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Blog sobre essa linda cidade, com suas praias maravilhosas, seu povo acolhedor e seus bairros históricos.

 



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sábado, 9 de outubro de 2021

Messejana - Quando os caminhos eram veredas

 

O. Justa 1919

O processo de assentamento das populações que mais tarde dariam origem a Messejana teve início quando o território cearense recebeu as primeiras incursões organizadas, tanto a mando da Coroa Portuguesa, quanto pela Igreja Católica. Cada incursão tinha objetivos diferentes e, ao longo do caminho, deparava-se com diversas etnias, nativas ou recém-chegadas, de outros pontos do território brasileiro, principalmente do Nordeste.

Em meio a essa diversidade, destacava-se a população de nome Potiguara, estabelecida no litoral cearense depois de enfrentar inúmeros conflitos na região onde hoje está situado o estado do Rio Grande do Norte. Dessa presença é atribuída a expressão Ceará, nome dado mais tarde ao rio que fica na divisa entre Fortaleza e o município de Caucaia, expressão trazida por eles, replicando nome de rio existente em sua terra natal.

Antiga Estrada de Messejana


No entanto, uma das principais concentrações de nativos entre o final do século XVI e início do século XVII dava-se na Serra da Ibiapaba, interstício entre o Ceará e o Maranhão. Este último contando com significativa presença francesa, fato motivador do envio da expedição de Pero Coelho às veredas cearenses, cujo intuito era o de garantir o julgo português sobre aquela estratégica região.

Essa tentativa, ocorrida a partir de 1603, logrou certo êxito, principalmente ao derrotar os inimigos de seu intento em algumas batalhas. Contudo, a condição não lhe era favorável devido à escassez de recursos para sobrevivência, falta de estrutura e clima hostil, fatores que somados à tentativa de dar sequência à sua campanha, visando a expulsão dos franceses do Maranhão, tenha resultado na
mitigação de suas forças, obrigando-o a retornar com seu séquito para a região próxima ao Rio Ceará.

Estrada de Messejana - O. Justa 1919

No esteio desse insucesso, seguiu outra malograda expedição quatro anos depois, agora comandada por padres jesuítas sob o pretexto de “ganhar almas” para a
Igreja Católica. Tendo à frente os Padres Luís Figueira Francisco Pinto, essa tentativa de instituir um processo de “civilização” desembarcou na foz do Rio Jaguaribe, em fevereiro de 1607, iniciando ali uma longa jornada de um mês, culminando com sua chegada à enseada do Pará, região próxima ao atual município de Parucuru. Ali, eles passaram cinco dias juntos a alguns índios, preparando-se para a subida da Serra da Ibiapaba, com objetivos específicos,
e sempre focados nos interesses da Coroa Portuguesa.

A Messejana dos anos 20. Acervo Museu da Imagem e do Som


Depois de outra extenuante caminhada, o grupo liderado pelos religiosos alcançou a região da Serra da Ibiapaba, onde adensavam-se várias etnias. Lá, os padres
passaram a aprofundar os seus trabalhos de catequese.
Infelizmente, no início de 1608, um ataque desferido por índios Tocarijus resulta na morte do Padre Francisco Pinto e, consequentemente, na fuga antecipada do Padre Luís Figueira para a mesma região onde a combalida expedição de Pero Coelho estivera anos atrás.
Estabelecido após o infortúnio e martírio do colega, o Padre Luís Figueira organiza um pequeno ajuntamento que ele denomina em seus relatos de “Aldeia de São Lourenço”, por ter sido fundada no dia em que o dito santo é homenageado pela Igreja Católica. Esse refúgio serviu de abrigo ao padre até o seu embarque,
deixando para trás as lembranças daquela infeliz viagem, tudo exposto no documento intitulado “A Relação do Maranhão”.


As duas tentativas desastrosas de estabelecer o domínio 
português no Ceará não contribuíram substancialmente para indicar o início de um processo de povoamento denso da região, tendo em vista que antes do europeu já habitavam aqui populações nativas e recém-chegadas, como é o caso da etnia Potiguara.  
Apenas entre 1611 e 1612, com o retorno de Martim Soares Moreno ao Ceará como seu Capitão-Mor, observa-se o florescimento da ocupação do litoral a partir da construção, por obra do próprio Martim, de uma ermida em homenagem a Nossa Senhora do Amparo e de um fortim na embocadura do rio Ceará, passando essa edificação a servir como um dos pontos de ancoragem daquele litoral.


