Fortaleza Nobre | Resgatando a Fortaleza antiga
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Blog sobre essa linda cidade, com suas praias maravilhosas, seu povo acolhedor e seus bairros históricos.

 



sábado, 10 de março de 2018

Os homenageados nas ruas da cidade - Carlos Severo de Souza Pereira - Parte IX



Carlos Severo de Souza Pereira era filho do tabelião Miguel Severo de Souza Pereira e de Cândida Julietta de Souza Pereira. Nasceu no dia 4 de Novembro de 1864 em Fortaleza. Estudou no Ateneu Cearense em 1874, e fez três preparatórios, os de português, francês e geografia, no Liceu Cearense em 1880. Escreveu para diversos jornais de Fortaleza e foi redator e proprietário de O Figarino, jornal caricato, por seis meses. No Estado do Amazonas colaborou no 'Amazonas'; no Pará no Diário de Noticias, e Democrata; em Lisboa, no Almanaque Luso Brasileiro, Anuário do Dr. Xavier Rodrigues Cordeiro e no Almanaque dos Pontos e Virgulas, do Porto

Dados da Revista da Academia Cearense de 1900.

Tendo o piano como seu instrumento predileto, para este compôs mentalmente e mandou escrever as peças musicais : —Mironi, schotisk. — Céu do norte, schotisk. —Cecy, valsa para banda marcial. —A lágrima doce, schotisek. —Muricy, schotisk. Na revista de Crisólito Gomes 'Da Capital ao Mucuripe' há um coro de pescadores no princípio do ato de música e letra suas, e na Revista Lopes Veiga & Cia, de Álvaro Martins, pertencem-lhe as músicas de um tango e um solo para soprano. Escreveu ainda um vaudeville para o Grêmio Taliense de Amadores, intitulado 'Os dois irmãos, em três atos, música de vários autores, e representado pelo mesmo Grêmio no Theatro Iracema com grande sucesso por duas vezes, uma a 18 e a outra a 23 de Março de 1899. Também são dele: Hotel do Salvador; O Mestre Paulo; São João na Roça; Macaquinho está no Ovo; As Vaias; A Chegada do General; Os Matamosquitos; Um Casamento no Matadouro e Os Irmãos da Bélgica.

Em 07 de setembro de 1910, fundou, juntamente com José Gil Amora, Otacílio Ferreira de Azevedo (Otacílio de Azevedo), Genuíno de Castro, Carlos Gondim, Luís de Castro, João Coelho Catunda, Francisco de Paula Aquiles, Josias de Castro Goiana (Josias Goiana) e outros, a Academia Rebarbativa ("agremiação de boêmia, de humorismo, de pilhéria e de blague") que teve vida efêmera. Interessante salientar que a agremiação foi criada em um dos bancos da Praça do Ferreira. rsrs

No livro Cronologia Ilustrada de Fortaleza de Miguel Ângelo de Azevedo consta: "Morreu, com a idade de 62 anos, em Guaiuba, no dia 28 de dezembro de 1926, o médico, compositor, poeta, músico, teatrólogo e pintor Carlos Severo de Sousa Pereira, sendo ali sepultado. Nascera a 04/11/1864 em Fortaleza. Hoje é nome de rua no bairro Farias Brito."


Carlos Severo foi, sem dúvida, uma figura que ganhou projeção no Ceará como cenógrafo, musicista e comediógrafo, mas que também ficou conhecido por suas modinhas no meio boêmio. Não se considerava poeta, mas escrevia as letras e musicava ao piano. Porém, suas modinhas ficaram mais conhecidas quando tocadas ao violão nas serestas que ocorriam nas praças e botecos da cidade.


