Fortaleza Nobre | Resgatando a Fortaleza antiga : Das antigas - Nos tempos do Café Wal-Can
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quinta-feira, 23 de junho de 2011

Das antigas - Nos tempos do Café Wal-Can



Nos bons tempos, como se diz, existia no centro de Fortaleza um estabelecimento do famoso Café Wal-Can que moia e torrava café na hora, além de servir cafezinhos deliciosos.

Contam que um cidadão muito rico e conceituado na cidade também gostava de tomar um cafezinho ao pé do balcão. Porém, apesar do asseio da casa, com a louça esterilizada em caldeirão fervendo e tudo, ainda tinha um certo nojo. Assim, tomava um cuidado especial. Ao invés de levar a xícara à boca do modo como todo mundo faz, pela direita, ele virava a alça para a esquerda levando-a pelo lado contrário.

Um dia, um cidadão cheio de perebas no rosto (provavelmente catapora ou rubéola) vendo o modo de tomar café daquele senhor aproximou-se dele e falou: “Que coincidência, o senhor toma café igualzinho a mim, eu também faço assim!...”. 


 Wal-Can in Memorian

Gif de chá e café     Gif de chá e café   Gif de chá e café   Gif de chá e café 

A última notícia que tive de seu Ananias dava conta de uma tragédia. Fim dos anos oitenta. Tinha sido atropelado por um trem. Em um trilho perto da estação do Couto Fernandes. Entre a José Bastos e a João Pessoa. Tava melado. Troviscado. Cambaleante. Pisada em oito. Ombro pesado e idade avançada. Não deu conta da aproximação do Sonho Azul ou Sanhaçu. O maquinista tocou o apito. Apitou. Pôs a cabeça do lado de fora. Esgoelou-se como um João Batista. Acenou com o braço esquerdo, o direito. As duas mãos... Esmurrou a máquina como se a bicha fosse uma mula. Berrou, urrou que perdeu a voz. Por meses...Tava feito. Dizem que só soube que tinha morrido quando chegou lá no outro lado. Sóbrio, morrendo zera tudo, perguntou pelo chapéu. Preto. De massa. Trouxeram um amarrotado. Estranhou, mas agradeceu.

O velho Ananias era o vendedor de água do Porangabussu. Rodolfo Teófilo e arredores. Água de beber e de cozinhar. Tomar banho, lavar louça e roupa, era com a cacimba. Mamãe era cabreira com a água. No mesmo quintal tinha uma fossa. Dia daqueles, King, vira-lata que o vizinho capou para engordar, pulou e se afogou no cacimbão. Tava doido. Foi a deixa para vovô lacrar com cimento a boca do poço. Menino não chegava perto. Os micróbios da Raiva e alma do pé-duro ainda estariam lá. Mamãe inventava. Passamos a usar a bomba d'água da vizinha. De favor.

Fortaleza tinha dessas histórias. Nem todo mundo tinha Cagece. Era coisa pra gente bem de vida. Poucos na Tavares Iracema e redondezas. Água encanada, torneira, pia e descarga de banheiro eram luxo. Chuveiro? Ah! Sonho. Em preto e branco, a propaganda das duchas Coronas enchia-nos a imaginação. E tome o jingle.

''Duchas coronas, um banho de alegria, num mundo de água quente...''. O desejo do chuveiro elétrico. Távamos lá, cantarolando com um caneco de ''aseia'' na mão. Tibungo na bacia de flandres ou na tina meio lodenta. Banho de cuia. Banheiro com combogós cheios de buchas. Servia pra esfregar o ceroto que ficava detrás da orelha ou no cotovelo. O cubículo ficava voltado para o oitão da casa. De ferrolho e porta sambada. Ralo afogado em espuma de Palmolive. Pés na havaiana. Mamãe brigava se fôssemos descalços.

