos quais um faleceu horas depois. 

No ano seguinte, no dia 20 de janeiro, acontece a bênção do guindaste Titan, que é recolocado na Ponta do Mucuripe, em cerimônia oficiada pelo cônego Joaquim Rosa.

Oito dias depois (28/01/1941), o Guindaste Titan volta à atividade.

Jornal Correio da Manhã - 31 de janeiro de 1941

Fotografia aérea com data aproximada de 1950. Demonstra o Porto de Fortaleza finalizado e já operando além a difração das ondas no molhe, formando a praia mansa. Arquivo Nirez

Curiosidade:

Em 04 de outubro de 1964, falece o comerciante e desportista José Antunes Queirós (José Queirós), irmão de Edson Queirós, em acidente, aos 32 anos de idade, quando foi cuspido da lancha em que estava, próximo ao guindaste Titan, no Mucuripe. Ele nascera em 19/03/1932.



Fontes: O Caso do Porto do Mucuripe e da Praia do Serviluz - Roberto Bruno M. Rebouças, Livro “Caravelas, Jangadas e Navios” de Rodolfo Espínola, Cronologia Ilustrada de Fortaleza de Miguel Ângelo de Azevedo, Livro Ah, Fortaleza!  e pesquisas diversas.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Memórias de uma vida à beira-mar


Mesmo com 93 anos de idade, Dona Neusa mantém o hábito de sentar no calçadão e olhar o mar. Na lembrança, histórias quando a avenida era uma das três ruas até o mar.
Apesar da idade avançada, que por vezes limita seu caminhar, a aposentada Neusa Miranda de Freitas não se priva da felicidade de, todas as manhãs, atravessar a Avenida Beira-Mar e contemplar o vasto oceano que se coloca à frente de sua porta e lhe traz boas e saudosas lembranças. “Hoje só faço olhar o mar, mas era a nossa diversão”, lembra. 

Desde seu nascimento na localidade de Boi Choco, hoje Volta da Jurema, como conta a aposentada, as águas salgadas do Mucuripe estiveram presentes nas horas de brincadeiras de infância, na vida de casada e, claro, no crescimento dos seis filhos. “Nadei muito ali, ia até longe. A gente fazia churrasco na adolescência”

Porém, como recorda, as ondas revoltas também foram responsáveis pela derrubada da primeira casa da família, que ficava bem na beira do mar. “Era tudo areia, mas tinha três ruas. A primeira era na praia. Lá ficava nossa casa, que o mar derrubou. A segunda era a Rua dos Pescadores, por onde passavam os caminhões para a construção do Porto do Mucuripe. Por fim, tinha a terceira, que é a Avenida Beira-Mar de hoje”.

Ao lado, a versão original da casa de dona Neusa em 1966.

Por conta desse percalço da natureza, dona Neusa explica que a solução foi a mudança com os pais para a Rua da Paz. “Minha mãe nunca se acostumou porque não dava para ver o mar”, observa. Depois disso, na década de 1960, o casório a levou para a morada de número 4558, em que no cômodo onde hoje há uma janela, ficava a mercearia do marido falecido, Luiz Gonzaga de Freitas

Desta época, a aposentada ainda tira da memória que a vizinhança era rodeada por casas de veraneio e das artimanhas usadas no período da Segunda Guerra Mundial. “A primeira casa de veraneio foi do general Manoel Teófilo. Durante a Guerra, as luzes ficavam apagadas para não chamar atenção dos aviões”


Dona Neusa em frente a residência, que resiste ao tempo e à especulação.
Em quase um século de vida, dona Neusa não deixa de lembrar detalhes e cumprimentar os conhecidos de longa e curta datas. Para se ter uma ideia, basta uma saída rápida de casa para que flanelinhas, moradores e frequentadores do calçadão desejem “bom dia” e falem com a aposentada. Diante de tantas demonstrações de afeto, pensar em se mudar nem passa pela cabeça, como diz.

Apesar, diga-se de passagem, da especulação imobiliária, das propostas de compra e da violência que não existia outrora e hoje pode ser presenciada de sua varanda. No entanto, dá para entender dona Neusa. Não é sempre que se tem o passado, a família, os amigos e o mar tão próximos. “Saudade nunca passa, né? Mas, aqui, sou muito querida”.


