Fortaleza Nobre | Resgatando a Fortaleza antiga
Fortaleza, uma cidade em TrAnSfOrMaÇãO!!!


Blog sobre essa linda cidade, com suas praias maravilhosas, seu povo acolhedor e seus bairros históricos.

 



segunda-feira, 6 de agosto de 2012

O Passeio Público e os Clubes na Fortaleza antiga


Passeio Público em 1900

O Passeio Público, inaugurado em 1880, era um dos lugares mais frequentados pela população de Fortaleza. Anteriormente este local era denominado de Praça dos Martíres em virtude da execução de alguns participantes da Confederação do Equador ter ocorrido em tal praça. Ao ser remodelada, esta área de lazer tornou-se um ponto de referência urbana na cidade. 

Lindo Passeio Público do Álbum Vista do Ceará 1908

Localizado no perímetro central e com ampla vista para o mar, o Passeio Público tornou-se de pronto a principal área de lazer e sociabilidade, até que despontassem outras tentadoras opções a partir do século XX, como o Theatro José de Alencar (1910) e os cines Majestic e Moderno.

No decorrer do segundo decênio do século XX, tal logradouro ainda era “cultuado” como importante espaço de sociabilidade. Sua divisão espacial em três avenidas especificava o lugar social dos seus usuários. 

 
 Passeio Público - Caio Prado - Arquivo Nirez

De acordo com o memorialista Otacilio de Azevedo, o Passeio Público era uma ampla praça dividida em três partes iguais. A primeira era a Caio Prado, onde fervilhava a fina sociedade local; a parte do meio era a chamada Carapinima, destinada ao pessoal da classe media e onde a Banda da Polícia Militar executava operetas e valsas vienenses. A terceira era a avenida Padre Mororó, frequentada pela ralé – as mulheres da vida, os rufiões e os operários pobres. 

Passeio Público - Caio Prado

Ao descrever o Passeio Público, Otacilio de Azevedo especifica os frequentadores correspondentes a cada avenida (ou alameda). Nesta divisão identificamos uma cidade marcada por um desenvolvimento urbano, e ao mesmo tempo pelo aumento de pobreza, o que leva a elite a buscar elementos de diferenciação e separação dos demais grupos sociais. 

 Álbum de Vistas do Ceará 1908

Álbum de Vistas do Ceará 1908

Os locais de passeio e lazer, as moradias fora do centro em bairros como Jacarecanga, são exemplos desta diferenciação social da elite fortalezense.
No que concerne à divisão do “Passeio Público”, a descrição feita correntemente nos escritos 
memorialisticos é desta perfeita separação entre os grupos sociais que frequentavam a praça, cada qual a ocupar uma de suas avenidas.
No entanto, tal “espontaneidade” é questionada pela historiografia mais recente em trabalhos como o de Antonio Luiz Macêdo:

"Defender a idéia do Passeio Público como amostra da harmonia social reinante em Fortaleza na virada do século XIX abriga certos riscos de ordem política. O primeiro consiste na afirmação de hierarquias, transformando a sociedade num simples mosaico dividido em superiores e inferiores. Em segundo lugar, a sugestão de que todos os frequentadores aceitavam a separação em três planos mascara os conflitos sociais, perpetuando a imagem conservadora do povo brasileiro como entidade pacífica, submissa e obediente. Por fim, insistir nessa divisão espacial rígida e espontânea é desconhecer a multiplicidade dos usos dos
lugares, continuamente recriados na vivência diária dos habitantes. Com seu apego a uma visão idílica do Passeio Público, a crônica histórica de Fortaleza se alinha a uma concepção elitista e preconceituosa em relação às camadas populares. Cabe indagar se a segregação espacial correspondia a uma prática aceita por consenso e sem qualquer traço de conflito, como tradicionalmente se quer insinuar."

Álbum de Vistas do Ceará 1908

Para o historiador Carlos Eduardo Vasconcelos Nogueira, tal divisão seria mais uma expectativa dos intelectuais, pautadas em uma visão elitista, do modo como o povo deveria se comportar, do que uma descrição do cotidiano no “Passeio Público”:

"Talvez essa distribuição nunca tenha funcionado do modo como foi descrita. Pois a memória de uma apartação espontânea dos grupos sociais que frequentavam o Passeio Público tinha raízes em uma alegoria constituída no domínio da escrita. E esta (como a memória) simplifica, idealiza. Não recebe passivamente os objetos de uma realidade exterior, mas os fabrica, a partir de procedimentos específicos e de um espaço próprio: a página em branco. Nessa perspectiva, a alegoria dizia menos sobre o povo que sobre as expectativas de intelectuais do modo como este devia portar-se. Não descrevia a realidade, mas a harmonizava, criando um mundo utópico, desprovido de conflitos e ambiguidades. "

Na década de 1930, o Passeio Público já não possuía o mesmo status de outrora, ao passo que já no decênio anterior começava a perder sua funcionalidade para outros espaços de sociabilidade como o cinema.
Em meio às contínuas mudanças na paisagem da cidade, o Passeio Público parecia conservar algo que escapava ao mundo moderno e sua lógica racional. Em função do sentimento de ruptura ocasionado pela mutação da cidade, afigurava-se em elo com o pretérito, restituía uma continuidade, assegurada mediante sua preservação enquanto suporte físico da memória. Guardava, em sua existência subtraída da atualidade, algo que faltava aos novos equipamentos, cinemas e novos jardins, perdidos em sua praticidade de lugar de encontro e
vitrine de ostentação de riqueza. Achava-se o lugar nesse cruzamento de tempos. Era vivido de outra maneira, pois em parte havia perdido sua funcionalidade; adquiria estatuto de objeto antigo, que existe tão somente para significar o tempo.

Outro espaço de lazer das elites eram os clubes, estes foram criados ainda no final do século XIX, passando a ter uma maior relevância no início do século XX, em especial na década de 1920. Os clubes em Fortaleza, foram criados por grupos específicos que se afirmavam economicamente e assim como no Passeio Público, buscavam espaços de lazer exclusivos.

