Fortaleza Nobre | Resgatando a Fortaleza antiga
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Blog sobre essa linda cidade, com suas praias maravilhosas, seu povo acolhedor e seus bairros históricos.

terça-feira, 24 de junho de 2014

O Maracatu Cearense e sua história (Parte II)




 
"... logo que chegava o rei com sua corte, entrava a missa, que era cantada, com repiques de sinos e foguetes. O casal de escravos sentava-se no trono com ares de quem estava convencido da realidade da cena, representada também pelos reis dos brancos tão ou mais ridículos de cetro e coroa do que ele. Acabada a missa, saía o cortejo real de cidade à fora até o palácio, em que passava o resto do dia a comer, a beber, a dançar, festejando as poucas horas de liberdade que todos os anos lhe concediam os senhores da terra que primeiro libertou os escravos."


Rodolfo Teófilo sobre o ritual de coroação do rei e da rainha da irmandade.


Esse ritual de coroação teria dado origem à vários autos e danças, incorporados ao folclore brasileiro desde o século XVII. Entre eles, o Auto dos Reis de Congo, o Congado e o Maracatu. De fato, o maracatu é parecido com o ritual: um cortejo com música para a coroação de uma rainha negra.


Segundo Calé Alencar, fundador do Maracatu Nação Fortaleza e pesquisador da história do Maracatu no Ceará, a origem do Maracatu em Fortaleza provavelmente seja mais antiga do que imaginamos. Pois os registros dos Autos dos Reis de Congos na cidade datam do final do século XIX e já em 1730 os negros fundaram a Igreja do Rosário em Fortaleza, pressupondo a presença da irmandade do rosário, e consequentemente a coroação dos reis.

Segundo Eduardo Campos o maracatu cearense teria se originado à partir do ritual de Coroação dos Reis do Congo realizado pela Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos da Capital (representante fortalezense da irmandade do Rosário dos negros).

Nos registros mais antigos, os desfiles de maracatu em Fortaleza ocorriam nas festas do ciclo natalino, nas festas da Nossa Senhora do Rosário e de Corpus Christi, onde não eram bem aceitos. À partir de 1937, com o desfile de estréia do Maracatu Az de Ouro, criado por Raimundo Alves Feitosa (Raimundo Boca-aberta) em 1936, o maracatu cearense passou a assumir a formação de um bloco carnavalesco e a desfilar durante os carnavais, como ocorre até hoje. Além de ter criado o maracatu Az de Ouro, existente até hoje, e ter adaptado o maracatu para os desfiles carnavalescos, Raimundo Boca-aberta foi um dos maiores compositores de loas de que se tem notícia e um compositor dos mais notáveis.


Maracatu Az de Espada

O ritmo do maracatu cearense nas primeiras décadas do século XX, como se pode escutar nos registros de Luiz Heitor Corrêa de Azevedo (incluindo gravações de Raimundo boca-aberta), é semelhante ao coco, com influência da umbanda. Os instrumentos utilizados eram: caixa (sem esteira), ganzá, gonguê, tambor-onça e ferro. A partir da década de 50, por influência do Maracatu Az de Espada, o maracatu cearense toma um novo estilo, inspirado no Auto dos Congos. O novo ritmo, cadenciado e dolente, com um gingado majestoso e solene, é marcante até hoje.

Maracatu Az de Ouro  em 1958.

 Nas décadas de 70 e 80, durante a ditadura militar, o maracatu cearense sofreu uma decadência, tanto na qualidade dos desfiles, quanto na quantidade, chegando ao ponto de só haverem 2 maracatus em atividade. Nesse período, os desfiles de maracatu foram incoerentemente obrigados a apresentar um enredo, apresentando-se na avenida como se fossem as escolas de samba do carnaval carioca.

Maracatu Nação Fortaleza

Felizmente, o maracatu cearense incorporou algumas modificações construtivas, como algumas modificações nas vestimentas e a inclusão dos capoeiristas, e abandonou as modificações inadequadas ao maracatu, como os enredos e os carros alegóricos. Atualmente, no Ceará, existem 2 grupos de maracatu em Itapipoca e 11 em Fortaleza, entre eles, o Maracatu Az de Ouro, o Estrela Brilhante, o Nação Fortaleza, o Maracatu Solar, o Nação Gengibre, o Leão Coroado, o Rei de Paus, o Vozes da África e o Nação Baobab.



Maracatu Az de Ouro em 1950

Maracatu Az de Ouro - 1958

O Maracatu cearense é diferente do pernambucano, em vários aspectos. De início, o maracatu cearense apresentava-se nas festas religiosas da Igreja, apresentando-se hoje como bloco carnavalesco. Em Pernambuco, o maracatu está estreitamente associado aos terreiros de candomblé ou umbanda.




Maracatu Az de Ouro em 1950

Os personagens são diferentes. O cearense conta ainda com o balaieiro, os pretos velhos e uma maior representatividade dos índios. No maracatu pernambucano há várias calungas (bonecas pretas), enquanto que no cearense há apenas uma, levada por uma negra do cordão especialmente designada à essa missão, usada no mastro do estandarte ou até na sombrinha da rainha. Além disso, sempre houve, no Ceará, a tradição de todos os brincantes, com exceção dos índios, pintarem a cara com tinta preta brilhante. No Maracatu pernambucano, os brincantes não pintam os rostos.