História do Bairro


Na década de 1930, a Praia do Mucuripe era o reduto de pescadores e de jovens. Dona Neusa é uma testemunha e protagonista dessa agitação.


Etimologicamente, em Tupi, Mucuripe significa Vale dos Mocós. Segundo relatos históricos, acredita-se que, em 1500, o navegador espanhol Vicente Yáñez Pinzón desembarcou nesse trecho antes da viagem de Pedro Álvares Cabral ao Brasil e o batizou de Cabo de Santa Maria de La Concepción

Em 1501, André Gonçalves e Gonçalo Coelho chegaram à enseada do Mucuripe, tendo Américo Vespúcio na tripulação. Quando os holandeses desembarcaram no Ceará, em 1649, o bairro foi o porto de ancoragem da embarcação. Durante a consolidação de Fortaleza como cidade, em 1823, a enseada e a ponta do Mucuripe receberam fortes que completavam a estrutura militar do Forte de Nossa Senhora da Assunção. Ainda no século XX, foi construído o Farol, como apoio e complemento do Porto de Fortaleza e, em 1891, uma Estação de Trem.


No litoral, ainda não havia ocorrido processo de ocupação efetiva. Isso só acontece após 1950, sendo a Praia de Iracema a primeira. Livro "Caravelas, Jangadas e Navios" de Rodolfo Espínola.

Vila de pescadores, o bairro teve dois centros habitacionais: um à direita, onde foi construída a Igreja Nossa Senhora da Saúde e o segundo Cemitério público da cidade, e outro à esquerda do Riacho Maceió, em que houve a construção da Capela dos Pescadores. Nos anos 40 do século passado, ele foi escolhido como o local para o Porto. Já na década de 1950, deixou de ser um bairro de pescadores para expandir-se.
Janine Maia

Editado em 10/04/2015:

Em 08 de abril de 2015, o bairro do Mucuripe perde sua ilustre moradora, morre D. Neusa Miranda, no alto dos seus quase 100 anos. Com ela, perdemos tbm parte da história do bairro...
Meus pêsames aos filhos, netos, bisnetos e amigos! :(


Crédito: Diário do Nordeste
Fotos  D. Neuza: Alex Costa


Casa Boris Frères



Casa Boris Frères em 1910 - Arquivo Nirez
Uma das casas mais importantes, não só no Ceará como em todo o Norte do Brasil. Os sócios da firma eram os srs. Théodore Boris, Isaie Boris e Achille Boris, que residiam em Paris e lá dirigiam a sucursal da casa, e o sr. Adrien Seligmann, era o sócio-gerente no Ceará.

Crédito: Carlos H. Bertelli
Esta casa, foi fundada em 1870 e fazia o comércio de exportação dos principais produtos do estado, tais como borracha, algodão, cera de carnaúba, couros e peles. Importava máquinas para agricultura, cimento, carvão etc.

Correspondência de João Brígido endereçada a Casa Comercial Boris Frères - 25 de janeiro de 1904 - Acervo de Nágila Maia de Morais

Correspondência de João Brígido endereçada a casa Comercial Boris Frères - 1904 
Acervo de Nágila Maia de Morais
Os srs. Boris Frères possuíam uma instalação para o beneficiamento da borracha, que recebiam do interior do estado. A borracha era posta de molho em uma solução especial durante 20 ou 30 horas; depois, tratada em máquinas diversas, e cortada, em seguida, por meio de facas circulares. A borracha era depois posta a secar em estufas, onde ficava durante trinta dias. A instalação tinha capacidade para 1.500 quilos diários e as máquinas eram provenientes dos conhecidos fabricantes Joseph Robinson & Co., Salford, Manchester. Os srs. Boris Frères pretendiam aumentar a sua instalação para o tratamento da borracha, visto o aumento constante que estavam tendo.


Propaganda Boris Frères de 1929 - LR Blogs Associados
Na seção de algodão, era enorme a quantidade de artigo bruto tratado pela firma. Vinha ele do interior em grandes fardos imprensados e no depósito da firma era limpo quando isso se tornava necessário. O armazém era iluminado à luz elétrica, fornecida por um dínamo; e havia também uma bateria de acumuladores (para o caso em que não se queria fazer funcionar o dínamo), a qual tinha capacidade para iluminar a instalação durante dez dias. A força motriz para o maquinismo era dada por um motor a vapor dos srs. Fawcett Preston.