No entanto, ao contrário do Passeio Público que era ao ar livre e frequentado por diversas classes sociais, os clubes eram espaços fechados de sociabilidade exclusiva das elites. Para se ter acesso aos clubes, “...era preciso ser sócio e pertencer ao grupo estabelecido. Nesse sentido, os clubes representavam as profissões e oficios que compunha a elite em ascensão, principalmente os comerciantes”.

Jantar de intelectuais, provavelmente no Clube dos Diários - Acervo Carlos Juaçaba

Funcionários da Ceará Rádio Clube, reunidos no Clube Maguary, em comemoração ao aniversário da rádio

De acordo com Diocleciana Paula da Silva, no início da década de 1920 havia poucos clubes, no entanto, a quantidade era suficiente para atender ao abonado público frequentador. Ao longo daquela década, os profissionais liberais, os industriais e os comerciantes foram fundando seus próprios locais de diversão com acesso restrito e definido pelo poderio econômico e pelo pertencimento a um grupo: 

"Em Fortaleza, ao longo dos tempos, conviveram inúmeras dessas agremiações. Com efeito, pode ser arrolada uma grande quantidade de nomes que compunham o vasto conjunto de clubes sociais que desfrutaram (alguns ainda desfrutam), no passado, de poder e prestígio, em maior ou menor escala, consoante os grupos que congregavam. Havia os clubes de natureza classista, esportiva, ou de colônias de cidades interioranas, assim como existiam os ditos “suburbanos”. Mas são, sobretudo, os clubes chamados “elegantes” que estão presentes nos jornais, com maior frequência, ocupando espaço com convites, convocações de reuniões e matérias referentes a toda espécie de eventos que lá aconteciam: bailes, desfiles, jantares, recepções, aniversários, acontecimentos comemorativos, homenagens, etc. Eram esses “clubes dos ricos” extremamente “fechados”, tendo o seu ingresso vedado aos não sócios. Os critérios para a associação também eram rigorosos, sendo a aprovação de nomes candidatos motivo de deliberação de diretoria."

Reunião da Academia Cearense de Letras no Clube Iracema em 1922

Uma das primeiras agremiações criadas em Fortaleza foi o Clube Cearense¹, inaugurado em 1867. Tal agremiação, era composta por políticos e comerciantes nacionais e estrangeiros, sobretudo os de procedência inglesa, francesa e portuguesa, que eram ligados às atividades de importação e exportação. O Clube Cearense era uma instituição elitista de acesso restrito não permitindo a presença de outros membros que não fossem de seu quadro social.

Desfile Miss Ceará em 1956 no Náutico Atlético Cearense

A postura discriminatória existente no Clube Cearense, estimulou a criação de uma outra agremiação, o Club Iracema, com sede na Praça do FerreiraSua fundação ocorreu em 1884, “... por moços do commercio e funcionários da alfândega desta capital, com o fim de combater o exclusivismo reinante em o antigo club Cearense, que vangloriando-se de aristocratas, não admittia no seu seio aquelles elementos das, hoje em dia, tão acatados, entre seus pares.” (Revista Ba-ta-clan, 8 de julho de 1926)

 
Clube dos Diários

Mesmo sendo hostilizados pela aristocracia, os grandes comerciantes cresciam economicamente, no início do século XX, tornando-se um forte grupo. Apesar de ter sido criado como forma de se opor ao exclusivismo” do Clube Cearense, o Club Iracema era um local de acesso restrito, ao passo que seus sócios eram compostos basicamente por grupos ligados ao comércio e a alfândega. Os outros clubes que surgiram foram: o Clube dos Diários, em 19 de março de 1913; o Maguari Esporte Clube, surgido em 1924, era uma agremiação inicialmente relacionada à prática do futebol tendo inclusive disputado o campeonato cearense. Posteriormente, na década de 1940, direcionou suas atividades exclusivamente para o setor social. 

O Náutico ainda na praia Formosa (1929 - Arquivo Nirez) e no luxuoso prédio da Praia do Meireles

No ano de 1924, é fundada mais uma agremiação o Country Club que veio a ser inaugurado para congregar, sobretudo, os integrantes da colônia inglesa que residiam na capital cearense. Ao final da década de 1920, foi inaugurado mais um clube, era o Náutico Atlético Cearense fundado por jovens ligados a setores do comercio. Localizado inicialmente na Praia Formosa, tal agremiação na década de 1940 foi transferida para o bairro do Meireles onde um novo e luxuoso prédio foi erguido. 
Nas décadas seguintes, outras agremiações surgiram na capital cearense demostrando que o lazer privado em clubes não se limitou aos primeiros decênios  do século XX.

Leia também:


¹Inicialmente este clube ficou localizado na Rua Senador Pompeu e posteriormente, em 1872, 
transferiu-se para um prédio no Passeio Público. Este clube desapareceu no final do século XIX. 

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Fonte: Nas telas da cidade: salas de cinema e vida urbana 
na Fortaleza dos anos de 1920 - Márcio Inácio da Silva  e Arquivo Nirez

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Espaços da elite na capital cearense


Até a segunda metade do século XIX, a cidade de Fortaleza passava por uma evolução urbana lenta. Nesse período, Fortaleza estava vivenciando um processo de urbanização ainda incipiente, pois o próprio espaço considerado urbano era restrito à determinada área da cidade, correspondente, hoje, às ruas próximas à Praça do Ferreira e ao Forte de Nossa Senhora da Assunção. A ação da administração pública visava modificar a disposição espacial da cidade, dando-lhe um ordenamento que se pautava nos discursos e práticas vigentes na Europa e que se difundiam no Brasil com o advento da República a partir do Rio de Janeiro, Capital Federal, e a ascensão de uma classe média que se aburguesava nos padrões da burguesia do velho continente. No final do século XIX, a capital cearense tinha em torno de cinco quilômetros, possuía 34 ruas no sentido norte –
sul e 27 no sentido leste – oeste, 3 boulevards e 15 praças. Nas primeiras décadas do século XX, Fortaleza sofreu um crescimento espacial, mas ainda carecia de uma moderna estrutura urbana. 