Maracatu Rei de Paus

Quanto à musicalidade, o ritmo e os instrumentos utilizados são diferentes. O ritmo do maracatu cearense é mais lento, semelhante ao auto dos congos. Cadente, dolente e solene. O maracatu pernambucano é mais acelerado, usando a caixa com esteira, com ritmos característicos: baque virado e baque solto.

Maracatu Estrela Brilhante em 1953

O desfile de maracatu cearense pode ter até 150 participantes, que se dividem em vário sub-grupos. Com exceção dos índios, todos desfilam com o rosto pintado de preto. A seguir uma breve descrição dos principais personagens, em ordem de aparição:

* Porta-Estandarte, Baliza e Lampiões - São os condutores do cortejo. Os guias, cada um com um lampião, e o porta-estandarte abrem o cortejo apresentando o escudo do maracatu, acompanhados pelo Baliza, que dança e faz acrobacias. 


* Cordão de negros africanos - Representa os povos africanos, que foram vendidos aos portugueses como escravos. 


* Cordão dos índios - Representa os índios brasileiros que acolheram os negros e a eles se uniram na resistência contra os europeus. 


* Cordão das negras - Representam as mucamas das fazendas, carregando utensílios domésticos. 


* Balaieiro - Negro carregando uma balaio de frutas na cabeça. Representa, ao mesmo tempo, uma oferenda aos orixás, e os escravos que saíam às ruas para vender os excessos de produção das fazendas. 


* Pretos velhos - Usando bengalas e fumando cachimbos, o casal de negros velhos representam os terreiros de umbanda e simbolizam o respeito aos mais velhos. 


* Corte - Representam a nobreza. São príncipes, princesas, vassalos, mucamas e por último, o rei e a rainha com roupas coloridas e enfeitadas. 


* Macumbeiro(s) - Uma ou duas pessoas que cantam a loa - geralmente, o líder do maracatu. 


* Bateria - Vários percussionistas com surdos, ferros, caixas e chocalhos.



Veja AQUI a parte I



Fontes: ALENCAR, C. Origem e evolução do maracatu no Ceará, Fortaleza: Banco do Nordeste, 2007, 54p.

AZEVEDO, Luiz Heitor Corrêa de, Music of Ceará and Minas Gerais, CD de áudio, Congresso dos Estados Unidos da América.

CAMPOS, E. O Cotidiano no Ceará escravocrata. Entrevista concedida a José Anderson Sandes, Diário do Nordeste, 25-03-1998.

Portal do Maracatu Nação Fortaleza, Endereço: http://www.batoque.com/fortaleza, Acesso em 12 Out. 2011




Crédito: Blog Ceará de Luz/Nirez



domingo, 22 de junho de 2014

O Maracatu Cearense e sua história



Há pouca documentação sobre a história do maracatu antes da década de 50. Os primeiros registros confiáveis de maracatu em Fortaleza datam do início do século XX, quando Gustavo Barroso descreve, em "Coração de menino", os desfiles que ocorriam na Praça do Carmo (então Praça do Livramento). 


Maracatu Leão Coroado. Foto: Arquivo Nirez



O Maracatu está relacionado à chegada dos africanos em Portugal no fim da idade média. Ao entrar em contato com a religião católica, os africanos fizeram associações entre os santos católicos e as divindades africanas. Uma delas foi a de Nossa Senhora do Rosário. A imagem da Santa tem, ao redor do pescoço, um colar de rosas (rosário), similar ao colar de Ifá (orixá que previa o futuro). Assim, os escravos que chegaram à Europa no Séc. XV passaram a ser devotos de Nossa Senhora do Rosário. Com isso foi criada a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos.


Afrânio de Castro Rangel, Rainha do Maracatu Leão Coroado em 1959




Mesmo escravos, os negros construíam igrejas em homenagem à Santa onde se estabeleciam. Uma vez por ano, no dia 7 de outubro, dia de Nossa Senhora do Rosário, os escravos tinham folga. Nesse dia, faziam o ritual de coroação do rei e da rainha da irmandade.

Maracatu Estrela Brilhante em 1953

Segundo relatos de personagens ilustres de nossa terra, o maracatu cearense já se mostrava presente desde meados do século XIX sendo o mesmo conhecido por “congadas ou pelo auto dos reis de Congo” que retratavam os combates entre o Congo e Angola e que daria origem não só ao maracatu mas também a outras expressões culturais afro-descendentes como o reisado, caboclinhos e os pastoris.

Maracatu Estrela Brilhante em 1953


Em Fortaleza a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos homens pretos (1871), responsável pela construção do templo católico mais antigo de nossa capital homenageando santa de mesmo nome, foi a principal difusora desta tradição cultural que se realizava geralmente ao termino das cerimônias religiosas e culminavam com a coroação do rei e rainha negra. Esta mesma irmandade sociabilizava o escravo forro ou cativo a sociedade fortalezense da época e possibilitava aos mesmos; auxílio funeral, pensões a viúvas e a possibilidade de lazer nas horas vagas, sobre tudo, aos domingos e dias santos com o devido consentimento de seus senhores “no caso de escravos cativos”.