Nota de despesas de trabalhadores da Casa Comercial Boris Frères de 1904
Acervo de Nágila Maia de Morais
Na seção de couros, que ficava em outro depósito fronteiro ao porto, o movimento anual sobia a 1.000.000 de couros e peles, dos quais os primeiros eram exportados, na maioria, para o Havre e Hamburgo, sendo as peles enviadas principalmente para Nova YorkFiladélfia.

Crédito Collectorcircuit
O representante da firma em Nova York era o sr. Emile Boris, Broad Street, 68. As exportações em borracha ficavam divididas entre os mercados de Liverpool, Havre, Antuérpia e Nova York; o algodão ia para o Rio de Janeiro, Liverpool e Havre; a cera de carnaúba para Hamburgo, Nova York e Liverpool. Os srs. Boris Frères eram cônsules da França no Ceará e vice-cônsules da Noruega; e eram agentes e representantes de bancos e firmas importantes, tais como London & River Plate Bank e todas as suas sucursais; Brasilianische Bank für Deutschland e todas as suas sucursais sul-americanas; British Bank of South America, Banco do Recife, Banque Française et Italienne, Banco Español del Rio de la Plata, Banco Transatlântico Alemão, Rio; Deutsch Sudamerikanische, Rio e Hamburgo. Fazia também a firma a emissão de vales-ouro para pagamentos alfandegários.


Crédito Collectorcircuit

Os srs. Boris Frères eram também proprietários de várias plantações de borracha, café, cana-de-açúcar etc., próximo a Baturité e Crato (Serra Verde), no estado do Ceará. A firma tinha agências nos estados vizinhos. O movimento anual da casa ia a R$ 12.000:000$000 (£800.000).


Filial da Boris Frères em 1921: vista fronto-lateral do prédio em Fortaleza

(fotografia cedida por Pierre Seligman) - Livro Franceses no Brasil: séculos XIX- XX

A casa em 1922. Acervo Charles Boris

Todo colecionar de selos ou história postal do Império do Brasil, em algum momento se 
depara com os envelopes destinados a Casa Boris Fréres.
Mas afinal quem foi está Casa comercial que tanta correspondência mantinha?

Nota de pagamento de frete da Casa Comercial Boris Frères de 1904
Acervo de Nágila Maia de Morais

                                            Nota de pagamento de frete da Casa Comercial Boris Frères de 1904
                                                                        Acervo de Nágila Maia de Morais

No decorrer do século XIX, sobretudo de 1850 até o seu final, a França ocupou uma posição privilegiada nas relações comerciais externas brasileiras: o segundo país no movimento de importação e exportação de mercadorias no Brasil, logo em seguida à Inglaterra.

Matriz da Boris Frères: vista frontal do prédio onde se localizava o escritório
da empresa entre as décadas de 1880 e 1940 - Rue de La Victoire, 65. Paris
(fotografia feita em 1990) - Livro Franceses no Brasil: séculos XIX- XX

A origem dessa posição privilegiada encontra-se no crescimento econômico ocorrido naquele país no chamado Segundo Império, caracterizado especialmente por um impulso industrial que passou a exigir mercados cada vez mais amplos.
Nesse processo, as casas comerciais importadoras-exportadoras, pertencentes a “comissários em mercadorias” na França, atuando no ramo atacadista e apoiada numa estrutura que implicava na existência de uma matriz francesa e uma filial no Brasil, tiveram 
uma importância fundamental ao viabilizarem essa expansão, materializando-a.
Dentre essas casas. Estava a Boris-Frères. Sua origem remonta à cidade de Chambrey
na região da Alsácia-Lorena, onde a família Boris comercializava com cavalos, pelo menos 
desde a segunda metade do século XVIII.

Nota de pagamento de frete da Casa Comercial Boris Frères de 1904
Acervo de Nágila Maia de Morais

Nota de pagamento de frete da Casa Comercial Boris Frères de 1904
Acervo de Nágila Maia de Morais

Em 1865, um de seus membros, Alphonse Boris, viajou para a região nordeste do Brasil, dirigindo-se à província do Ceará, sendo seguido, dois anos depois, por seu irmão Théodore.
A primitiva casa comercial que então fundaram em Fortaleza, no ano de 1869, a Théodore Boris et Frères, desapareceu com o regresso deles ao país de origem, dois anos 
depois, mas não em definitivo: suas atividades no Brasil estavam, de fato, apenas começando.
Em Paris, cidade para a qual a família havia emigrado no contexto da Guerra Franco Prussiana, eles fundaram, a 14 de fevereiro de 1872, a Boris Frères, sociedade entre irmãos. Essa objetivava explorar “um comércio de comissão exportação-importação”, com matriz na capital francesa e filial no Ceará, para onde eles retornaram, ainda no mesmo ano, e estabeleceram a filial.