No século XIX, a capital cearense sofre intervenções no seu traçado urbano. Em um primeiro momento, no ano de 1818, quando o urbanista Silva Paulet projeta a planta de Fortaleza em formato xadrez, e em um segundo momento, no ano de 1875, por Adolfo Hebster, que deu continuidade ao projeto, finalizando a “Planta Topográfica de Fortaleza” que tinha por finalidade disciplinar a expansão urbana e racionalizar os espaços da cidade, eliminando becos e vielas:

Para os que precisam se esconder, ocultar seus males sociais, ou para os que ousam segredar terríveis verdades, o labirinto é a forma perfeita da cidade. Para aqueles que em vigília tem o dever de perscrutar o escuro das vielas em busca de maus pagadores, de deficientes sociais, ou mesmo de revolucionários, e que se põem a auscultar as conversas 
da taverna, o bulício das ruas, o leva – e – traz  da falação da arraia 
miúda e o veludo dos segredos da revolução; a reta, o plano, a 
iluminação direta, a transparência, é a cidade querida.
PECHMAN, Robert Moses



As transformações urbanas, sobretudo na segunda metade do século XIX, demostram que a cidade de Fortaleza passa a se destacar como importante centro urbano. É nesse período que ocorre a Guerra de Secessão Norte - Americana (1861-1865), momento em que a necessidade de abastecer o mercado europeu favoreceu a expansão da cultura do algodão no interior cearense. Com o crescimento da produção algodoeira e a comercialização de tal produto no mercado europeu, a cidade de Fortaleza assume a hegemonia político–econômica da província, destacando-se entre as demais cidades importantes do Ceará, como CratoAracati, Sobral e Icó. A construção da Estrada de Ferro Fortaleza – Baturité, em 1873, e a expansão do porto, local de partida do algodão exportado para a Europa, favoreceram a consolidação de Fortaleza como principal centro econômico e social do Ceará.

O crescimento populacional de Fortaleza na passagem do século XIX para o século XX, pode ser explicado pelo seu histórico de imigrações. No período de secas prolongadas como as de 1877, 1889, 1900 e 1915, uma imensa quantidade de sertanejos deslocou-se do interior para a capital, vitimados pela fome, muitas vezes não conseguindo chegar a Fortaleza devido a longa caminhada. Muitos ficaram na capital cearense, não retornando para os seus locais de origem, tornando-se mendigos, vadios, meninos de rua, prostitutas e, junto aos pobres que a cidade já possuía, aumentavam o número de miseráveis em Fortaleza. 

O tecido social de Fortaleza era formado por esses pobres e mendigos, um reduzido grupo de comerciantes e industriais, além de profissionais liberais e intelectuais. 
A elite, composta pelos comerciantes, industriais, profissionais liberais e intelectuais compunha o restrito grupo social privilegiado que procurava se diferenciar da chamada “ralé”, terminologia utilizada na época para definir os pobres. À medida em que as classes privilegiadas se auto-legitimavam pelo status social e poder aquisitivo, promoviam uma forte divisão entre os grupos sociais, transformando os espaços de convivência. 

Praça Gustavo Barroso (do Liceu). No lugar dessas duas casas do centro, hoje tem um bloco de apartamentos, a rua à esquerda é a Avenida Filomeno Gomes. Foto do início da década de 40 - Arquivo Nirez

A elite, inicialmente, residia no centro da cidade, em casas próximas do comércio e de áreas de lazer, restando para os indigentes se instalarem nos arrabaldes da cidade, em áreas como o Outeiro e o Arraial Moura BrasilContudo, buscando-se posicionar enquanto grupo hegemônico, a elite utilizava estratégias de diferenciação social nos espaços de convivência da cidade. Por isso, aos poucos,  ocorre um lento afastamento da moradia desse grupo do centro da cidade para áreas nos arredores como o bairro do Jacarecanga, que se torna um dos primeiros bairros residências da elite e que passa a ser mais um elemento de diferenciação social desta, no início do século XX: 

Belíssimo casarão na Avenida Filomeno Gomes (Jacarecanga). Pertencia a Meton de Alencar Gadelha
Arquivo Nirez

Palacete localizado na Avenida Francisco Sá, esquina da Praça do Liceu. Era a residência da 
família Morais Correia - Arquivo Nirez

As áreas escolhidas por essa elite eram preferencialmente as que hoje correspondem os bairros de Jacarecanga e Benfica. No Jacarecanga, podíamos encontrar, mesmo que de forma não muito adensada, residências edificadas à feição de palacetes, segundo os ditames do ecletismo, tão em voga no começo dos anos 1900. Tais edificações se concentravam principalmente nos arredores da Praça Fernandes Vieira (Praça do Liceu). 
No Benfica, detectava-se a existência de chácaras esparsadas, ao longo da hoje Avenida da Universidade Avenida João Pessoa, assim como na área do atual bairro Joaquim Távora
Algumas casas apalacetadas também surgiram na região do Alagadiço, hoje correspondente à Avenida Bezerra de Menezes. Os bairros que se afirmaram 
como preferidos pelas elites, em começos do século XX, eram os que se desenvolveram ao longo dos caminhos originais que ligavam Fortaleza a outros pontos:  Jacarecanga - estrada para Vila Velha, Benfica - estrada de ParangabaAlagadiço - estrada de Soure e Joaquim Távora - estrada de Messejana.
O deslocamento das classes abastadas pode ser reflexo do temor causado pela multidão de retirantes que invadem Fortaleza durante a seca de 1915, além da revolta urbana de 1912, ocorrida durante o governo de Nogueira Accioly.
A ocupação de Jacarecanga, a partir dos anos de 1920, configura “... o surgimento dos primeiros bairros elegantes da Capital, delineando com maior visibilidade os novos espaços burgueses e reforçando a segregação sócio – espacial entre ricos e pobres na cidade”.
No entanto, isso não quer dizer que o centro foi despovoado pela elite, pois, mesmo com o deslocamento residencial era nele que estavam localizados os principais espaços de trabalho, lazer e encontros da elite como as lojas, os cafés, o Teatro José de Alencar, as praças, os clubes, o Passeio Público e as salas de exibição cinematográfica. 