Maracatu Az de Ouro em 1958 na Praça do Ferreira - Nirez

O ponto culminante das congadas era a coroação do rei e da rainha negra que vinham acompanhados pelo seu séquito real composto por negros trajando cores bufantes dos mais variados tecidos e representando personagens da corte portuguesa. Em geral tais roupas eram usadas e doadas a irmandade para que pudessem ser realizadas as encenações como vestidos de noivas amplamente usados para caracterizarem as princesas e rainhas.
Em determinadas épocas do ano a irmandade era contratada por senhores de engenho ou pessoas abastadas para apresentar seus autos, tais contribuições eram depositadas em um caixa controlado pelo tesoureiro sendo responsável o mesmo pelo controle dos bens da confraria que consistiam desde casas a terrenos espalhados pela cidade.


Maracatu Az de Ouro em 1958 no Centro de Fortaleza


Além da referida irmandade que teria sido o ponto original deste folguedo, em fins do século XIX o maracatu também fazia-se presente em diversos pontos da capital. Segundo o escritor Gustavo Barroso, havia por trás da estação férrea João Felipe o maracatu do Morro do Moinho que saia com seu cortejo real pelo centro em direção a igreja do Rosário onde fazia a coroação de seu rei e sua rainha.

“os últimos reis do Congo que houveram em Fortaleza, minha terra natal, foram o negro Firmino, ex-escravo de meu pai e a negra Aninha Gata. Esta conheci ai por volta de 1897 ou 1898, com pequena quitanda na antiga travessa das flores, entre as ruas Major Facundo e a da Boa Vista, hoje Floriano Peixoto. (BARROSO, 1962, P. 374)

Existiam também os maracatus da rua de São Cosme (atual rua Pe. Mororó), da rua do outeiro (antiga Aldeota – atual região do Colégio Militar), do Beco da Apertada Hora (atual rua Governador Sampaio), do Manoel Furtado, do João Ribeiro localizado ao fim da rua Major Facundo na altura da antiga Praça do Livramento (atual Praça do Carmo). Do negro João Gorgulho (grupo de folguedos africanos – 1910). Segundo Otacílio de Azevedo em seu livro: Fortaleza Descalça;

“vestia-se com roupagem de seda colorida, recheada de fitas e arabescos, minúsculas lantejoulas, vidrilhos e brilhantes pedrarias. Os valetes do rei João Gorgulho vestiam calças de cetim verde, justas ao corpo, coletes violetas, clâmide vermelha caindo sobre os ombros e espadas de papelão dourado. O trono, forrado de fofos de papel de seda salpicado de estrelas, tendo à guisa de cetro uma vara coberta de papel dourado, ficava sobre um tapete de palha de carnaúba colorida, a coroa, feita com folhas de flandres, se apresentava pintada com cores diversas”.


Maracatu Estrela Brilhante em 1953

O maracatu cearense difere do pernambucano pois o timbre de seus acordes são mais lentos e cadenciados sendo o batuque composto por caixas sem esteiras visando acentuar a batida grave, bumbos, surdos, ganzás, chocalhos e triângulos aqui chamados “ferros” responsáveis pela cadência ou ritmo característico do cortejo. As loas ou “músicas do maracatu” sempre relatam fatos ou acontecimentos históricos ligados à cultura afro regionais ou nacionais constituindo as mesmas no chamado enredo do maracatu. Seus brincantes ou “maracatuqueiros” apresentam seus rostos pintados com uma mistura de fuligem, óleo infantil, talco e vaselina em pasta que dão o tom ao chamado “falso negrume” expressão difundida pelo pesquisador cearense Gilmar de Carvalho. O macumbeiro(a) ou tirado(a) de loas puxa o enredo sendo o mesmo respondido pelo cordão de negras que impulsiona todo o cortejo a imitá-las. Geralmente tais “tiradores de loas” trajam roupas femininas semelhantes as de negrinhas ou “mucamas” reais podendo os mesmos virem trajando branco com suas guias ou amuletos.



Maracatu Az de Ouro em 1950 - Arquivo Nirez

O maracatu chegou oficialmente ao carnaval de rua fortalezense por volta de 1937 através de convite feito pelo famoso rei momo Ponce de Leon ao compositor e carnavalesco Raimundo Alves Feitosa conhecido também como Raimundo Boca Aberta, fundador do Maracatu Az de Ouro (o mais antigo em atividade). Em meados de 1950 seriam fundadas agremiações de imenso peso histórico como: Estrela Brilhante, Az de Espadas Leão Coroado. Outros grupos já extintos deixaram saudade como: Rancho Alegre, Nação Africana, Rei de Espadas, Rei dos Palmares, Nação Uirapuru, Nação Gengibre, Nação Verdes Mares e Rancho de Iracema.


Raimundo Alves Feitosa


Continua...