O comerciante Théodore Boris, Chambrey, 1841 . Paris, 1933. ( Uma casa chamada Boris, 1869-1969. Fortaleza, s. n., [1969?]) - Livro Franceses no Brasil: séculos XIX- XX
A Província do Ceará experimentava, entre 1860 e 1870, uma expansão agroexportadora, apoiada principalmente na produção algodoeira, que integrava o mercado cearense às correntes do comércio internacional. Tal expansão significava para os interesses comerciais franceses, representados pela Casa Boris, a possibilidade de atuarem não só no ramo da exportação de matérias-primas para a Europa, mas também no ramo de importação de produtos manufaturados.
A opção deles contrastava com a da grande maioria dos comerciantes franceses que, neste período, emigraram para o Brasil com o objetivo de ai estabelecer casas comerciais. A capital do Império e as cidades do Recife e Salvador foram aquelas para as quais eles se dirigiam preferencialmente, sobretudo a partir dos anos cinquenta.
A partir da instalação definitiva em 1872, foi-se engendrando uma hierarquia na cadeia de distribuição das mercadorias importadas, tendo, em uma de suas extremidades, a casa matriz de Paris, e na outra, o pequeno comerciante do interior da província.

Nota de pagamento de frete da Casa Comercial Boris Frères de 1904
Acervo de Nágila Maia de Morais

Nota de pagamento de frete da Casa Comercial Boris Frères de 1904
Acervo de Nágila Maia de Morais

A exportação de produtos locais para o mercado externo alicerçava-se nos mesmos agentes e hierarquia. As matérias-primas dirigidas ao comércio exportador chegavam à Casa Boris, em Fortaleza, através dos comerciantes com que negociavam na importação, oriundas de fornecedores interioranos.

O comerciante Alphonse Boris. Chambrey, 1843. Paris, 1898. ( Uma casa chamada Boris, 1869-1969. Fortaleza, s. n., [1969?]) - Livro Franceses no Brasil: séculos XIX- XX
Os tecidos vinham em primeiro lugar por ordem de importância. Eram constituídos tanto por aqueles de melhor qualidade, mais finos, como por aqueles mais baratos, destinados a um consumo mais popular. Estes últimos, que no Brasil foram de origem, sobretudo inglesa, 
predominaram nas vendas da Casa. Dessa forma, a Boris Frères soube esquivar-se de uns 
problemas enfrentados pelo comércio francês, especialmente no caso dos tecidos, ou seja, a 
dificuldade de consumo para artigos de luxo, que o caracterizavam. Logo após os tecidos, as 
demais mercadorias estrangeiras importadas e comercializadas foram peças de vestuário, 
perfumaria, objetos de decoração, vinhos, conservas, manteiga, drogas, artigos de armarinho e papelaria, cujas encomendas eram feitas à casa-matriz. Note-se, porém, que havia um produto bastante comercializado pela Casa Boris, cuja origem era norte-americana e constituía um dos principais itens das exportações dos Estados Unidos para o Brasil: a farinha de trigo, para confecção de pães e de bolachas.
A “flexibilidade” dos negócios da Casa, porém, é mais patente quando se observa que 
comercializou também com mercadorias de produção local, como velas de cera de carnaúba, 
charque ou ainda aguardente, que eram enviadas de uma área à outra dentro da própria 
Província.