Carlos Severo viveu boa parte de sua vida no Rio de Janeiro e no Pará, compondo alguma de suas modinhas fora do Ceará. Porém, elas se tornaram populares em Fortaleza. Foram coletadas apenas cinco modinhas do compositor, porque todas as outras se perderam na tradição oral. No entanto, Edigar de Alencar acredita que ele deve ter composto mais de vinte, entre as quais paródias, gênero que Ramos Cotôco exercitava com facilidade. Carlos Severo costumava debochar do falso decoro da sociedade fortalezense. Isso fica ainda mais evidente nas suas várias peças teatrais de críticas de costumes. O aguçado senso crítico, misturado com a sátira e desdém, era a sua marca. O próprio Carlos Severo fazia a partitura de suas músicas. Seus gêneros preferidos, além da modinha, era a opereta, burleta e revista. Edigar de Alencar aponta que as modinhas que foram recolhidas e depois transcritas para o seu livro 'A modinha cearense' foi produto de um achado da filha do poeta, que encontrou em velhos cadernos essas raridades. Ele costumava escrever músicas com temáticas românticas, mas não de uma maneira triste e ingênua. Carlos Severo era espontâneo e genuíno, pois usava muita graça e malícia. Esse estilo de compor foi influência de seus companheiros Teixeirinha e, sobretudo Ramos Cotôco. Carlos Severo também apreciava o ofício de pintor e sua admiração por Ramos Cotôco também o ajudou a fazer cenografia. Por todo o seu talento artístico, hoje Carlos Severo é, merecidamente, nome de rua.

Observação:  A rua Carlos Severo é a antiga rua Santo Antônio.






Leia também:

Parte I
Parte II
Parte III


Fontes: 1001 Cearenses Notáveis - F. Silva Nobre, BOÊMIA E MODINHA SERESTEIRA EM FORTALEZA (1888-1920) de Ana Luiza Rios Martins, ALENCAR, Edigar. Fortaleza de ontem e anteontem. Fortaleza: UFC, 1984. p. 87, Cronologia Ilustrada de Fortaleza de Miguel Ângelo de Azevedo.

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

Memórias de infância - O meu Jacarecanga

Meus irmãos e eu na nossa casa da Avenida Filomeno Gomes em 1987. Arquivo pessoal
As memórias de infância são aquelas doces recordações, de cheiros, de sabores e de lugares que nunca saem de nós, do que somos e do que fomos um dia...

Por já ter morado no  Jacarecanga e lá ter vivido os melhores momentos de minha meninice, muitas vezes me pego lembrando da minha época de inocência, época de andar descalça pela Avenida Filomeno Gomes, de tomar banho de chuva na pracinha do Liceu...


Meu irmão. Arquivo pessoal
Muitos moradores e ex-moradores, ou lembram-se da história do bairro ou ainda tentam salvar os resquícios dela, fazendo um verdadeiro mergulho no passado do bairro e da sua gente. Quem está apenas de passagem, precisa tentar ver, ao invés de apenas olhar. Só assim, prestando atenção nos detalhes, é que a vista alcança traços do passado elegante, quando o lugar era ocupado pela aristocracia cearense. Em outros tempos, o Jacarecanga abrigou palacetes e chácaras das famílias abastadas de Fortaleza. Os casarões eram erguidos em imitação às tendências arquitetônicas da França. Alguns desses imóveis foram restaurados, mas a maior parte deles, no entanto, encontram-se abandonados ou sobrevivendo à míngua. Isso sem esquecer dos inúmeros bangalôs que foram demolidos, verdadeiras joias que não tiveram seu valor reconhecido e ficaram apenas na memória de alguns, como uma foto que vai amarelando num álbum ou no fundo de um velho baú...


Meu pai e meu irmão em 1987 em frente a pracinha do Liceu. Arquivo pessoal
Tentarei descortinar para vocês, o MEU Jacarecanga, minhas memórias de menina e aquelas "memórias" que me apodero como se minhas fossem, mas são de apenas ouvir falar... Fecho os olhos e como se estivesse debruçada na janela da saudade, chego a sentir o frescor das abundantes e límpidas águas do rio que banha o bairro. Logo mais à frente, observo assustada a chegada avassaladora da urbanização, que modificou toda a paisagem, mas que também trouxe o progresso. Progresso esse que pelas mãos de um visionário*, muitos tiveram a oportunidade de trabalho e um lar para chamar de seu! 


Minha casa na Filomeno Gomes nº 50.
Minha irmã, eu e o meu irmão em 1984.
Pensar no MEU Jacarecanga é fechar os olhos e conseguir ver a pracinha do Liceu do jeitinho que ela era em meados dos anos 80, palco das minhas inúmeras quedas de bicicleta, várias vezes observadas pelo imponente Gustavo Barroso, que parecia me repreender sempre que chegava muito perto, visto que vários espinhos rodeavam seu monumento.
É lembrar as inúmeras castanholas que nós comíamos do chão mesmo, até dar dor de barriga. rsrs
A Praça do Liceu sempre teve muitas árvores e eu brinquei muito de casinha embaixo das suas copas frondosas.