Passeio Público do Álbum Vista do Ceará 1908

Alguns desses espaços de lazer nos anos de 1920, em Fortaleza, podem ser compreendidos como ambiente de diferenciação social. A estrutura social de Fortaleza era bastante marcada pela “segregação” social na década de 1920. Os locais de diversão eram frequentados  de acordo com o poder aquisitivo, e mesmo em locais públicos havia espaços de diferenciação social.  Para compreendermos o lugar do cinema na cidade e a elitização deste espaço, analisamos o Passeio Público e os clubes que eram locais frequentados pela elite que, sobretudo a partir da década de 1920, tornou-se público das salas de exibição cinematográfica de Fortaleza. 


Fonte: Nas telas da cidade: salas de cinema e vida urbana 
na Fortaleza dos anos de 1920 - Márcio Inácio da Silva  e Arquivo Nirez

segunda-feira, 30 de julho de 2012

O cinema e a cidade


No início, os filmes foram exibidos como curiosidades ou peças de entreato nos intervalos de apresentações ao vivo em circos, feiras ou carroças. Essa forma de difusão permaneceria viva em zonas suburbanas ou rurais. Nos grandes centros urbanos dos países industrializados, porém, a exibição de filmes muito cedo se concentrou em casas de espetáculos de variedades, nas quais se podia também comer, beber e dançar, conhecidas como music - halls na Inglaterra, café - concerts na França e vaudevilles ou smoking concerts nos Estados Unidos. O cinema era então uma das atrações entre as outras tantas oferecidas pelos vaudevilles, mas nunca uma atração exclusiva, nem mesmo a principal. A própria duração dos filmes que era de alguns segundos e não mais do que cinco minutos, impedia que se pensasse em sessões exclusivas de cinema nos primeiros anos de cinematógrafo. O preço cobrado pelo ingresso não podia funcionar como mecanismo de seleção do público, pois era ainda muito baixo e coincida de ser o mesmo dos vaudevilles. No período que vai de 1895, data das primeiras exibições públicas do cinematógrafo dos Lumière, até meados da primeira década do século seguinte, os filmes que se faziam compreendiam registros dos próprios números de vaudeville, ou então gags de comicidade popular, contos de fadas, pornografia. Os catálogos dos produtores da época classificavam os filmes produzidos como "paisagens", "notícias", "tomadas de vaudeville", "incidentes", "quadros mágicos", "teasers" (eufemismo para designar a pornografia). 

COSTA, Flávia Cesarino. O primeiro cinema: espetáculo, narração, domesticação. 
São Paulo: Scritta, 1995 - (Coleção Clássica) e MACHADO, Arlindo. 
Pré-cinemas & pós-cinemas. Campinas, SP: Papirus, 1997 
(Coleção Campo Imagético). 


Em Fortaleza a presença de exibidores ambulantes começa a ocorrer nos últimos anos do 
século XIX se estendo até o início do século XX. As exibições ocorriam em salas adaptadas, 
teatrinhos, na Praça do Ferreira, no Passeio público ou em ruas do centro da cidade como a Rua Formosa (atual Barão do Rio Branco) e a Rua Major Facundo. Algumas exibições eram parte integrante da programação de circos e até o ano de  1908 a exibição não ocorria em espaços exclusivos para o cinema.

Com relação ao cinema, este, em sua origem, era um lazer barato, um divertimento popular, sendo os filmes exibidos em locais como circos, feiras e sendo parte de um espetáculo de variedades. O seu público era composto principalmente por pessoas pobres, “iletradas” e do sexo masculino. Posteriormente, com a sua maior autonomia e crescimento, a exibição cinematográfica deixa de ser uma atividade de exibidores ambulantes para se fixar em salas.

No Brasil, a primeira sessão cinematográfica teria ocorrido na Rua do Ouvidor, número 57, no dia 8 de julho de 1896, na então Capital Federal, a cidade do Rio de Janeiro. As projeções itinerantes existentes nesse período foram levadas a algumas cidades brasileiras, dentre elas, Fortaleza. Tais exibições eram compostas de vistas em movimento, as quais eram feitas geralmente em locais públicos, como cafés, parques de diversão, circos e quermesses. Estas fitas eram geralmente mais uma atração com animais adestrados, como macacos, cães, cobras, acrobatas, jogos, mulheres barbadas e prestidigitadores.

Em 1897, seria inaugurada a primeira sala fixa de exibição cinematográfica no Brasil. Tal inauguração ocorreu no Rio de Janeiro na Rua do Ouvidor, número 141, sendo esta sala denominada inicialmente por “Salão de Novidades” e, posteriormente, vindo a ser chamada “ Salão Paris no Rio,” sendo de propriedade de Paschoal Segreto e Cunha Sales.

A cidade do Rio de Janeiro foi pioneira na atividade de exibição cinematográfica e no desenvolvimento de uma série de atividades relacionadas ao meio cinematográfico: Pode-se afirmar que a atividade cinematográfica no Brasil teve seu inicio no Rio de Janeiro; não apenas porque na então capital federal foram feitas as primeiras exibições e rodadas as primeiras imagens em películas, mas sim pelo fato dessas ações terem se desenrolado no tempo de maneira contínua e crescente. No rastro dessas atividades surgiram laboratórios e ateliês, textos na imprensa sobre o assunto, empresas representantes de equipamentos cinematográficos, homens dispostos a investir, salas fixas de exibição e técnicos que adquiriam formação e experiência.


A transformação física destes espaços destinados à exibição cinematográfica, assim como, a feitura de novos filmes, foram fundamentais para que um novo público adotasse o cinema como lazer. Famílias, crianças e mulheres, no caso, da elite, adotaram tal espaço, onde até sessões especificas eram destinadas a este novo público.

Rua Barão do Rio Branco, onde em 1909, Henrique Mesiano inaugurou o Cine Rio Branco. A foto é de um ano depois da inauguração - Arquivo Nirez

Em Fortaleza, no ano de 1915, em um anúncio, do “Cine Rio Branco”, pertencente a Henrique Mesiano, esta sala se intitulava como a preferida pelas famílias. O seu público era composto por cavalheiros que pagavam $800 pelo ingresso, senhoras que pagavam $500, menores $400 e o público da geral que também desembolsava $400. Percebemos a valorização de um público “respeitável” onde a presença de cavalheiros, senhoras e crianças da elite comercial da capital cearense, demostra que o cinema possuía um significado diferente de outrora, no caso, do final do século XIX, quando no âmbito mundial, ou mais
precisamente na Europa, as exibições eram realizadas nas periferias, próximos aos cordões industriais, onde a diversão suspeita misturava-se facilmente com a prostituição e a marginalidade. Nesses lugares, o cinematógrafo nasceu e tomou força durante os seus 10 ou 20 primeiros anos.