Esse estabelecimento português acontece de forma mais tranquila devido à relação amistosa entre o fidalgo português e o chefe Jacaúna, liderança dos potiguaras em
território cearense, conhecida por Martim Soares Moreno desde a sua passagem junto à comitiva de Pero Coelho, amizade cultivada devido à forma como o Capitão-Mor respeitava seu povo, o que era facilitado pelo conhecimento que tinha da língua dos índios.
Jacaúna e seu povo foram trazidos da região do rio Jaguaribe até o Forte, a convite de Martim, para habitarem próximos ao rio Ceará, onde ficava a base de operação da ocupação portuguesa. O objetivo era ajudar na construção das estruturas necessárias para a manutenção da população e resguardar a região contra o ataque de tribos arredias à presença estrangeira. A aldeia de Jacaúna distava do referido
Forte cerca de meia légua, aproximadamente três quilômetros, onde hoje temos a fronteira entre o bairro da Floresta e Álvaro Weyne, em Fortaleza.

Antiga Estrada de Messejana. O. Justa 1919

Seguido a esse momento, em 1613, Martim Soares Moreno deixa o Ceará para se dedicar a outras missões em nome da Coroa Portuguesa, só retornando em 1621,
passando então mais uma década junto ao amigo Jacaúna, repelindo ataques às tentativas de afirmação portuguesa na região. Em 1631, Martim deixa em definitivo o Ceará para combater a ameaça holandesa que avançava sobre os interesses lusitanos.
É notável a participação potiguara nos acontecimentos que movimentaram o início do século XVII no litoral cearense, contribuindo em muito nos primeiros passos dados a caminho da consolidação do adensamento da região. De forma menos agressiva, essa etnia mantinha relações de negócios com os portugueses desde as tensões no Rio Grande do Norte, fato que ajuda a estabelecer o julgo colonial no Ceará. Contudo, dentro desse grupo social e cultural brotou o interesse em afastar os portugueses, tendo como causa o histórico de massacres e humilhações, 
inclusive por meio da escravidão contra os índios.

Estrada de Messejana. O. Justa 1919

Nesse cenário, fortalece-se a figura de Amanay, ou Algodão, filho de Jacaúna, que opera junto aos holandeses e outras lideranças nativas, formando uma aliança cujo resultado é a expulsão dos portugueses do Ceará no ano de 1637 e, por conseguinte, a tomada do Forte de São Sebastião, na Barra do rio Ceará. Nesse momento, inaugura-se um período que duraria até 1644, quando ocorre um grande massacre de holandeses por conta da insatisfação dos índios e em represália as mesmas práticas utilizadas pelos portugueses contra suas populações.
Depois de vários conflitos, o lugar do Forte é transferido pelo holandês Mathias Beck para a atual localização da Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção, situada às margens do majestoso Rio Pajeú, que naquela época corria de beira à beira, fato esse acontecido em 1649.

Estrada de Messejana. O. Justa 1919

Nessa altura, Portugal atua para restaurar sua primazia. Para tanto, aproveita as falhas cometidas pelos invasores do momento para incitar as tribos, promovendo,
assim, a desestabilização do domínio holandês, fato esse dado por encerrado no ano de 1654, devolvendo o controle daquelas terras à Coroa Portuguesa. Por conta disso, algumas populações que apoiaram os holandeses no primeiro momento, inclusive os potiguaras de Amanay, mantêm-se afastadas da região do forte, possivelmente com receio de novas represálias por parte dos portugueses.

Nesse meio tempo, visando evitar os problemas que envolviam um cenário de conflito e tensão, a Coroa Portuguesa se previne contra novas rebeldias, impedindo
qualquer atividade que pudesse configurar revanche contra os apoiadores dos holandeses, sem deixar de manter as estratégias de controle destinadas aos povos nativos. Esse novo contexto favorece a organização do território cearense,
culminando com o surgimento bem definido das três aldeias do forte: Parangaba, Paupina e Caucaia.