O comerciante Isaie Boris. Chambrey. 1846. Versalhes. 1918. (Uma casa chamada Boris. 1869-1969. Fortaleza. s. n.. [I969?]) - Livro Franceses no Brasil: séculos XIX- XX
Considerando-se a atividade exportadora da Casa Boris, em particular, consta-se que o 
algodão constituiu o principal gênero comercializado pela Casa. Ora, na medida em que os 
tecidos foram às mercadorias de maior peso nas importações, verifica-se que ocorria um 
intercâmbio comercial no qual se importavam manufaturas feitas com a matéria-prima que se exportava, vários foram os comerciantes cearenses cuja relação com a Boris Frères esteve assentada, sobretudo, na venda do algodão e na sua contrapartida: a compra dos tecidos, fabricados com aquela matéria-prima.
Os couros estiveram em segundo lugar, em ordem de importância. Por um lado, esse artigo manteve-se, na segunda metade do século XIX, como um dos principais itens as pauta 
das exportações brasileiras para a França; pelo outro, os objetos trabalhados com essa 
matéria-prima constituíram uma das oito mais importantes mercadorias importadas daquele 
país pelo Brasil, no período.
Em terceiro lugar, vinham as penas de ema, utilizada na França, provavelmente, na indústria de decoração e vestuário.
A cera de carnaúba e a borracha também foram comercializadas, embora em bem menor 
grau do que os três artigos anteriormente citados. Afora esses produtos típicos do Ceará
alguns outros despertaram o interesse da casa Boris, este foi o caso do “jaborandi” e de 
resinas”, empregados na fabricação de algumas drogas.
Dessa forma, a Boris Frères filial pôde estabelecer, nos anos de 1870, as bases seguras de sua presença comercial na Província. Suas lucrativas relações com o mercado cearense, que não foram abaladas pelos anos de seca, muito ao contrário, desdobra-se-iam, a partir dos anos oitenta, em novas atividades, colocando-a em posição cada vez mais importante no Ceará.


Prensa inglesa de algodão da Casa Boris Frères, inaugurada em 1924 (Fotografia cedida por Pierre Seligman). Livro Franceses no Brasil: séculos XIX- XX

As atividades mencionadas caracterizavam-se, em primeiro lugar, pela sua manutenção 
como casa comercial, reforçada por novas “conquistas”, como a da estável posição de gentes 
consulares, que deteriam durante décadas, e de companhias de seguro de navegação; em 
segundo lugar, por um desdobramento em novas atividades no setor da agroindústria, que se 
traduziram em investimentos diretos na agricultura e no processo de beneficiamento, ao 
mesmo tempo em que constituiu uma expansão da atividade da Boris Frères, consolidou-a 
como casa comercial, pois objetivava, em última instância, um aprimoramento da atividade 
exportadora.
A  primazia da exportação em seus negócios na província se consolidaria em 1910, quando a Casa deixou de realizar importações de mercadorias, num quadro marcado pela perda progressiva da posição da França no mercado internacional, após o final do século XIX. 
Quanto às exportações seriam interrompidas somente em 1930, como efeito da grande 
depressão de 1929, que atingiu o comércio exterior brasileiro. A partir de então as atividades 
da Boris Frères, no Ceará, restringir-se-iam, especialmente, ao ramo de navegação e seguros, 
no qual ainda hoje atua.
Carlos H. Bertelli

Saiba Mais

A Casa Boris foi fundada em 1869, tendo como razão social: "Théodore Boris & Irmão".
Localizava-se antiga Travessa da Praia (atual Rua Boris)





Fontes: ¹Livro Impressões do Brazil no Século Vinte, ²Szmrecsányl, Tamás. & Lapa, José Roberto do Amaral. História Econômica da Independência e do Império. Edusp, São Paulo, 1993 e ³Meyer, Peter. Catálogo Enciclopédico de Selos & História Postal do Brasil. 
RHM, São Paulo, 1999

sábado, 16 de fevereiro de 2013

A Prainha de outrora... Parte III


Rua Dragão do Mar

Em pequena casa que tem hoje o nº 198 da rua Dragão do Mar e os números 117 a 119 da rua Almirante Jaceguai, moravam as velhinhas Mariana e Demétria, irmãs de Telésforo de Abreu, ocupante da Casa Boris, como ficou registrado aqui quando foi feita referência a uma das peraltices de Gustavo Barroso.


Casa Boris em 1921. Vista fronto-lateral do prédio - Foto Pierre Seligman

Casa vizinha a essa foi uma das residências do pai do futuro constituinte e deputado federal Luis Cavalcante Sucupira, este enquanto solteiro.  No local atualmente se levanta um sobrado (nº 2012 da Rua Dragão do Mar), onde instalada estava a firma H. B. Transportes.