Em 1915,  o filme que seria exibido no “Cine Rio Branco”, era uma fita policial da 
Aquila – films intitulada Bastarda, dividida em quatro partes. Quando foi exibido este
filme, foi exatamente a data em que o cinema, no âmbito mundial, passou por uma profunda mudança na feitura filmica e nas práticas de exibição cinematográfica como um todo com as inovações realizadas por David Wark Griffith
Vale ressaltar que neste mesmo ano foi que Luiz Severiano Ribeiro entrou na atividade cinematográfica com a inauguração do “Cine Riche”. 

Severiano Ribeiro arrenda o local do Café Riche, realizando projeções diárias em horários sincronizados com o Café. Logo em seguida, decide fechar o café e abrir no local um cinema com o mesmo nome. O cine Riche, uma sociedade com o também empresário Alfredo Salgado, é inaugurado em dezembro de 1915. Ficava na Rua Guilherme Rocha

Nos Estados Unidos, o cinema constituía-se em um entretenimento de alcance popular, mesmo quando passou a ser considerado uma arte. O cinema tornou-se uma importantíssima atividade econômica após a Primeira Guerra Mundial com a consolidação da indústria norte-americana montada no tripé produção, distribuição, exibição e o declínio da produção cinematográfica européia.
No Brasil, apesar da diferença econômica e social se comparado aos Estados Unidos, algumas tendências foram reproduzidas, no que concerne às práticas de exibição cinematográfica. No caso, o tamanho e o estilo das salas, necessidade imposta pelas próprias companhias que aqui instalaram suas filiais nos anos de 1920.
No Rio de Janeiro, as salas passaram por um processo de enobrecimento de forma mais intensificada a partir de 1924, com a construção do Quarteirão Serrador. No ano seguinte, o mesmo ocorreria em São Paulo:
A evolução da sala de espetáculo cinematográfico brasileira se dá em estreita correlação com as transformações do produto fílmico importado. Surge em função dele e se adapta estruturalmente às suas características técnicas mais salientes. Ainda assim traveste-se aqui e ali de influências locais, seja na arquitetura, seja nas práticas e costumes engendrados em seu interior.


 
O Cine Majestic em 1918 - Acervo de Roberta Freitas

Na capital cearense, o Cine-Theatro Majestic Palace e o Cine Moderno são exemplos de salas luxuosas, uma tendência mundial, adotada aqui por Luiz Severiano Ribeiro visando atender a elite que frequentava os Clubes e o Passeio Público. Estas salas ficavam localizadas na Praça do Ferreira, principal logradouro da cidade. 

Cine Moderno

A supracitada praça era um local que até a década de 1960 concentrava atividades como lazer e trabalho, sendo um ponto de referência urbana para os habitantes da cidade.
A partir dos anos de 1960, este local começou a perder sua hegemonia enquanto espaço de sociabilidade da população.
Quanto à posição de pólo de lazer, tinha de entrar em concorrência com os clubes praianos, com a recém aberta Avenida Beira-Mar, com as próprias praias, a partir de então frequentadas em massa pelas novas gerações: a condição de tribuna política se esvaziara com a mudança das sedes do poder; quanto aos transportes urbanos, ia perdendo gradativamente a situação de centro distribuidor, com a remoção dos terminais para as praças periféricas, mais distantes, de maiores dimensões e contíguas às vias de saída do centro; o horário
noturno sofria também a interferência da televisão...

Praça do Ferreira, vendo-se o Cine teatro Majestic Palace inaugurado em 1917


Ao longo da existência desse logradouro, várias denominações lhe foram dadas: Feira Nova, Largo das Trincheiras, Pedro II, Praça do Ferreira, Municipal e novamente Praça do Ferreira, permanecendo com esta denominação até os dias de hoje.
  
A denominação de “Praça do Ferreira” é em homenagem ao boticário Antônio Rodrigues Ferreira Filho que exerceu cargos políticos de 1842 a 1859 na capital cearense sendo, vereador e Presidente da Municipalidade (Intendente), vindo a falecer em 1859. 
Quando da gestão do Intendente Cel. Guilherme César Rocha, em 1902, a praça foi arborizada e nela foi construído o Jardim 7 de Setembro, que era cercado por grades. Além do seu aspecto físico, a praça era ponto de encontro de intelectuais que circulavam pelos “cafés” (quiosques edificados com madeira) instalados neste logradouro, caso do Café Java e do Café do Comércio, dentre outros que compunham as edificações deste espaço.

Além das salas de exibição cinematográfica, havia uma variada atividade comercial composta por armazéns de estivas, cereais e miudezas, lojas de secos e molhados, lojas de calçados, alfaiatarias, joalherias, tabacarias, casas de fumo, leiteria, restaurantes e cafés. A partir de um mapeamento feito ao longo da década de 1920 identificamos a seguinte composição comercial existente na Praça do Ferreira:

Restaurantes E Cafés 
Restaurante Guerreiro de J. Guerreiro, nº 32
A Gruta de Theophilo Cordeiro, nº 184
Art-Nouveau de Pedro Eugênio & Cia
Café Riche de Jucá & Ramon
Café Avenida de Ellery & Cia
Ponto Chic, nº 42
Café do Commércio, nº 50
Café Iracema de Ludgero Garcia, nº 52.