Messejana / Edmar Freitas - Fortaleza: Secultfor, 2014. Coleção Pajeú


sábado, 22 de agosto de 2020

Ferroviário Atlético Clube - O Ferrim

Em 9 de maio de 1933, nascia o Ferroviário Atlético Clube, fundado por trabalhadores da Rede de Viação Cearense (RVC). Considerado o clube de maior expressão esportiva de raízes operárias do Brasil, o Ferrim, assim tratado por seus apaixonados torcedores, é símbolo da democratização do futebol nacional e precursor do futebol profissional do Ceará.
o clube sempre foi ligado às camadas mais populares do estado, sendo por décadas considerado um "time do povo", levando multidões aos estádios.

Hidroporto da Barra do Ceará
No início da década de 1930, a RVC, antecessora da Rede Ferroviária Federal S/A (RFFSA), instalou oficinas de manutenção de locomotivas, carros e vagões na então distante região do Urubu, precisamente onde hoje é a sede da Transnordestina, sucessora da Companhia Ferroviária do Nordeste (CFN), na Avenida Francisco Sá – tal logradouro corresponde à antiga Estrada do Urubu, importante via de comunicação com a Barra do Ceará, onde havia um hidroporto. 

À época, Fortaleza restringia-se praticamente ao seu centro histórico. Naquela área, ao longo dos anos, concentrou-se toda uma população humilde, na maioria fugida da seca, fomes e latifúndios do sertão. Não foi coincidência que, no intuito de servir-se da mão-de-obra barata, representada por essa população carente, nesse local foram instaladas várias indústrias.

Com muitas atividades para executar, a diretoria da RVC determinou a realização de horas extras noturnas, das 18h às 20h, nas citadas oficinas do Urubu, visando a recuperação de mais locomotivas, carros e vagões. Ao final do expediente normal, às 16h25min, os operários mais jovens, sobretudo aqueles que moravam longe, aproveitavam o “intervalo forçado” para jogarem o foot-ball, como chamavam. Assim, se divertiam enquanto aguardavam o tempo passar. Cotizaram o dinheiro para a compra de uma bola e, armados de pás e enxadas, limparam um terreno vazio dentro das oficinas, tirando matos, arrancando tocos e nivelando-o. Para completar a construção do campo, confeccionaram traves a partir de tubos retirados de caldeiras de velhas locomotivas.

1938 - 1º REGISTRO FOTOGRÁFICO DO FERROVIÁRIO
Em pé: José Severiano Almeida (diretor), Oscar Carioca, Procópio, Adelzirio, Dudu, Bitonho, Zeca Pinto (atacantes), Valdemar Caracas (técnico) e Alberto Gaspar de Oliveira (diretor); Agachados: Baiano, Zimba, Boinha (médios), Zé Felix e Popó (zagueiros); Sentados: Gumercindo e Puxa-faca (goleiros). 
Crédito: Site oficial do Ferroviário

Daí em diante, no finalzinho da tarde, tornou-se sagrado o “racha” entre os operários nas oficinas do Urubu. Para maior deleite, improvisaram até dois times, Matapasto e Jurubeba, nomes de ervas, uma homenagem irônica dos proletários aos matos que havia no terreno e que deram tanto trabalho na preparação do campo. Com o sucesso das “peladas” veio a feliz ideia de organizar “algo maior”. Em reunião na casa do mecânico José Roque (o “Gordo”) os boleiros da RVC decidiram unir Matapasto e Jurubeba para formar um time de fato, capaz de jogar pela periferia nos finais de semana e até participar de campeonatos suburbanos. Dentro do óbvio, a equipe recebeu o nome de Ferroviário – apenas Ferroviário, por pouco não sendo chamado também de “Ferrocarril”, a exemplo de outros clubes sul-americanos oriundos de companhias férreas. Escolheu-se ainda um uniforme com listas verticais nas cores vermelha, preta e branca.