Créditos: Blog Maracatu Rei do Congo, Blog Solar, Nirez e pesquisas na internet


sábado, 14 de junho de 2014

Nas ondas do rádio - Década de 40 (Parte IV)



O  Radioteatro e o Encanto das Radionovelas



As primeiras transmissões de radionovelas, no Brasil, se deram por volta de 1930. As emissoras, a exemplo do que acontecia nos jornais, passaram a retransmitir as narrativas presentes nos romances de folhetim. A primeira radionovela transmitida no Brasil foi “Em Busca da Felicidade, originalmente escrita pelo cubano Leandro Blanco com readaptação e tradução de Gilberto Martins.

Foram 284 capítulos em quase dois ano de transmissão sempre nas manhãs de segunda, quarta e sexta. A ideia de importar o texto partiu da Empresa de Propaganda Standard de Cicero Leurenroth, que via no rádio um excelente veículo para alcançar as donas de casa. Detentora da conta publicitária da Colgate-Palmolive, a agência projetou a veiculação de uma radionovela para alcançar as vendas do creme dental da industria Norte-Americana. (FERRARETTO, 200l. p. 119).


Naquele mesmo ano, a Rádio São Paulo começava a transmitir a primeira radionovela criada no Brasil: Fatalidade, escrita por Oduvaldo Viana. De acordo com Ferraretto (2001), “as tramas traziam como características um enredo simples e relativamente conservados” (p. 119). 

No Ceará, o radioteatro – precursor da radionovela - passou a ser uma das principais atrações da grade de programação, ainda nos primórdios da emissora, na década de 1930. “Com um elenco invejável, notadamente de radioatrizes, a PRE-9 marcou época com trabalhos memoráveis que jamais serão esquecidos” (LOPES, 1994, p. 131). As radionovelas incitavam a imaginação do público, propondo um lugar específico para a fantasia. Os efeitos especiais produzidos no rádio, a interpretação dos artistas, o timbre de voz, construíam um imaginário peculiar que se adaptava perfeitamente à ordem melodramática.O rádio como era uma coisa feita com carinho e com zelo, com respeito,
principalmente, ele induzia as pessoas a pensar. Você ouvia a novela e você criava o cenário, você criava o personagem. Ah, esse fulano, esse ‘galanzinho’ deve ser assim, assim e assim. Ele deve ter olhos verdes, ele deve ter cabelos loiros, deve ter um nariz muito bonito, uma boca assim, assim e assim. A sua coleguinha aí vizinha que tava ouvindo fazia uma outra imagem, ela idealizava aquele homem, que aquela voz induzia ela a pensar... Ou aquela mulher... (PEIXOTO, entrevista, 2005). 

Dentre as tramas teatrais de maior destaque, no início da década de 1940, podemos citar Arizona nos quatro cantos do mundo. A coluna Radiofônicas, de um jornal da época, destacou o sucesso da transmissão perante o público cearense:

“Arizona nos quatro cantos do mundo já tomou conta das boas graças dos
ouvintes. Aventuras sensacionais teatralizadas eis o que apresenta o novo programa das segundas e quartas-feiras ao microfone da querida emissora local.”
 (outubro de 1940). 

No Ceará, em meados da década de 1940, o consumo de livros, revistas, jornais e filmes era restrito a uma pequena parcela da população. O valor das publicações e o alto índice de analfabetismo eram fatores que impossibilitavam o acesso da maioria da população a tais bens culturais. Diante deste contexto, as radionovelas surgiram como um dos mais importantes produtos da indústria cultural. As histórias romanceadas, divididas em capítulos, eram “levadas ao ar” pela manhã, às 9 horas, e no período da noite, no chamado “horário nobre”

Arquivo Biblioteca Nacional

De acordo com Eduardo Campos (1984), a primeira novela irradiada pela Ceará Rádio Clube, ao vivo e com o seu próprio cast, foi o seriado Penumbra, de Amaral Gurgel, transmitida primeiramente na Rádio Tupi, do Rio de Janeiro (p. 14). Já a primeira radionovela cearense foi Aos Pés do Tirano, escrita por Manuelito Eduardo (Foto ao lado), em meados da década de 1940. No ano de 1944, a Ceará Rádio Clube lançou o primeiro concurso radiofônico de peças de radioteatro, sob o tema: Os Grandes Processos da História. O vencedor foi o jornalista Eduardo Campos, com o tema Processo de Maria Antonieta. O jornalista passou a compor o quadro de funcionários da emissora, no dia 04 de setembro de 1944, sendo batizado artisticamente de Manuelito Eduardo¹
Nesse período, também atuaram na PRE-9: Paulo
Cabral de Araújo, João Ramos, Heitor Costa Lima, Mozart Marinho, Aderson Brás, Luzanira Cabral (Stela Maria), José Limaverde e Silva Filho, todos como locutores (CAMPOS, 1984, p. 13).


GRANDES NOMES DA ÉPOCA DE OURO DO RÁDIO CEARENSE: KEYLA VIDIGAL, BARBOSA, NOZINHO SILVA, MIRIAM SILVEIRA, ISMY FERNANDES, GUILHERME NETO, JOÃO RAMOS , MARIA JOSÉ BRAZ, LAURA SANTOS E MARILENA ROMERO. Arquivo Radiouvintes

A Programação Esportiva

As primeiras transmissões esportivas seguiram o mesmo caráter amador
predominante nos outros formatos do início do rádio. No Ceará, a primeira partida de futebol foi transmitida pela Ceará Rádio Clube, em 1938, quatro anos depois de sua instalação. O locutor era José Cabral de Araújo, ele narrou o jogo dos estúdios da emissora, onde se comunicava por linha telefônica com o repórter Rui Costa Sousa, que falava do Campo do
Prado². Segundo Eduardo Campos “graças a esse artifício, os que estavam na cidade puderam acompanhar todo o jogo, narrado com maestria pelo locutor, que se julgava presente (no estádio)” (CAMPOS, 1984, p. 15). 