Seu Ananias chegava. Madrugava na porta do quintal. Quase na hora que os galos tavam tecendo manhãs que cheiravam a café Walcan. Um jogando o grito pr'outro. Encadeado. De terreiro em terreiro. Licença Tiago de Melo. - Dia dona Marieta. - Hein? Vovó era meio moca. Moléstia na adolescência. - Tô dando bom diaaa. - Ah, pro senhor também. Perdão, cada dia escuto mais ruim. - Quantos baldes? Falava com as mãos afuniladas na boca. - Encha os dois potes, o filtro, a quartinha e aquelas vasilhas. O diabo do cachorro tá me dando prejuízo. Fazia o serviço em minutos. Tava acostumado. As latas grandes, com um pedaço de pau no meio, carregavam muitos litros. Baldes com a marca do querosene Jacaré.

Todo dia se repetia a arrumação. Vovó pagava na hora. Quando apertava, ficava pro fim do mês. Como na bodega, o nome dela ia pra caderneta. Data de vencimento somavam as parcelas. Dava tudo certo. Se atrasasse, pedia mais dias. Não se preocupasse. Antes do dia quinze quitava. Prometia e honrava. Tinha que continuar tendo crédito. Muito menino.

E lá se ia o carroceiro. Carroça barril. Água de chafariz. Torneira feita com câmara de ar. Mangueira de três palmos amarrada por liga. Lembrava os documentos de um jumento. O veim ia ali, caminhando do lado esquerdo do animal. Ainda era cedo, tava descansado. - Rumbora burra. Thô, thô, thô... Buurra. Pra apressar o passo, chicote. Lapada. Ficava puto olhando pelo basculante. Judiação. Parava em outra casa, noutra, mais outra, noutra e dobrava a esquina.

Fim do dia. Dezoito horas. Hora do morcegaral. Seu Ananias fazia o caminho de volta. Cansado, vinha sentado na tábua que ficava de frente pro fiofó da égua. Vez por outra se abanava com o chapéu e soprava pelo nariz. Tentava se livrar dos ventos que a burra dava. Era um aviso. Depois dali, levantaria a calda. Tome bosta no calçamento. Um relógio. Se a chuva não lavasse, o sol se responsabilizava de transformar em estrume. - Oh, burra nojenta! Vai burra. Cutucava e iam.

Isso era em 74, 75...78. Digo isto porque em 1979 já tínhamos nos mudado para uma casa na José Bastos. Casa de conjunto. Espaçosa. Financiada pelo Bradesco. Armadilha. Nesta tinha água encanada. Menos um na freguesia de seu Ananias. Evoluímos. No banheiro-suíte tinha até bidê. Manca! Ficava horas e horas abrindo as torneiras pra ver o jato subir. Molhava o teto. Carões da mãe. - Tá pensando o quê? Que teu pai ta nadando em dinheiro? Tome puxão de orelha. Era tanta frescura que entrávamos para o ''toillete'' por uma porta que simulava ser parte do guarda-roupas ''embutido''. Tudo era novidade. Brincávamos de passagem secreta. Batman e de Agente 86. Maxuwell Smart.

Potes e filtros de barro nunca mais. Mamãe tinha feito um crediário na porta de casa. Comprara um SuperZon. A era da quartinha estava acabando. A novidade era água de torneira ''ozonizada''. Purificada. Adeus coadores de boca de pote. Nunca mais. Mamãe também tinha esperança que os buchos quebrados dos rebentos sumissem. Com eles as lombrigas e o prejuízo com remédio pra verme. Mas antes da casa na Zé Bastos o que bebíamos, mesmo, era água de carroça. Pesada na barriga. Falta de dinheiro. Governo escroto. 

Demitri Túlio - A carroça d'água (O Povo)



2 comentários:

  1. LEILA BOBRE FORTE ABRAÇO, VALTÉRIO CAVALCANTI FILHO. ESTÁ MARAVILHOSA SUA PÁGINA. QUE DEUS TE ABENÇOE TODA SUA NOBREZA AMIGA QUERIDA!

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