Lojas de Modas e Confecções 
Estrela do Oriente de V. Soares & Cia
Crysanthemo de M. Guil. me & Irmão, nº 95
Empório da Moda, nº 181/183
Paulo Caminha, nº 197
Sultana de C. Codes, nº 42
Anthero Coelho de Arruda, nº 44

Armazéns de Estivas, Cereais e Miudezas
Loureiro & Cia, nº 181
Luiz Perdigão Bastos, nº 183
V. Castro, nº 187
J. de Oliveira, nº 193
M.C. de Oliveira, n° 205
Leitão e Silva, nº 207-209
Vasconcelos & Cia J. Leopoldino da Silva, nº 199

Além dos supracitados estabelecimentos, também havia na Praça do Ferreira: Salões de Bilhar, Cine “Majestic Palace” de Severiano Ribeiro, nº 204; “Polytheama” de Juvencio Brito, nº 204, Molduras de A. Medeiros, nº 36, Ateliers de Costuras e Confecções de Chapéus: “A Formosa Cearense” sob a direção de D. Maria Celina Sisnando Costa e D. Esther Moreira, nº 205, Ateliers de Retratos a Crayon e a Óleo: “J. Ribeiro” - Diploma de Honra, nº 220, Casas de Fumos: Rua Agostinho, nº 38, Tabacarias: “Polytheama” de J. Bezerra Netto; Theophilo Cordeiro (A Gruta), nº 180; Castello (Café do Commércio) ,nº 48, Alfaiatarias: “Amancio” de V. Amancio Cavalcante, nº 34; “Guimarães” de Alfredo Guimarães, nº32, Livrarias e Papelarias: “Americana” de Souza, Gentil & Cia, nº 186, Lojas de Louças, Vidros e Miudezas: SOUZA, Gentil & Cia, nº 188; Almeida & Cia, nº212, Loja de Ferragens: J. Patrício & Cia, nº 201, Casas 
Exportadoras e Importadoras: J. Lopes & Cia, nº 50, Farmácias e Farmacêuticos: “Pasteur” de Eduardo Bezerra & Cia, nº202; “Galeno” de Joaquim Studart da Fonseca, nº214; “Normal” de Jaime Studart, nº 222.

 

Percebemos que a Praça do Ferreira era um espaço de consumo e serviços o que favorecia a presença de um grande número de pessoas. Isso demostra o quanto era significativo possuir uma sala de cinema neste conceituado logradouro repleto de atividades comerciais.
A presença dos salões de bilhar do Majestic Palace e do Polytheama demostram que, além da sala de exibição cinematográfica, o público tinha a opção de frequentar também estes outros estabelecimentos de diversão e sociabilidade. Ao contrário das salas de cinema que eram frequentadas pelo público de ambos os sexos, os salões de bilhar eram espaços eminentemente masculinos. A presença feminina no espaço público era algo ainda bastante acanhado no início do século XX.
As salas de exibição cinematográfica existentes na “Praça do Ferreira”, nos anos de 1920, ficavam localizadas à rua Major Facundo, formando uma espécie de “quarteirão do cinema¹.
Vale ressaltar que, antes mesmo desta década, a Praça do Ferreira já era o espaço por excelência das salas de cinema. A primeira sala de exibição cinematográfica fixa de Fortaleza, o Cine DiMaio, inaugurado em 1908, pelo italiano Vitor DiMaio, localizava-se neste logradouro. No entanto, de 1908 até 1917, possuir uma sala de exibição cinematográfica na Praça do Ferreira era um privilegio de poucos. No decênio seguinte, apenas Luiz Severiano Ribeiro possuía salas de cinema na Praça do Ferreira, as demais ficavam localizadas em outros pontos da cidade. 
Existia três tipos de salas de exibição cinematográfica existentes nesse período: as salas
comerciais, as de associações leigas e as paroquiais, ligadas à Igreja Católica ou a associações religiosas:


•Comerciais: Cine-Theatro Majestic Palace, Cine Moderno e Cine Polytheama
• Associações leigas: Cine Centro, Cine Dramático Familiar, Cine Recreio Iracema, Cine MerceeirosCine Phenix;
• Paroquiais: Cinema São José, Cinema Pio X, Cinema União dos Moços Católicos, Cine Paroquial.

Na Praça Cristo Redentor ficava localizado o Cinema São José pertencente ao “Circulo de Operários e Trabalhadores Católicos São José”. Esta associação mantinha uma escola noturna para sócios e crianças pobres, além de possuir uma orquestra com vinte e três músicos. O Cinema São José foi inaugurado em 1917, tendo funcionado até 1941. Possuía 1088 lugares, o mesmo número do Cine-Theatro Majestic Palace. Atualmente o prédio abriga o “Teatro São José”.
Na Avenida Duque de Caxias, esquina com rua Barão de Aratanha, ao lado do Convento dos Capuchinhos foi inaugurado em 1923, o Cinema Pio X, pertencente à Ordem dos Capuchinhos.
Ainda na Avenida Duque de Caxias, mas agora esquina com Avenida Tristão Gonçalves, ficava localizado o Cine Centro, pertencente ao Centro Artístico Cearense, uma sociedade constituída a sete de novembro de 1926. O Cine Centro possuía trezentos lugares tendo como público associados e moradores das proximidades.
Na Rua Barão do Rio Branco, nº 1.826, ficava localizado o Cinema União dos Moços Católicos, que foi inaugurado em 1927. Esta sala de exibição cinematográfica foi instalada em um prédio construído pelo Centro Cívico Epitácio Pessoa

Por iniciativa do Centro Cívico Epitácio Pessoa, a cidade ganhara no dia 27 de junho de 1923, um imponente prédio, á rua Barão do Rio Branco, 1826, que serviria de sede ao Instituto Epitácio Pessoa. Doado à Arquidiocese de Fortaleza, destinou-se ao desenvolvimento de cursos e atividades voltadas à instrução popular.
O prédio sediaria também à organização sócio-religiosa União dos Moços Católicos, que dentre suas inúmeras atividades decidiu pela manutenção de um cinema. Sua programação notadamente popular, de filmes mudos, tem como primeiro registro na imprensa, no dia 4 de dezembro de 1927, a exibição “Fama e Fortuna” ( Fame and Fortune; Fox Film Corp., 1918, 5 rolos, direção de Lynn F. Reynolds, apresentação William Fox, estória de Charles Alden Seltzer, cenário de Bennett R. Cole, com Tom Mix, Kathleen O’Connor, George Nicholis, Charles McHugh, Annette DeFoe, Val Paul, Jack Dill, E. N. Wallock e Clarence Burton).