Rua Dragão do Mar

Do lado leste deste prédio havia um armazém de peles e couros de IONA e CIA, empresa do industrial pioneiro Delmiro Gouveia, cujo gerente era o futuro capitalista José Magalhães Porto, que viria a ser tesoureiro da Liga Eleitoral Católica (LEC), pai do médico José Porto Filho (Zebinha) e avô de Dona Miriam Fontenele Porto Mota, esposa do governador Luis de Gonzaga Fonseca Mota. Em 1983 era um sobrado desocupado e a alugar. É o nº 218 da rua Dragão do Mar.


Rua Dragão do Mar

Prosseguindo na direção leste da rua, encontramos o prédio que tem o nº 242. Pertencia a D. Maria Pio, esposa de José Pio, construtor do primeiro bungalow de Fortaleza, na Praça Cristo Redentor.

Na esquina sudoeste das ruas Dragão do Mar (antiga da Praia e da Alfândega) e Senador Almino (antiga do Arrecife) levanta-se o prédio assobradado em que nasceu e viveu por muitos anos o grande intelectual Araripe Júnior. Tem hoje os números 316 e 322 da Rua Dragão do Mar. Merecia melhor tratamento da parte dos poderes públicos.


Araripe Júnior

Em frente, esquina noroeste das ruas Dragão do Mar e Senador Almino, sem numeração, permanece a casa em que morou Francisco José do Nascimento, o "Chico da Matilde", que tomaria a alcunha de "Dragão do Mar" pelo papel saliente desempenhado junto à capatazia quando do movimento em prol da Libertação dos escravos. Triste destino o deste prédio: abrigou, depois, o Cabaré da Emília Costa

Na esquina nordeste das referidas artérias, em casa que tem o nº 345, morava um cidadão que era conhecido pelo apelido de Precabura. Devia ter vindo de lá, o aprazível recanto das imediações de Messejana.

Relativamente à fronteiriça face sul da rua Dragão do Mar, fique assinalado que se eleva a casa de nº 366, em cujo frontispício se acha registrado o ano de 1925.

Adiante, outra casa, de nº 372, da mesma rua, com o ano de 1929 inscrito em sua frente.
Depois, a casa de nº 380, com o ano de 1928 em sua testada.

Podemos ver, a seguir, a casa de nº 418, com a indicação do ano de 1920, naturalmente o de sua reforma porque muito antes era habitada por José Sérgio de Melo Rabelo, primo do Coronel Franco Rabelo e depois sogro do futuro constituinte e deputado federal Luis Cavalcante Sucupira, cuja família morava nas imediações. Nesta casa Sucupira residiu, após casado, até quando se mudou para o Rio de Janeiro, em 1920.


 Luis Cavalcante Sucupira

Em casa que ainda se acha de pé e exibe em sua fachada o ano de 1914, hoje nº 422 da rua Dragão do Mar, morou o major Peregrino Montenegro, casado com uma irmã do jornalista Matos Ibiapina, diretor de 'O Ceará', jornal de forte conotação anti-religiosa e antigovernamental. Filho desse casal é o jornalista Alci Ibiapina Montenegro.

Na casa ao lado dessa última, atual nº 430 da rua Dragão do Mar, morava o carpina Júlio Bernardo da Silva, construtor das primeiras carrocerias de caminhão no Ceará. Estava abandonada, com o quadrado das antigas janelas fechadas a tijolo.

A casa a leste dessa última, hoje nº 454 da mesma rua, abrigou também, enquanto solteiro, o futuro constituinte e deputado federal Luis Cavalcante Sucupira, pois, durante certo tempo, serviu de residência a seus pais.


Rua Itapipoca

Como que fechando a atual rua Itapipoca, antigo Beco do Sabóia, existe a casa de nº 462 da rua Dragão do Mar. Nela morou Ademar Bezerra de Albuquerque, fundador da Aba Filme. Era funcionário do London Bank e fotógrafo amador, depois profissionalizando-se.


Ademar Bezerra de Albuquerque

Segue-se a essa casa uma outra, de nº 464, que servia de residência do pai do futuro comerciante Manuel Gentil Porto, este neto e aquele genro do coronel José Gentil Alves de Carvalho, fundador da família Gentil.

Finalmente, a rua finda com um sítio pertencente a Manuel Porto.

Encerrando esta viagem sentimental por um bairro decadente, que abrigou gente tão boa, aparece-me que prestei algum serviço a memória da cidade, fixando para sempre coisas que a história, preocupada mais com os grandes acontecimentos, jamais guardaria. Convicto me acho de que as informações aqui prestadas são fidedignas, decorrentes de fontes seguras e sérias, uma das quais foi o próprio Luis Cavalcante Sucupira, cuja colaboração sinceramente agradeço.