Quando chegamos ao bairro, vindos da Água Fria, eu tinha uns quatro anos e meio. Assim que tive idade, minha mãe me matriculou no saudoso Colégio Juvenal Galeno. Fiquei lá do jardim de infância até a segunda série. 
Engraçado que quando eu era criança, o dia só amanhecia depois da sirene dos bombeiros, era o meu despertador diário e eu ficava deitada até ouvir que era hora de levantar pra vida! :D rsrs


Tristeza - O casarão sendo demolido nos anos 80. Arquivo Nirez
Feirinha da Praça do Liceu nos anos 80.
No bairro, sempre moramos na Avenida Filomeno Gomes, bem em frente à Praça Gustavo Barroso, vizinho ao Casarão de Meton Gadelha. Quando chovia muito, a Avenida alagava, virava uma piscina e a meninada aproveitava, a gente disputava a avenida com os carros que passavam jogando muita água nas calçadas, era uma farra!
Por falar no casarão, era o meu lugar preferido na hora das brincadeiras. No enorme quintal da casa de Meton de Alencar Gadelha, era onde meus irmãos e eu brincávamos de caça ao tesouro. Lá, além do “meu mundo verde” lotado de árvores frutíferas, também existia uma grande quadra de futebol de salão, que eu soube anos mais tarde, que havia sido construída pelo dono da firma Cisa (Caju Industrial S/A), quando esta funcionou no casarão. Tenho tantas lembranças daquele lugar que não consigo aceitar até hoje sua demolição. :(


Meus primos. 
O casarão foi construído para servir de residência ao empresário Meton de Alencar Gadelha, que era dono da Tipografia Gadelha e mantinha o Jornal do Comércio. O responsável pela construção foi o engenheiro Alberto Sá. A casa ficou pronta e foi inaugurada no dia 08 de dezembro de 1930.
Em 04 de setembro de 1945, Meton Gadelha vendeu a casa para o seu sócio José Vidal da Silva. E de 1977 até 1979, funcionou no casarão o escritório da CISA. Depois disso, a casa ficou abandonada. 
Quando fomos morar no bairro, ela já se encontrava em estado de abandono e ficou um bom tempo assim, até ser invadida por uma família de índios. Ainda bem que eles ficaram pouco tempo na casa, o que foi muito bom, pois com a presença deles, não tínhamos coragem de pular seu muro e ir brincar no quintal.


Reinauguração da Praça do Liceu após grande reforma na
década de 90.
Teve um tempo que passaram a realizar quadrilhas na quadra do casarão e era muito divertido, ficava lotado. Até os moradores do Ed. Jataí desciam pra assistir de perto toda aquela alegria junina!
Pela proximidade com o riacho Jacarecanga, o terreno era propício ao nascimento de diversas frutas e ao pé do muro, era normal encontrar pequenos abacaxis ou suculentos tomatinhos.

Em um fatídico dia do ano de 1985, a casa foi demolida. Ela havia sido vendida a uma grande construtora. Infelizmente, não demoliram só a casa, junto com ela, demoliram as lembranças de uma época, de um tempo feliz... O casarão já não era de Meton Gadelha, era nosso, era furtivamente nosso, era patrimônio do Jacarecanga!

Depois volto e conto um pouco mais sobre o MEU Jacarecanga. :)
E você, quais lembranças tem do seu bairro?


"Pedro Philomeno, Homem visionário, apesar de rígido com seus subalternos, construiu a Fábrica Gomes & Cia Ltda em concomitância com a Vila operária. A Usina São José na parte alta e a Vila na baixa, cujas conclusões datam de 1926. Agora, convém salientar de que originalmente a Vilazinha não era essa que lá está.
A Vila São José primitivamente era umas casas formando um L, ou seja, as Ruas Maria Estela e Isabel. Ficou muita vegetação nativa, com uma arborização impressionante. O lençol freático era cristalino e tinha um chafariz (o primeiro) onde em 1963 seu térreo se transformou no Bar do Seu Teles. Tão bom era o liquido, que recebeu o batismo de “Poço de São Jacó. Assis Lima