No ano de 1928 são inauguradas duas salas de exibição cinematográfica, o Cine Dramático Familiar e o Cine Recreio Iracema. A primeira, ficava no prédio do Grêmio Dramático Familiar que havia sido criado pelo teatrólogo cearense Carlos Câmara, em 1918. Tal sala estava localizada no Boulevard Joaquim Távora nº 2.046. A segunda sala, o Cine Recreio Iracema, ficava localizada no Boulevard Visconde de Cauipe, nº1.023, no ponto final da linha do bonde do Benfica. Na década de 1930 tal sala passou a ser conhecida também como Cine Benfica em alusão ao bairro que leva o mesmo nome. 

Cine Benfica, em frente ao Dispensário dos Pobres do Sagrado Coração 
Acervo Ivan Gondim

No ano de 1930 três salas são inauguradas, o Cine Paroquial, o Cine Merceeiros e o Cine Phenix. A Associação Phênix Caixeiral, fundada em 1891, ficava localizada à Rua Municipal (atual Rua Guilherme Rocha) esquina da Rua 24 de maio. Esta associação atuava sobretudo na área educacional e de assistência aos trabalhadores do comércio e aos seus filhos. O seu palacete comportava a sala de exibição cinematográfica e a Escola Fênix Caixeiral.
Com relação ao Cine Merceeiros esta sala de exibição cinematográfica também pertencia a uma associação ligada ao comércio. Era a “Associação dos Merceeiros” que foi fundada em 1914, vindo a inaugurar sua sala de cinema em 1º de novembro de 1930. Esta sala ficava à Rua Major Facundo, esquina com Clarindo de Queirós, na Praça do Carmo.
O Cine Paroquial, inaugurado em seis de setembro de 1930, estava localizado na Rua Coronel Ferraz, ao lado da Igreja Pequeno Grande e próximo à Escola Normal.

Na década de 1920, todas estas salas adquiriam as fitas para projeção em uma única empresa, a de Luiz Severiano Ribeiro que neste decênio tornou-se o nome mais forte da atividade de exibição e distribuição cinematográfica local expandindo seu poderio para o restante do país.



¹As salas que ficavam neste quarteirão eram as seguintes: Cine-Theatro Majestic Palace, Cine Moderno e Cine Polytheama. Com relação ao “Cine Moderno”, o memorialista Edigar de Alencar afirma: “ à sua última sessão, de domingo, acorria toda a sociedade de Fortaleza, que antes espairecia na retreta do Passeio Público. Antes das nove horas, o mundo elegante abandonava o velho logradouro e desembocava pela rua Major Facundo, desfilando pelas inúmeras rodas da calçada das residências dos sírios rumo ao Moderno”. ALENCAR, Edigar de. Fortaleza de ontem e anteontem. Fortaleza: Edições UFC; Prefeitura Municipal de Fortaleza, 1980, p.47.

Fonte: Nas telas da cidade: salas de cinema e vida urbana 
na Fortaleza dos anos de 1920 - Márcio Inácio da Silva  e Arquivo Nirez

sábado, 28 de julho de 2012

Cine Nazaré - Uma demonstração de amor pelo cinema...Parte III



A paixão pela sétima arte levou um aposentado cearense a reabrir as portas de um dos cinemas de bairro mais tradicionais da cidade


O que as novas gerações não sabem é que o cinema é uma antiga paixão do aposentado. Em 1949, seu Vavá, como é conhecido no bairro, tornou-se carregador de filme do Cine Familiar, que pertencia à Paróquia de Nossa Senhora das Dores (Otávio Bonfim). Ficaria na empresa até 1968, assumindo outras funções - de revisor até gerente geral. Ao longo dos anos, entre um filme e outro, seu Vavá desenvolveu uma grande paixão pela sétima arte, que continua acesa até os dias de hoje.


A motivação para reabrir o Cine Nazaré, portanto, foi mais romântica do que comercial, o que remete ao Totó do filme “Cinema Paradiso”, de Giuseppe Tonartore. Boa parte da vida de seu Vavá foi passada dentro de um cinema. “Sempre me senti em casa vendo aqueles filmes.” Depois de deixar o Cine Familiar - a sala fechou -, seu Vavá aproveitou a experiência para montar cinemas em outras cidades do Ceará, entre eles o Cine Ideal, em Juazeiro do Norte, no final dos anos 60. Mas, em 1970, resolveu tocar seu próprio negócio, alugando o prédio do antigo Cine Nazaré - funcionou de 1945 a 1952 -, transformando o espaço em uma nova sala, que recebeu o nome do antigo cinema.



Ao mesmo tempo que tocava o Cine Nazaré, seu Vavá arrendou outras salas no Interior do Estado. “Meus filmes faziam o circuito Fortaleza, Sobral, Crateús, Aracati e Russas”, recorda. Esta rotina durou três anos. Em 1973, seu Vavá teve que fechar o Cine Nazaré e sair do ramo. Anos difíceis para os cinemas de bairro e de pequenas cidades. “A legislação federal da época beneficiava só os grandes exibidores. As exigências eram absurdas e a perseguição intensa. A Polícia Federal vivia na porta do meu cinema, vigiando tudo, até as fotos dos cartazes. As pessoas temiam ser presas”, diz.


Foi o golpe de misericórdia nos cinemas de bairro. De uma em uma, as pequenas salas foram fechando suas portas. Tinham ficado para trás os anos dourados de pequenos cinemas como o Ideal (Damas), o Familiar (Otávio Bonfim), o Mucuripe (Beira-Mar), o Odeon (Otávio Bonfim) e o América (Jardim América). “A gente chegou a ter uns 15 cinemas de bairros, fora os luxuosos, como o Moderno, o Majestic. E todos os dias com um filme diferente. Era assim...”, relembra.


Délio Rocha

Depois de andar por alguns quarteirões, chegamos a uma rua de pedras, onde encontramos uma casa rosa de dois andares. Quando apertamos o botão para acionar o interfone, percebemos algo incomum no lugar onde se coloca as correspondências. 
Não havia só o lugar para as cartas. Além da porta para as cartas, havia também duas portinhas. Em uma estava escrito pão e na outra leite.