A primeira reportagem esportiva, de nível profissional, feita no Ceará, também foi levada ao ar pela Ceará Rádio Clube, o repórter era Oduvaldo Cozzi (Foto ao lado), que atuava em programas de entrevista, na PRE-9. Anos mais tarde, Odulvaldo passou a fazer parte do quadro de profissionais da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, onde se firmou como especialista em transmissões esportivas. As primeiras transmissões de jogos já se caracterizavam pelo estilo pessoal da narração. Cada locutor imprimia a sua marca, traço que se desenvolveu e permanece na atualidade, é o estilo de transmissão que diferencia o locutor ou a equipe. Tom de voz, velocidade, silêncio, metáforas, aliterações, interpretações tornam a equipe inconfundível.
O linguajar diferente do comunicador esportivo tem motivos vários, que vão desde a necessidade de fugir ao comum, imprimindo à expressão verbal um significado conotativo, até a incessante luta pela conquista de maior audiência. Este fato leva, inclusive, à necessidade de atrair ouvintes através de auto-afirmação capaz de criar uma terminologia às vezes inédita, que caracterize a busca da marca pessoal de cada comunicador (CAPINUSSÚ, 1988, p.15).

No final da década de 1930, Boletim Esportivo, ia ao ar ao meio-dia, pela PRE-9. O programa Boletim Esportivo trazia as novidades sobre o Foot-Ball, esporte caracterizado como elitista e praticado, exclusivamente, por homens brancos. Foi nesta década que o esporte alcançou uma grande expansão no que diz respeito à sua prática e aos seus torcedores.
Criaram-se, nos subúrbios, times de futebol formados por trabalhadores. De acordo com Rodrigo Pinto (2007, p. 04), “os trabalhadores passaram a ver que esporte, música, dança, piqueniques domingueiros eram possibilidades de lazer diante da opressão do sistema de produção ou do rígido controle patronal”. O futebol, aos poucos, passou a fazer parte da programação radiofônica, tornando-se um dos maiores atrativos do veículo. “O futebol ajudou a popularizar o então emergente veículo de massa, enquanto o rádio retirou o esporte de dentro dos estádios e o levou para o imaginário popular” (ALMEIDA E MICELLI, p. 01, 2004). 
Almeida e Micelli afirmam que o radialismo esportivo se antecipou, a qualquer outro setor radiofônico, no que diz respeito à linguagem e aos avanços técnicos. Os locutores por se verem diante da expansão do veículo e da obrigação de improvisar nas suas narrações desenvolveram técnicas narrativas para atrair os ouvintes. Palavras de origem inglesa foram adaptadas para o português (Por ser um esporte de origem inglesa, o futebol, ao chegar no Brasil, trouxe expressões como: fiels (campo), goalkeeper (goleiro), referee (juiz), dentre outras.), o ritmo veloz e emotivo passou a ser utilizado nas locuções, a criação dos bordões e o jogo com as palavras passaram a dinamizar as narrativas futebolísticas. “A nova linguagem permitiu ao ouvinte ‘visualizar’ o campo e todos os lances do jogo, contribuindo assim para transformar o futebol em espetáculo de massas e paixão.” (ALMEIDA e MICELLI, p. 02, 2004). 
O objetivo era envolver o público emocionalmente a cada partida. “A emoção faz com que o jornalismo esportivo esteja sempre numa linha tênue entre a pieguice e a razão. Costuma-se dizer que não há cobertura esportiva sem emoção, mas o jornalista não se pode deixar levar por ela” (BARBEIRO E LIMA, 2001, p. 76). 
A linguagem utilizada pelos locutores possuía em sua essência, um caráter regional; eram repetidas expressões conhecidas pelo público e diálogos que estavam presentes no cotidiano social do fortalezense. Para Jung, “uma das características do rádio é a proximidade com o ouvinte, a conversa direta com o cidadão. (...) O público se identifica com a emissora da cidade e com o radialista de plantão” (2005, p. 39). 
Essa é uma das características que aproximou o rádio do público, facilitou sua expansão para além das fronteiras sociais, e estimulou o empreendedorismo no mercado de informação.

A Primeira Concorrente e a Mudança para o Edifício Pajeú

No final da década de 1940, a Ceará Rádio Clube se viu diante de mais um desafio, a inauguração, em 09 de outubro de 1948, da sua primeira concorrente: a Rádio Iracema de Fortaleza, ZYR-7. É neste período, que o profissional do microfone começa a fase de amadurecimento profissional e se estabelece a especificação de suas funções.


As funções dentro do rádio vão-se tornando independentes, passando a fase em que o mesmo radialista, por solicitação da empresa ou de seu próprio espírito de trabalho, era levado a diversificar a sua atuação, constatando-se a presença do locutor também como radioator, organizador de programa, redator, animador de auditório, etc. (CAMPOS, entrevista, 2005).