Bom, mas isso é assunto para outra postagem! ;)



sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

O Urbanismo de Nestor de Figueiredo - Parte II



Essa citação é lapidar em revelar o outro lado da cidade, a falta de rede de água e esgoto para os bairros mais pobres, o problema da seca, o isolamento dos bairros pobres da cidade com o centro, e o mais importante, que tipo de urbanização a prefeitura estava realizando? Abrir ruas e derrubar coretos resolveria os problemas da maioria da população? Sem falar na mudança na estratégia do governo, que agora reconhecia a necessidade de contratar um especialista, e pensar a cidade na sua totalidade. É importante frisar que o projeto de urbanização do Estado, não mudou o seu foco central, separar os bairros pobres dos ricos, visando um maior controle da população e uma melhor circulação de mercadorias. Não obstante, os caminhos a serem percorridos sofriam constantes alterações, e não dependiam apenas dos desejos e anseios do prefeito ou de qualquer estadista.

Destarte, não se pode exercer o controle total da cidade, embora seja esse o intuito do urbanismo. Como dito no post anterior, esse urbanismo também tem como função homogeneizar os espaços, modelar as relações sociais heterogêneas, obliterando as características peculiares dos espaços sociais. Todavia, o projeto urbanístico de Nestor Figueiredo não é tão diferente dos projetos anteriores, na medida em que adota padrões eurocêntricos, mantém o traçado xadrez, e legitima as desigualdades sociais materializadas nas formas espaciais dos bairros, centro em oposição às periferias.


Vista aérea da cidade na década de 30. Nirez
Existia uma abissal diferença entre o discurso de urbanização do governo, e as práticas desenvolvidas na cidade. Um caleidoscópio quase infinito de problemas sociais norteava a capital, na mesma época em que a prefeitura inaugurava as praças e os equipamentos modernos. As reformas materiais da cidade se limitavam ao perímetro central, lócus por excelência do comércio e desenvolvimento do capital. O crescimento desordenado tinha endereço, os subúrbios, bairros que se erigiram na lógica da necessidade, próximo às linhas de trem, Porto e as fábricas. O Centro não poderia ser afetado por essa “desordem”, daí a necessidade de centralizar o poder e pensar a cidade na sua dinâmica total. Não obstante, em que medida se pode falar de um crescimento desordenado, se a separação do centro dos bairros mais pobres se manteve durante o período, e o traçado em xadrez permanece até os tempos hodiernos. O termo desordenado transmite uma impressão de que a urbanização de Fortaleza foi feita ao caso, sem a presença efetiva do Estado e frações capitalistas, como fosse resultado apenas de um aumento demográfico oriundo da seca de 1932. O plano urbanístico que tinha como meta racionalizar o caos, só se justificava por sua presença. E, aos olhos de muita gente não parecia viável, principalmente pelo alto custo, e por ter questões de primeira ordem, alicerçares para serem resolvidas antes.

O projeto em perspectiva, por mais perfeito agacemente falando, não fará muita coisa além do que já está feito, precisamos falar claro. Ademais, mesmo com as rendas assegurada do Matadouro- nova fonte de receita de vulto, para o município- essa despesa nos parece que bem poderia ser evitada. Não porque não a possa fazer a prefeitura, mas porque há serviços que estão reclamando mais urgentes providências para a sua realização. Neste caso vem em primeiro plano o calçamento. Temos ruas centrais já sem uma pedra; praças em idênticas condições e outras calçadas, mas em tal estado que melhor fora não o fossem, o que dá a impressão, ante o concreto das vias centrais, de assemelhar Fortaleza a uma girl de sapatos Lis XIV. [...] Não queremos condenar a tal urbanização. Achamos apenas que, com os nossos, é um tanto cedo para se tratar disto. (IDEM, 29/12/1933 p. 03).