Foto de 1945 - Crédito: Site Oficial

Foto de 1946 - Crédito: Site Oficial

As “movimentações esportivas operárias” não passaram despercebidas a Valdemar Cabral Caracas, então influente chefe do escritório de manutenção da RVC e igualmente apaixonado por futebol. Nascido na cidade de Pacoti, interior serrano do Ceará, em 9 de novembro de 1907, deu vida oficial à ideia e destacou-se, portanto, como o principal fundador do, hoje, Ferroviário Atlético Clube. Foi também o primeiro comentarista de futebol do estado, trabalhando na Ceará Rádio Clube, pioneira da radiofusão cearense. Valdemar Caracas faleceu no dia 14 de janeiro de 2013, aos 105 anos de idade.

Foto de 1946 - Crédito: Site Oficial

Foto de 1947 - Crédito: Site Oficial

Foto de 1950 - Crédito: Botões para sempre

Chinês faz o  primeiro Gol do Estádio Presidente
Vargas em 14 de setembro de 1941 
No ano de 1937, o Ferroviário Atlético Clube disputa a Série B do cearense e com sua conquista, assegura a vaga do estadual seguinte. Em seu primeiro estadual com os grandes do futebol local, o Ferrão fica na nona colocação, no total de dezesseis equipes na competição, com um time formado em sua maioria pelos operários da Rede de Viação Cearense. Valdemar Caracas queria ir longe, promoveu o início da profissionalização do futebol cearense, em 1939, trazendo o zagueiro Popó do Great Western de Pernambuco. Era só o começo das primeiras contratações de fora na vida do clube. Também do futebol pernambucano, vieram o craque Zuza e o extrema-esquerda Chinês. Do interior do Piauí, veio o endiabrado Pepê. Mas foi de São Paulo a chegada mais festejada, o centro-médio Miro, titular do Corinthians.

Mascote
Tubarão da Barra já teve inúmeros confrontos inesquecíveis contra outros grandes times nacionais e até contra a Seleção Brasileira, em amistoso preparatório para os Jogos Olímpicos de 1968. Por falar em Seleção, em 1959, Zé de Melo, o primeiro cearense a vestir a camisa amarelinha, pertenceu ao Ferroviário. Depois dele, vieram mais, como Mirandinha e Jardel, ambos formados nas vitoriosas categorias de base do clube. A mesma fábrica que produziu, dentre tantos Ouros da Casa, o craque Iarley, bicampeão mundial interclubes.

Foto de 1952 - Crédito: Site Oficial

Foto de 1957 - Crédito: Site Oficial


A galeria coral já contabiliza mais de 100 conquistas oficiais, entre campeonatos, copas, torneios e taças. São 9 títulos do Campeonato Cearense, incluindo um invicto em 1968 e o bi de 94/95, e 22 vices. No Nordeste, foi também vice em 1971. Foi um dos primeiros clubes de futebol do estado do Ceará a disputar uma competição internacional fora do território brasileiro, em 2007, fazendo a final da Polar Cup, no Caribe, contra o FC Utrecht, da Holanda. Com 28 participações no Campeonato Brasileiro, o Ferroviário já esteve por 6 anos seguidos disputando a Série A

1969 - Ferroviário. A partir da esquerda (em pé): Ribeiro, Luís Paes, George, Wilson Cruz, Roberto e Coca-Cola. Na mesma ordem (agachados): Fernando Consul, Uriel, Alcir, Edmar e Léo. Detalhes: George também brilhou Ceará e na Seleção Cearense. Edmar foi um dos maiores campeões do futebol cearense. Ribeiro foi campeão cearense pelo América em 1966. (Colaboração de Elcias Ferreira). Crédito: Botões para sempre

Interessante salientar que o Ferroviário já disputou competições de Futsal, Basquetebol, Handebol, Futebol de Mesa, Hóquei sobre patins, Atletismo, Ciclismo e Tênis de Mesa. No futebol, principal esporte em que atua, foi o primeiro time da capital cearense a ter sido campeão brasileiro em uma divisão quando ganhou a Série D de 2018.