ZYR-7 não foi uma ameaça direta à pioneira, Ceará Rádio Clube, de acordo com Marciano Lopes (1994, p. 42), “mesmo chegando para disputar ouvintes, a ‘Iracema’ não vinha como guerreira”. A emissora tinha consciência de que não seria fácil desbancar a emissora dos Associados. Com o surgimento da Rádio Iracema, a Ceará Rádio Clube tratou de “crescer, melhorar e mostrar que tinha de continuar sendo a melhor” (LOPES, 1994, p. 59). 

A emissora deixou sua antiga sede no Edifício Diogo e se transferiu, no dia 13 de maio de 1949, para o Edifício Pajeú. A Rádio Iracema, localizada no Edifício Vitória, também atraia o público com os espetáculos encenados no roof-garden, nome dado ao auditório da emissora que ficava ao ar livre. “O palco era coberto, mas a platéia ficava a céu-aberto, inclusive com mesas onde os frequentadores assistiam aos ‘shows’ tomando wisky, cerveja, refrigerante, etc.” (VASCONCELOS apud LOPES, 1994, p. 39). 

Um dos programas apresentados no palco da ZYR-7 foi o Fim de Semana na Taba, apresentado por Armando Vasconcelos. O programa era apresentado aos domingos, das 20h às 23h, e atraia a sociedade local para participar de brincadeiras e ouvir a voz da cantora cearense Aíla Maria. Sempre com o auditório lotado, o 
programa era anunciado como “o da elite”. Era exigido paletó e gravata para todos os frequentadores. Também tinha o “slogan” de “programa milionário do rádio cearense”. Para honrar esse título, o programa distribuía prêmios de valor em suas muitas promoções e concursos. Certa vez, o prêmio era uma viagem, via aérea, para Paris (França) com uma ajuda de custo de
10 mil francos, afora a passagem (VASCONCELOS apud LOPES, 1994, p. 40). 

Fim de Semana na Taba foi considerado como o primeiro e único programa de gala
do rádio cearense. A elite local se reunia aos domingos para uma verdadeira parada de
elegância no auditório da Rádio Iracema. As mulheres compareciam com roupas luxuosas
para competirem com as estrelas do rádio local, que se apresentavam com figurinos dentro do que havia de mais atual na moda parisiense. Com a sua popularização, o rádio, que antes se restringia a pequenos grupos, chegou aos cantos mais remotos do território cearense. Aqueles que antes se mantinham alheios aos acontecimentos do próprio Estado passaram a ter conhecimento do que acontecia do outro lado do mundo. Aos poucos ia se estabelecendo uma relação familiar entre o público e o novo meio, que alcançaria na década de 1950 sua chamada “época de ouro”. Diante do impedimento da ida aos auditórios das emissoras, as
camadas populares começaram a se reunir em eventos domésticos e sociais, nos quais se faziam festas dançantes ao redor dos aparelhos de rádio.

Continua...

¹ Manuel Eduardo Pinheiros - Eduardo Campos, nasceu em Guaiúba, então distrito de Pacatuba, no dia 11 de janeiro de 1923, filho de Jonas Acióli Pinheiro e Maria Dolores Eduardo Pinheiro.

Órfão de pai, aos 4 meses, foi entregue aos cuidados dos tios João Pereira Campos e Isabel Eduardo Campos (Irmã de Maria Dolores).

Até 7 anos de idade viveu ao sopé da Serra da Aratanha, em Pacatuba. Pelos 8 anos, em companhia dos pais adotivos, foi morar na Rua do Imperador, 90, em Fortaleza (1930), circunstância que o inspirou, já adulto, ao resgate da memória desses idos, quando a sala de visita das casas ia parar virtualmente nas calçadas, os vizinhos aí reunidos depois do jantar.

Eduardo Campos jamais se distanciaria da moldura ecológica da Serra, nem da paisagem rural desse território geográfico, com ares de sertão.

O curriculum vitae expressa o desempenho como escritor, em seus momentos mais significativos, assim como a listagem dos livros publicados, sessenta ao todo, o resultado de prolífica atividade criativa, que se impôs do teatro ao conto, alcançando a história, o folclore e os estudos de culinária.

² Campo do Prado


Antigo Campo do Prado, antecessor do Estádio Presidente Vargas 
Arquivo Pessoal: Airton Fontenele


Único estádio na época, que ficava localizado na área onde hoje se encontram as instalações do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará CEFET, atual IFCE e o Estádio Presidente Vargas.


Continua...

Leia também:

Parte I
Parte II

Crédito: Francisca Íkara Ferreira Rodrigues (Graduada do Curso de Comunicação Social – Jornalismo, pela Universidade de Fortaleza – UNIFOR) e Erotilde Honório Silva (Professora Doutora em Sociologia, pela Universidade Federal do Ceará – UFC. Coordenadora da Pesquisa História e Memória da Radiodifusão Cearense – UNIFOR). A popularização do Rádio no Ceará na década de 1940: Trabalho apresentado no 7º Encontro Nacional de História da Mídia realizado em Fortaleza – Ceará, de 19 a 21 de agosto de 2009.). 