Planta de Fortaleza em 1932 - Ano de seca.
A precariedade da urbanização, e das obras erigidas durante o ano desacreditava um setor da imprensa, que achava primordial resolver os problemas centrais de moradia, calçamento, rede de abastecimento de água, que causou enorme transtorno em 1932, e persistiu em 1933, mesmo com a o advento das chuvas. As epidemias de doenças que se espalhavam na cidade, como lepra, alastrim, varíola, tuberculose, etc, os acidentes de trabalho, tudo isso se propagava numa imensa velocidade, com o aumento das obras, os diversos casos de saques em lojas, casa e prédios, os acidentes de trânsito, que não eram mais raros, e diuturnamente faziam vítimas estampando as páginas dos periódicos. Neste sentido podemos falar de caos e desordem, mas que não foi uma peculiaridade da urbanização de Fortaleza.

A Fortaleza dos fícus Benjamin em 1932.
A produção capitalista do espaço se baseia na distribuição assimétrica da riqueza, pois tem como essência a manutenção da propriedade privada. O projeto do governo, orquestrado por Nestor Figueiredo, não poderia fugir desse axioma. A centralização da prefeitura na perspectiva de criar um plano que projetasse o crescimento da cidade estava pautada na administração dessas desigualdades, jamais na sua solução. Todavia, o projeto não sai do papel, provavelmente devido ao seu custo operacional. O governo ainda cria uma subcomissão para executar o plano, reunindo quase todas as lideranças da prefeitura, com o apoio da interventoria, e sob a liderança do engenheiro, mesmo assim não vai adiante.

Vista aérea parcial do Benfica num raro cartão postal dos anos 30, com destaque para a
Avenida da Universidade à direita. Acervo Marcos Siebra
Apesar do plano urbanístico não ter se materializado no sentido como foi pensado, nas cláusulas do artigo do contrato, não podemos compreender Fortaleza na década de 1930 sem a sua intencionalidade, e como principio “educativo” para as administrações posteriores. A cidade não poderia ser construída por forças “naturais” do acaso e da aglomeração, os ricos não poderiam pleitear o seu sono na morada dos pobres, residências, comércio e indústria, são coisas diferentes e deveriam, por conseguinte, habitar espaços diferentes, o centro deveria ser tomado como prioridade urbanística, a circulação de mercadorias é tão importante quanto a circulação de capitais.
Em linhas gerais, esses conjuntos de fatores que ilustraram a cartilha de Nestor Figueiredo definiram, em boa medida, a morfologia espacial de Fortaleza na década de 1930. O fato do plano não ter sido aplicado de uma vez, como uma racionalidade matemática que tenta planificar e padronizar tudo, não retira a importância do sentido da urbanização que estava sendo implantada no período, que tinha por objetivo efetuar mudanças espaciais para deixar tudo exatamente como estava a cidade era pensada como uma reta, porém, mesmo o Estado, mais centralizado, não tinha o poder de definir quem andaria e “entortaria” essa reta.


Leia também:
As melhorias urbanas durante a seca de 1932
A Seca e a Modernidade da Capital
A Seca, o conflito político e a favelização da capital
Seca e Campos de Concentração em Fortaleza

Crédito: Artigo 'A produção do espaço urbano de Fortaleza à partir da Seca de 1932' de Rodrigo Cavalcante de Almeida.


Fonte: http://memoria.bn.br

domingo, 7 de janeiro de 2018

O Urbanismo de Nestor de Figueiredo


Plano Nestor de Figueiredo. Arquivo FbioMatos
É linguagem comum falar de um crescimento desordenado do espaço urbano de Fortaleza a partir da década de 1930. Em grande medida, contribui para essas análises a explosão demográfica causada pelas secas, em especial, a seca de 1932. Porém, não se analisou até que ponto essa urbanização foi realmente desordenada. Não havia planejamento do estado? E se havia planejamento, em que medida foi eficiente? Qual foi o papel que o urbanismo exerceu nesta urbanização?
Jornal A Ordem - 22/04/1933
A tentativa de traçar um plano urbanístico para Fortaleza data de meados do século XIX, com o plano em xadrez de Silva Paulet, e depois em 1875, com ampliação do traçado em xadrez por Adolfo Hebster, influenciado pelas reformas do Barão de Haussmann, na França, contornando o centro comercial com um conjunto de avenidas chamadas de Boulevards. De acordo com Castro (1977, p. 30), “o plano em xadrez está intimamente ligado a objetivos colonizadores ou de expansão urbana. Era o traçado helenístico por excelência, empregado por Alexandre, o Grande, nas cidades recém-criadas em seu vasto império. Era o traçado da colonização romana, introduzida algumas peculiaridades”. Não obstante, a perspectiva de se estabelecer um plano urbanístico continua na década de 1930, especialmente após a seca de 1932, sendo, inclusive, criado um conselho consultivo para desenvolver um plano de urbanização para a capital. “O conselho consultivo em sua sessão de ontem deliberou acerca da consulta feita pelo Sr. prefeito municipal sobre o projeto de urbanização da cidade a ser contratado pela prefeitura com o engenheiro Nestor de Figueiredo”. (O NORDSTE, 12/07/1933 p. 01). Todavia, o conselho não se mostrou favorável ao plano de urbanização apresentado pelo arquiteto Nestor de Figueiredo, dando o seguinte parecer:

Nestor de Figueiredo
De todo o exposto, resulta que sem negar a necessidade de retoques e ampliações no plano atual de desenvolvimento de Fortaleza, discordo todavia da conveniência de uma obra geral de reforma do mesmo plano, com o caráter amplo e suntuário que necessariamente teria o projeto do engenheiro Nestor Figueiredo. [...] Julgo que as necessidades urbanas, determinadas pelo crescimento da cidade, as modificações que acima aludi à conveniência enfim de disciplinar esse crescimento, poderá ser atendida gradativamente, sem dispêndios extraordinários e onerosos pela própria Secretaria de Obras e Viação da prefeitura. [...] Toda questão está naturalmente em aparelhar esse departamento de recursos necessários, provendo-o dos meios para a elaboração desse plano- o que se deve ir fazendo gradualmente, a medida das reais necessidades de Fortaleza, de acordo mesmo com a mentalidade ambiente e na proporção, o que é essencial, dos recursos econômicos normais do município. (O NORDESTE, 12/07/1933 p. 01).

Jornal A Razão de 09 de setembro de 1936


Continuação. Jornal A Razão de 09 de setembro de 1936

Final. Jornal A Razão de 09 de setembro de 1936
Existiam, portanto, dois projetos de controle do crescimento da cidade. Um projeto elaborado por Nestor de Figueiredo, que pensava numa reforma mais radical, de investimentos mais vultosos, para uma reforma geral da urbe. E, num sentido diametralmente oposto, o plano defendido pelo conselho consultivo, que deveria ser executado pela própria Secretaria de Obras do Município, tendo como prioridade mudanças gradativas de acordo com os recursos econômicos do Estado, em outras palavras, sem gastar muito dinheiro com as reformas. Porém, o que havia de similar em ambos os projetos, era o reconhecimento de “disciplinar” o crescimento urbano. A cidade tinha que ser apreendida por uma racionalidade instrumental, não poderia ser deixada ao fluxo espontâneo da desordem provocada pelo aumento populacional. Esta era a tarefa do “urbanismo”, padronizar a cidade, dirimir sua heterogeneidade, considerada como uma contradição. Como o urbanismo conseguiria resolver.

Foto aérea de meados da década de 30, vendo-se o Parque da Liberdade.
O projeto de Nestor de Figueiredo se enquadra numa tentativa de ordenar a cidade, da aplicação de uma lógica industrial e evacuação da “racionalidade urbana”. Porém, ele é apresentado travestido de uma couraça reluzente que chega a ofuscar os seus objetivos.

Realizou-se ontem na sede da prefeitura municipal, a anunciada exposição do plano de urbanização de Nestor Egídio Figueiredo. [...] Começou tecendo algumas referências ao alcance e responsabilidade desse contrato, que devia ser mais uma obra de previsão que de momento. Discorreu sobre o urbanismo, analisando-o sua existência na antiguidade, no seu colapso na idade média, e em seu recente ressuscitamento no século passado, novamente preocupado com os planos urbanísticos. Explicou aos presentes como esses planos devem obedecer não somente a técnica pura, mas também ao lado emocional, poderíamos dizer, romântico, de acordo com a psicologia dos povos habitantes das diversas cidades. Para o plano de urbanização de Fortaleza, havia a considerar, portanto, estes dois lados igualmente importantes e necessários. Seus habitantes têm sentimentos morais próprios, que constituem um delicioso motivo de beleza coletividade cearense. (A RUA, 20/12/1933, p. 03).