Década de 1970. Ferroviário Atlético Clube. A partir da esquerda (em pé): Breno, Luís Paes, Simplício, Gomes e Louro. Na mesma ordem (agachados): Mano, Paulo Veloso, Facó, Edmar e Fernando Cônsul. (Acervo de Elcias Ferreira). Crédito: Botões para sempre

Alcunhas do Ferroviário:

  • Tubarão da Barra
  • Peixe
  • Ferrão
  • Ferrim
  • Erreveceano
  • Time do povo
  • Time proletário

Foto de 1965 - Crédito: Botões para sempre

Foto de 1970 - Crédito: Botões para sempre

Com a palavra, o fundador:

Vou falar sobre o Ferroviário, precisamente do Ferroviário Atlético Clube. Nascido em 1933, fruto da junção das equipes “Matapasto” e “Jurubeba”, recebeu, na pia batismal, o nome de Ferroviário Football Clube, mas, na confirmação da crisma, fiz substituir o Football por Atlético.

Antes que me perguntem, vou dar, para vocês, esta explicação primordial. Iniciava-se o ano de 1933, quando a direção da Rede de Viação Cearense autorizou a execução de serviços extraordinários nas oficinas do Urubu, para a reparação de locomotivas, carros e vagões, durante um expediente noturno, que começava às 18 e terminava às 20 horas. Como o expediente normal expirava às 16h25min, os operários mais jovens que residiam longe dali (Barro Vermelho, Soure, Otávio Bonfim, Quilômetro 8, Parangaba e Mondubim) resolveram aproveitar a hora de folga para a prática de futebol; na preparação do campo, a relva retirada do espaço a ele destinado, era constituída de mata-pasto e jurubeba.

Foto de 1979 - Crédito: Botões para sempre

A verve operária, que era fértil, escolheu, então, estas plantas medicinais para denominação das duas onzenas que se defrontavam todas as tardes, no campo improvisado. As traves das metas eram roliças, confeccionadas que foram com tubos inservíveis, retirados de caldeiras das “Marias-fumaça”. Com aquele “timezinho” cognominado apenas de Ferroviário, eles, os operários-atletas, ou melhor, pebolistas, foram aos subúrbios onde realizaram partidas amistosas, com real proveito para a harmonia do conjunto, tudo sem qualquer interferência da minha parte.

Foi, então, que deliberei fazer dele gente, como se diz na gíria. Reuni operários, meus companheiros, promovi sessão com livro para a lavratura de atas, fiz um retrospecto da agremiação que surgia, completei o nome desta e disse-lhes da importância daquela reunião, como fator auspicioso para projeção da classe ferroviária. Era pretensão minha que tal ocorresse a 9 de novembro, quando eu completaria 26 anos, mas o entusiasmo exigiu a antecipação e não perdi tempo, marcando o dia para 9 de maio, exatamente 6 meses antes de 9 de novembro. Parti, então para a nova missão, aproveitando as horas disponíveis da minha atividade funcional.

Foto de 1988 - Crédito: Botões para sempre

Fui tudo no Ferroviário, menos presidente, porque nunca quis sê-lo. Fui pai, mãe, babá e, sobretudo, seu educador, disciplinando-o, pois a equipe suburbana era useira e vezeira em tomar o apito do árbitro, quando a decisão deste não lhe fosse agradável. Acabei com essa prática danosa ao seu comportamento, o time se fez clube, cresceu e está aí, vencendo os tropeços e dando alegrias a todos nós, seus torcedores.
Valdemar Caracas - 1994


Créditos: Site Oficial, Wikipédia e Botões para sempre.

segunda-feira, 8 de julho de 2019

Do molhe do Titan à formação da Praia Mansa

Ponta do Mucuripe ainda sem o porto
A ideia de implantação de um porto na região do Mucuripe vem desde o século XVII. Isto se torna evidente quando Mathias Beck, sobre uma disputa de um local em que se instalaria um porto, coloca: “abrir-se-ia bem cedo, interminável duelo de opiniões sobre se o cais da Capital seria em frente ao Forte de Schoonenborch ou no promontório* mucuripano”. Ele mesmo teria escolhido a enseada do Mucuripe como local ideal de ancoradouro de seus navios ao invés da Barra do Ceará, preferida por Soares Moreno.