Logo em seguida escutamos uma voz mansa ao interfone, do senhor que mesmo após uma operação de catarata, nos recebeu para uma entrevista. 
Perguntava: É a Natália? E eu respondi que sim. Logo em seguida com uma risada calma, seu Vavá perguntou se o “batalhão” tinha vindo também. 
O senhor simpático de 81 anos, já com a cabeça repleta de cabelos brancos veio abrir a porta nos cumprimentando e pedindo-nos para entrar. Entramos todos. Eu, Renata, Georges, Soraya e Julianna.


Ao chegar na sala da casa que assim como as casas antigas, tem um imenso vão, encontrei muitos objetos antigos - o rádio, os porta-retratos - coisas que lembram o passado.
A partir daí nos sentamos e começamos uma conversa que durou por volta de duas horas, onde seu Raimundo Getúlio Vargas Carneiro de Araújo  nos contou histórias sobre cinema, religião, família, ditadura, conflitos e armações de gente poderosa. A história do Cine Nazaré é contada como uma história de vida, que durou anos e vive até hoje através da paixão pelo cinema.


Seu Vavá, morador do bairro Otávio Bonfim, fez da paixão pelo cinema, a sua vida.
Desde muito novo despertou uma imensa satisfação pelo cinema, que surgiu ainda quando criança ao assistir filmes de faroeste onde o bem sempre triunfava sobre o mal. “O heroísmo do mocinho dominar o bandido que estava errado, aquilo me deu simpatia de ver. Também o heroísmo dos animais, o Rin Tin Tin, o Cavalo Silver, quando o artista estava em alto perigo ele assobiava e o cavalo vinha em socorro dele, tirava as cordas que estavam o amarrando. Aquilo para o espectador e principalmente para a criança, que queria ver o herói triunfar… me deu cada dia mais afeto em ver o cinema”, diz.


Desde essa época aproximou-se cada vez mais do cinema, e para isso valia de tudo. Mesmo sem dinheiro para o ingresso, entrava escondido para ficar assistindo das brexas, ou em alguns cinemas, do palco, onde dava para se esconder.


Durante a juventude, a paixão pelo cinema continuou a crescer, e então surgiu a oportunidade de trabalhar em alguns cinemas, como o Cine Familiar dos frades, e por lá confrontou até Luís Severiano Ribeiro, dono de mais de 80 cinemas, dominava um verdadeiro monopólio em todo o país.
Seu Vavá conta que quem trabalhava para o Ribeiro tinha cinema, quem não trabalhava, não tinha.


Nessa época, o Cine Familiar ficou independente, e passou a exibir filmes que seu Vavá se encarregava de conseguir até mesmo com os empregados do Ribeiro por uma quantia de 50 reais. “Eles sempre liberavam”, diz.
O Cine Nazaré foi adquirido depois que perdeu o emprego no Cine Familiar dos frades, onde trabalhava. Sem saber fazer outra coisa, acabou alugando o prédio onde hoje funciona o Cine, que passou a ser seu próprio cinema. 
A montagem do Cine foi rápida. Já tinha a máquina de rodar o filme, que foi comprada em uma de suas viajens ao interior, as cadeiras foram adquiridas do Cine São Luís, quando a Eva ligou oferecendo-as por uma quantia que seria sugerida por seu Vavá. Depois de um tempo descobriu que o Cine São Luís precisava ser desocupado, e eles gastariam milhões para levar todas aquelas cadeiras para o Lixão. “Eu acabei fazendo um favor para ela”, conta. O grande acervo de filmes que tem, foi doado por vários colegas como o Nirez para quem presta serviços como conserto de discos.
Na época do Regime Militar, com o Cine Nazaré enfrentou a censura da polícia federal dentro do seu cinema, revistando seus filmes e fotografias. Essa época, segundo seu Vavá, foi um tempo difícil para o cinema no Brasil, onde houve uma desestruturação, e o cinema que não sofria com nenhuma burocracia, começou a entrar em crise.



Os filmes tinham que passar pela polícia, para ter aprovação do Estado para poder ser colocado em cartaz. Seu Vavá conta, que a sensação que sentia, era a mesma que ele via nos filmes sendo vivida pelos judeus na Alemanha, de Hitler, quando eles iam receber o visto para poder sair do País.
Hoje, o Cine Nazaré vive outra realidade.
Seu Vavá, exibe sessões de filmes antigos de faroeste, bíblicos e romances, as quartas-feiras, às 17 e 19 horas, sábados e domingos, às 19 horas.


As sessões costumam ter um número de 75 pessoas, sucesso atribuído ao nome dos filmes exibidos, que apesar de antigos, são muito bons de rever, segundo seu Vavá, que exibe filmes mais antigos, pois precisa ter os direitos comprado desses filmes.
Apesar de ser um cinema feito para a comunidade, o Cine Nazaré tem contado com a presença de pessoas de todas as partes da cidade, de variadas idades, e diferentes classes sociais. Pessoas mais humildes e com mais dinheiro, demonstrando uma preferência pelos mais idosos, que são mais calmos, e segundo ele, respeitam o cinema, sabem aproveitar o lugar. Já as crianças, os mais jovens, são muito bagunceiros, e chegam até mesmo a estragar as cadeiras e jogar lixo no chão.
Diferentemente dos cinemas dos shoppings, no Cine Nazaré o preço da sessão tem um valor simbólico, que chega a ser espontâneo. Existe uma urna na entrada da sala, e as pessoas passam e depositam alguma quantia de dinheiro. Uns mais, e outros menos. Seu Vavá diz que dificilmente alguém entra sem colocar nada, até por ficar meio sem jeito. 
Segundo ele, o preço do cinema tem que ser bem mais barato do que se cobra. “R$ 7, R$ 8, é algo absurdo, o cinema deveria cobrar R$ 1, R$ 2, no máximo”, diz.


O cinema para seu Vavá, é um empreendimento, pois tira algum dinheiro para mantê-lo, mas é um valor que é necessário para manter a subsistência do cinema. Envolvido pela paixão, seu Vavá procura fazer seu cinema baseado nos seus ideais, naquilo que acredita ser de fato o cinema. Suas pretensões nunca passaram de fazer cinema com amor e com tudo aquilo que acredita, talvez esse, seja o grande segredo do sucesso do Cine Nazaré.


Natália Cristina Guerra

Fontes: Diário do Nordeste e Jornal O Estado

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