Vista aérea do Centro nos anos 30. Arquivo Nirez
Figueiredo tem consciência do papel que o urbanismo exerce na remodelação de uma cidade. Não é por acaso que no seu discurso ressalva a importância dos sentimentos, valores morais, e costumes dos seus habitantes, pois o urbanismo age exatamente no sentido oposto.
A exposição do plano urbanístico continua, salientando que “o plano urbano deve presidir sempre o critério de previsionar, isto é, impedir males futuros. A utilidade pública está acima da obra de luxo. As cidades de hoje apresentam estas falhas que obstam a expansão e a formação de uma futura cidade”. (A RUA, 20/12/1933 p 01). O traçado da cidade continuaria na linha desenhada por Paulet, Boticário e Hebster, porém ampliando o perímetro e a sua dimensão global. Não apenas a divisão das ruas seria levada em consideração, mas um conjunto amplo de fatores. Observamos melhor as características do plano, nas suas cláusulas contratuais, que define como seria desenvolvido o projeto.

1 Parte- Análise da aglomeração nos seus múltiplos aspectos no tempo e no espaço de acordo com os pontos de vista físico, geológico, hidrogeológico, geográfico, hidrogeográfico, meteorológico, histórico, social, econômico. 2 Parte- Elaboração do plano em cartas, quadros sinópticos, etc. 3 Parte- Organização do plano diretor que deverá compreender a ossatura do plano, os meios de transporte e zoneamento, organização do comércio varejista, bairro industrial e zona do porto, localização dos bairros residências, determinação dos espaços verdes, gabaritos, legislação e regulamento, estudo de uma legislação especial do plano diretor com conexão com o código municipal de construções. O plano geral para o desenvolvimento sistemático da cidade atende a uma população de 250 mil habitantes. (O NORDESTE, 20/12/1933 p 01).

Vista aérea do final da década de 30.
As partes do contrato mostram a dimensão do plano urbanístico. Tratava-se de um projeto para a cidade envolvendo aspectos econômicos, sociais, políticos, estudos geográficos, geológicos, hidrogeográficos. A capital foi pensada na sua estrutura global, pois havia separação de bairros industriais dos residenciais, organização do comércio varejista, do sistema de transporte, criação de uma legislação própria em conexão com o código de construção do município, análise das aglomerações, que na época já se tornara um problema, e, por fim, uma projeção para o futuro, pois o plano tinha como base atender uma população de 250.000 habitantes, ou seja, o dobro da população do período¹.
O projeto de Nestor de Figueiredo sofreu muitas críticas, dentre um dos motivos, o fato de pensar em 250.000 habitantes, sem levar em consideração a realidade financeira do município. No contrato, ficaram acordados que a prefeitura pagaria o valor de 120.000$ ao engenheiro, em cinco prestações. Além do valor da obra em si, que pela vultuosidade do projeto, envolvendo desde arborizações a separação de bairros, não se podia ter um número preciso do gasto. Uma crítica mais contundente analisava os principais problemas sociais da cidade, destacando-os como prioridade, em detrimento de um projeto, que além de custar caro para a população, não resolveria as dificuldades dos que mais necessitavam de urbanização.

Fortaleza em 1937
¹A população do Brasil, no ano de 1933, foi estimada em 43.340.000 habitantes, tendo o Estado do Ceará, 1.800.000, e Fortaleza 126.000, a sétima cidade mais populosa na época. Almanach Administrativo, Estatístico, Industrial e Literário do Estado do Ceará para o ano de 1934 confeccionado por João da Camara. Fortaleza: Empreza Tipographica. P. 30. No ano de 1934, a população de Fortaleza teve um ligeiro aumento, passando para 133.066, tornado-se a oitava cidade mais populosa . Almanach Administrativo, Estatístico, Industrial e Literário do Estado do Ceará para o ano de 1935 confeccionado por João da Camara. Fortaleza: Empreza Tipographica. P. 140 à 144. Portanto, o projeto se balizava num crescimento futuro da cidade.


Leia também:
As melhorias urbanas durante a seca de 1932
A Seca e a Modernidade da Capital
A Seca, o conflito político e a favelização da capital
Seca e Campos de Concentração em Fortaleza

Crédito: Artigo 'A produção do espaço urbano de Fortaleza à partir da Seca de 1932' de Rodrigo Cavalcante de Almeida.
Fonte: http://memoria.bn.br

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