Mucuripe nos anos 30, antes da construção do Porto.
 Imagem do início do século XX. Ancoradouro da Prainha.
Como se vê, a possibilidade da enseada do Mucuripe receber um porto é bastante antiga.
Entretanto, não foi esse o primeiro local a receber o equipamento. O primeiro porto de Fortaleza instalou-se em 1805 na região central da cidade, próximo ao Monumento do Cristo Redentor e à Catedral de Fortaleza. Um porto em forma de trapiche que não oferecia segurança aos navios. O Trapiche do Ellery, na Prainha – atualmente Praia de Iracema – foi o primeiro ancoradouro de que se tem notícia em Fortaleza e foi desativado na década de 1860 em função de sua precariedade operacional e do grande número de acidentes ocorridos.

Muitos foram os projetos de construção do porto até a sugestão do engenheiro Zózimo Bráulio Barroso, em 1869, de que o porto fosse transferido para o Mucuripe, com ligação com a capital por meio de via férrea. Seguindo as ideias de Barroso, outro engenheiro: Sir John Hawkshaw, em 1875, propôs a construção de um quebra-mar de 670 metros de comprimento ligado ao litoral por uma ponte de acesso.


Antigo porto na Praia de Iracema, nos anos 30.
Acervo Marcos Siebra
A construção do quebra-mar foi iniciada somente em 1887, devido às grandes dificuldades para obtenção da pedra necessária às obras e pelo acúmulo de areia causado pela ação das ondas que aterraram a bacia abrigada pelo quebra-mar e as estruturas que já havia. Em 1897, essas obras foram suspensas quando o quebra-mar já alcançava 432 metros. Devido ao fracasso do plano, as condições de serviço de embarque e desembarque no antigo porto tornaram-se intoleráveis para os viajantes e para o comércio, culminando na construção da chamada Ponte Metálica, inaugurada em 1906 na região da Praia de Iracema (atualmente próximo ao Poço da Draga). 


Construção do Porto do Mucuripe no início dos anos 40. Acervo Marcos Siebra
Construção do Porto
Finalmente, em 1933, seguindo o Decreto-Lei nº 23.606, de 20 de dezembro de 1933, abriu-se a primeira concorrência para a construção do Porto do Mucuripe sob muitos protestos. As discussões seguiram até 1937 quando o Presidente da República, Getúlio Vargas, modificando o decreto anterior, lança o Decreto-Lei nº 544, de 7 de julho de 1938, proclamando em seu Artigo 1º:   

Fica transferida a localização do Porto de Fortaleza para a enseada de Mucuripe a que se refere a concessão outorgada ao Estado do Ceará, pelo decreto nº 23.606, de 20 de dezembro de 1933, para construção, aparelhamento e exploração do referido porto. 


Obras de construção do Porto
Construção do Porto do Mucuripe
Em 1939, foi instalado o canteiro de obras para implantação da infraestrutura do primeiro trecho de cais. As primeiras funções foram executadas pela Companhia Nacional de Construções Civis e HidráulicasCIVILHIDRO, resultando dessa empreitada a incorporação de 426 metros de cais acostável ao Porto de Fortaleza. A conclusão da obra previa a realização de dragagem para alcançar oito metros de calado, aterro do espaço entre os enrocamentos utilizando o material dragado, um calçamento de paralelepípedos sobre o aterro e a construção de armazéns de carga e setores administrativos, além da instalação de geradores. A previsão de conclusão foi de 32 meses, prazo que não foi cumprido.


Início da construção do Porto do Mucuripe. Foto Aba Film 1940
Obras do Porto
As obras do porto se arrastaram até 1945, sendo construídos pequenos trechos, embora o porto já estivesse em funcionamento para pequenas embarcações. Apesar de já estar operando, a primeira atracação só aconteceria em outubro de 1951, mas a conclusão das obras só seria bem mais tarde. O atraso e a posterior paralisação das obras do Porto do Mucuripe, em 1959, ocorreram devido a inadimplência, ao assoreamento e aos fatores  externos, como a crise financeira do Estado. No final de 1960, o assoreamento voltou a  dificultar o movimento do porto, fato este que exigiu nova dragagem. 