Fotos: Assis LimaAirton FonteneleRadiouvintes, Arquivo pessoal e Biblioteca Nacional.


domingo, 8 de junho de 2014

Nas ondas do rádio - Década de 40 (Parte III)

Os Diários e Emissoras Associados (a nova administração da emissora cearense) investiu profissionalmente no aperfeiçoamento da redação, apresentação dos programas e no que diz respeito à contratação de artistas renomados para se apresentarem nos auditórios da PRE-9. Dentre as atrações que passaram pela emissora cearense estiveram nomes como: Dilú Melo, Linda e Dicinha Batista, Manézinho Araújo e Uyara de Goiás, que eram recebidos como celebridades nas apresentações de auditório, que reuniam um público ansioso por conhecer de perto os ídolos, que até então só eram reconhecidos pela voz ou nas revistas vindas do Sul do País. Desde a chegada do rádio ao Ceará, os veículos impressos desempenharam um importante papel na divulgação dos eventos e da programação da pioneira Ceará Rádio Clube


Natal dos Lázaros - De pé, na apresentação do Show para os hansenianos (anos 60) o radialista Manuelito Eduardo Campos, que participou da Campanha por 32 anos.
Com a expansão do novo meio, os jornais passaram a explorar assuntos que ganhavam repercussão entre o público leitor, dentre estes, as campanhas sociais feitas pela emissora. O Natal dos Lázaros, por exemplo, foi uma das campanhas de maior destaque da rádio e que teve duração de 38 anos. 

“Eram apelos através dos microfones para que os ouvintes ajudassem a oferecer aos internos dos dois leprosários (Antônio Justa e Antônio Diogo) um Natal menos triste, com presentes, festas, missas ‘shows’, visitas, etc” (LOPES, 1994, p.142). 



Leprosário Antônio Diogo.
Além do Natal dos Lázaros, a PRE-9 também promoveu, por mais de 20 anos, o São João dos Lázaros. O jornal Correio do Ceará publicou, no dia 01 de junho de 1942, uma matéria especial sobre a campanha da Ceará Rádio Clube, que trazia como título: “Um pavilhão para os meninos leprosos – Será lançada, no próximo dia 23, a pedra fundamental – Cabral de Araújo fará o São João dos Lázaros em PRE-9”. A matéria comentava a generosidade do povo cearense e o empenho da emissora em 
ajudar os necessitados:

A iniciativa da PRE-9 foi coroada do mais compensador sucesso, graças à tenacidade dos seus dirigentes. Cabral de Araújo, o locutor chefe da emissora, foi o paladino dessa cruzada de filantropia que em todos encontrou a melhor guarida. Em poucos dias, conclamando os corações dadivosos, conseguiu a Rádio Clube local reunir uma soma apreciável de dinheiro e uma quantidade imensa de variedades ofertadas. (CORREIO DO CEARÁ, junho de 1942). 



Jornal Écos da Semana de 26 de setembro de 1948.


Visando angariar recursos para suas promoções, a emissora apostava na apresentação de grandes artistas locais e nacionais. O jornal Estado registrou, no dia 24 de janeiro de 1941, 
a participação de duas grandes estrelas nacionais na campanha em prol das vítimas da lepra. A matéria trazia como título: “Orlando Silva e Dorival Caymi cantaram para os Lázaros de Canafistula” (ESTADO, janeiro de 1941). 

Jornal Écos da Semana de 19 de dezembro de 1948.
Além de divulgarem as campanhas e realizações feitas pela PRE-9, os jornais também se envolveram em parcerias com a rádio. Os veículos impressos também publicavam as crônicas que iam ao ar pelo microfone da Ceará Rádio Clube. O programa “Cousas que o tempo levou” criado por Raimundo Menezes, na década de 1930, teve suas crônicas reproduzidas no jornal Gazeta de Notícia e, no ano de 1938 foram publicadas em livro. O programa trazia histórias de uma Fortaleza antiga e retratava “os usos e costumes de outras eras que se foram e não voltam mais e que merecem ser lembrados para conhecimento dos conterrâneos e dos porvindouros” (GAZETA DE NOTÍCIA, março de 1938). 


Jornal Écos da Semana de 21 de novembro de 1948.
Neste contexto podemos perceber que com a expansão do novo veículo, os jornais passaram a retratar na integra as crônicas irradiadas no rádio. Percebe-se que já nos primórdios da cultura de massa as mídias já convergiam entre si, nesse período o conteúdo dos jornais eram lidos, na íntegra, pelos radioamadores. Já durante as décadas de 1940 e 1950, os impressos passam a publicar seções especiais a respeito do veículo radiofônico. 