Mozart Soriano Aderaldo

Fim

Parte I
Parte II

Fonte: Prainha, um bairro decadente - Mozart Soriano Aderaldo

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Historinhas de Carnaval




No carnaval em que muitos brincam, outros se escondem, vários viajam, os tristes curtem suas solidões e alguns até leem  resolvi contar umas historinhas de carnaval, todas passadas comigo.

Primeira: tinha por volta dos 12 anos e fazia parte de uma turma, entre adultos e crianças, que conseguiu um caminhão para passear no corso (corso era uma área da cidade em uma avenida de pista dupla, destinada, de um lado, aos blocos e os sujos, a atual turma da pipoca; do outro, ao tráfego dos veículos). Nosso caminhão era do tipo misto, com duas boleias e uma carroceria de madeira. Os mais velhos iam nas boleias  Os mais jovens ficavam na carroceria. Tinha ganho um lança perfume (Cloretil Rodouro). Embora não estivesse fantasiado de pierrô, vi uma perfeita colombina e gastei todo o lança perfume com ela que me mandava tímidos sorrisos ao lado do irmão. O corso acabou, a colombina foi embora acenando e fiquei com o lança perfume vazio na mão.

Bloco Enviados de Alá - Arquivo Nirez

"Av. Duque de Caxias e o Bloco Enviados de Alá. Este bloco surgiu como "En VIADOS de Alah", depois, com a receptividade popular, ele se transformou nos "Eviados de Alah" e fez muito sucesso. Eles cantavam a marcha de Nássara "Alá La Ô" em ritmo de samba, o que não dava certo, ficava forçada a letra na melodia. Aí estão em frente a Igreja do Carmo. Foto de 1972. A partir de 1973 o carnaval passou para a Av. Aguanambi." Nirez

Antônio Luís Monteiro diz: O bloco antes era assim chamado: "HEIM? VIADOS DE ALÁ" e logo depois com a crise internacional do petróleo e o aparecimento em Paracurú virou "ENVIADOS DE ALÁ" e um dos primeiros temas e música foi "O PETRÓLEO É NOSSO!"


Segunda: estava com cerca de 15 anos. Pedi ao meu pai para ir com ele a uma festa noturna de carnaval. Ele concordou. Era terça-feira. Naquele tempo havia umas vesperais em casas de família com discos. Fui participar de uma. Cheguei em casa cansado, resolvi repousar um pouco e acordei na quarta-feira.


Terceira: no fulgor dos 18 anos, resolvi liderar a formação de um bloco com estudantes do C.P.O.R. (para quem não sabe, futuros oficiais da reserva do Exército). Conseguimos até uma viatura militar para nos levar aos bailes. Houve um dia em que, eufóricos, levantamos o estandarte do nosso bloco mais alto que o da turma do Clube Líbano. Foi o bastante. Começou uma briga e a festa acabou.

Quarta: Já universitário e com namoradinha a tiracolo, fizemos um Bloco das Almas. Todos de branco, cobertos da cabeça aos pés, pintávamos e bordávamos pelo meio da avenida, sem que ninguém nos reconhecesse. Não havia bebida, só muita energia até que os pés pisados por terceiros pedissem uma trégua. 

Quinta: Teatro Municipal, São Luís. Havia convidado uma turma de cearenses para assistir ao baile municipal com concurso de fantasias. Todos solteiros. No meio do desfile, um de nossa turma, que havia bebido, subiu à passarela e resolveu tomar, de um dos candidatos à originalidade, o longo bambu que tinha na ponta um pagode chinês iluminado por uma vela. Tomou, a vela ardeu e foi um vexame.

Sexta: Marquês de Sapucaí, Rio. Estava sentado na cadeira vendo as escolas de samba passarem. Nos intervalos, o bloco dos garis fazia a festa, até que apareceu alguém de paletó azul marinho e gravata acenando fortemente para a multidão, indo e vindo sem parar de um extremo ao outro. Perguntei quem era: Fernando Collor, futuro candidato a Presidente da República. É doido, pensei, e não votei nele. 


João Soares Neto



Crônica publicada no Diário do Nordeste em 17/02/2003

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