Os Programas de Auditório


Os programas de auditório consistiam em shows musicais, espetáculos de teatro,
circos e festas que induzindo o público a um estado de excitação contínua durante horas. Para
isso, os animadores contavam não apenas com a presença de cantores de sucesso, mas
também com o suporte musical de grandes orquestras, músicos solistas, conjuntos regionais,
humoristas e mágicos, aos quais se juntavam números exóticos, concursos à base de sorteios e distribuição de amostras de produtos aos presentes (TINHORÃO, 1981). Nessa época, os
estúdios e o auditório da Ceará Rádio Clube ocupavam os últimos andares do Edifício Diogo.
Os programas de auditório atraiam dezenas de pessoas para a sede da PRE-9. Blanchard Girão lembra que o local era de difícil acesso, por conta do prédio só possuir um elevador, porém nada servia de impedimento para os ouvintes assíduos. “Não se esperava o elevador, subia-se os dez andares a pé, coisinha pouca, pra tanta resistência juvenil” (GIRÃO, 1998, 273). 

As novas instalações da PRE-9 foram construídas obedecendo às necessidades da emissora,
contendo três estúdios e um palco-auditório com capacidade para 500 pessoas. O auditório, de excelentes dimensões, tinha toda a mecânica de um verdadeiro auditório. O palco, nas medidas ideais para comportar orquestra, piano de cauda, grupo de radioatores para os programas humorísticos, cantores e apresentadores, tinha cortina de veludo vermelho, a exemplo, dos grandes teatros (LOPES, 1994, p. 59).



Orquestras da Ceará Rádio Clube
Com a inauguração das suas novas instalações, a Ceará Rádio Clube investiu nos programas de auditório, que surgiram com os primeiros programas de calouros. Tais programas foram inseridos como mais uma opção de entretenimento e lazer, de vez que na cidade provinciana as cadeiras na calçada à noitinha era a oportunidade para o encontro e a troca de ideias. Jáder de Carvalho no seu livro Aldeota refere que "A roda-de-calçada vale por uma instituição. Vem do começo da cidade. Nela tudo se conversa, tudo se advinha, tudo se descobre. Apontam-se os casais infelizes. Dá-se notícia do movimento político. Entra-se na vida dos padres, das freiras. Aponta-se falta de recato, de pudor, em certo noivado (...) É uma maneira de conhecer Fortaleza sem sair de casa" (CARVALHO, 1963, p. 262-263).

A classe abastada fortalezense se divertia nas festas e nos bailes dançantes dos clubes sociais, excludentes aos menos favorecidos, para os quais restavam as alternativas dos passeios nas ruas do centro da cidade para “olhar as vitrines” ou uma ida ao Parque da Criança.

"Eu me lembro que nos pontos de encontro sempre se encontravam as mesmas pessoas. No cinema era a classe elegante que frequentava, vestia-se de paletó e gravata. Mas nos programas de auditórios era a classe média que ocupava o espaço.
Os populares não apareciam. Os programas de auditório eram muito bem 
frequentados." 
(BEZERRA, entrevista, 2006).



Auditório da Ceará Rádio Clube no Edifício Pajeú.
Dentre os programas de auditório de maior audiência estava o Clube do Papai Noel,
apresentado aos domingos por Paulo Cabral de Araújo, na sede do Edifício Pajeú. “As mães amantíssimas levavam os seus pimpolhos para cantar, declamar e fazer outros números artísticos” (LIMAVERDE, s/d, p. 53). Os artistas mais jovens da PRE-9 se apresentavam no programa para alegria da meninada que tinha como sonho virar astro do rádio. O programa era patrocinado pelo Sabão Pavão – “o melhor sabão do Brasil”


Gafes, piadas e histórias engraçadas ocorriam no decorrer das apresentações, sempre com o auditório lotado pelos radiouvintes. Paulo Cabral (2008) lembra da frequência constante de pais e filhos no auditório da PRE-9. “Para mim aquilo era uma alegria formidável, era uma maneira de aliviar o meu cansaço com o trabalho, era uma convivência direta com as crianças e os pais” (CABRAL, entrevista, 2008). 

Outro programa de auditório que fazia sucesso entre o público era o Programa de Calouros.
Os rapazes viam no show de calouros a oportunidade para tentar uma vaga no mundo mágico das celebridades. Para as ouvintes, aquele era um espaço privilegiado para “flertar, tirar linha, namorar, noivar, casar”, com um dos artistas locais ou nacionais que ali se apresentavam. Nesse espaço cunhou-se o termo popular “macaca de auditório”. Devido à superlotação dos espaços chegavam a ficar penduradas nas colunas, nas janelas, onde o corpo se adaptasse (ANDRADE E SILVA, s/d, p. 13).

Os programas de auditório registravam uma audiência cativa, porém somente
àqueles com determinado capital quer intelectual quer financeiro frequentavam as
apresentações da emissora. Outra atração que seduziu o rádio ouvinte foi a radionovela, de
rápida ascensão, ampliando sobremaneira a audiência e pautando as discussões nos espaços
públicos e domésticos da cidade.



Crédito: Francisca Íkara Ferreira Rodrigues (Graduada do Curso de Comunicação Social – Jornalismo, pela Universidade de Fortaleza – UNIFOR) e Erotilde Honório Silva (Professora Doutora em Sociologia, pela Universidade Federal do Ceará – UFC. Coordenadora da Pesquisa História e Memória da Radiodifusão Cearense – UNIFOR). A popularização do Rádio no Ceará na década de 1940: Trabalho apresentado no 7º Encontro Nacional de História da Mídia realizado em Fortaleza – Ceará, de 19 a 21 de agosto de 2009.)


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