Porto do Mucuripe nos anos 50. Acervo Marcos Siebra
A retomada mais veemente dos trabalhos se deu por ordem do então Governador Coronel Virgílio Távora, o qual finalizou as obras do Porto do Mucuripe e as entregou no dia 9 de abril de 1965, ano em que foi criada a Companhia Docas do Ceará. O Porto do Mucuripe passava assim a integrar a área de atribuições do Governo Federal, por seu Ministério dos Transportes.


Autoridades visitam as obras do Porto do Mucuripe em 1959.
Acervo Marcos Siebra
Praia de Iracema (Primeiros efeitos do Porto sobre o litoral).
Livro Caravelas, Jangadas e Navios - Uma Historia Portuária
de Rodolfo Espínola (2007).
No ano de 1980, foi inaugurado o cais pesqueiro; em 28 de janeiro de 1982 foi inaugurado o píer petroleiro do porto, e, em 1984, mais armazéns. Ao longo do tempo, o Porto do Mucuripe foi evoluindo em área e novas estruturas, como grandes moinhos, foram sendo incorporadas.
Vale ressaltar, porém, que as problemáticas referentes ao Porto do Mucuripe não se restringiram apenas à ordem político-administrativa. Os problemas ambientais oriundos da implantação do porto foram iguais ou maiores que os entraves burocráticos.


Praia de Iracema - Casas destruídas pelo avanço do mar (Primeiros efeitos do Porto do Mucuripe sobre o litoral de Fortaleza). Arquivo Nirez

Desastre ambiental na Praia de Iracema
Praia Formosa e os primeiros efeitos do porto sobre o litoral.
Livro Caravelas, Jangadas e Navios - Uma Historia Portuária
de Rodolfo Espínola (2007).
Logo após o início das operações, sobretudo com a instalação do molhe do Titan na ponta do Mucuripe, os primeiros impactos oriundos da sua construção já eram sentidos nas praias a jusante e no próprio porto. À medida que as obras avançavam, estouravam os problemas nas praias de Iracema e Formosacausando, inclusive, o desmoronamento de residências em virtude das erosões instaladas na primeira praia e retirada da vegetação por ação das ondas na segunda.  
Mais tarde, outros trechos entre a Praia do Meireles e Iracema também começavam a ser afetados.


Titan - O gigante de aço
Titan em atividade, transportando as pedras.
Para tentar amenizar o problema, foi adotada a opção de um molhe (conhecido como molhe da Praia do Futuro - ou molhe do Titanzinho) como alternativa mais viável economicamente e de efeito imediato. 
O molhe passou a impedir que os sedimentos fossem transportados pelas correntes de deriva litorâneas para a bacia portuária, vez que estavam causando assoreamento naquele local. Mas ainda se estava longe de uma solução. Parcialmente resolvido o problema do porto, a cidade passou a ter, progressivamente, um novo desenho para sua linha de costa, com praias em forte processo erosivo a jusante do porto e com forte engorda a leste do molhe do Titanzinho. 


Guindaste Titan na ponta do Mucuripe e o surgimento ainda tímido da Praia Mansa.
Arquivo IBGE
Várias obras foram realizadas para conter a erosão costeira a oeste do Porto do Mucuripe. A primeira delas foi o espigão da Praia de Iracema construído em 1969. Após essa obra, mais 11 espigões e enrocamentos foram construídos na faixa da praia com extensão superior a 1800 m e se estendem da Praia de Iracema até a foz do rio Ceará. Um último espigão foi finalizado em 2014 nas imediações da Praia do Meireles com o intuito de proteger uma futura engorda de praia. 
Essas obras tinham como objetivo proteger o litoral do processo erosivo, entretanto, o problema de erosão continuou, sendo, dessa vez, transferido para as praias subsequentes a jusante do sistema, lado oeste do rio Ceará, como Iparana, Pacheco e Icaraí, no município de Caucaia, a partir da década de 1980.


(A) Espigão da Praia de Iracema 
(B) Estruturas rochosas para contenção do mar na Praia de Iracema 
(C) Rochas dispostas na Av. Beira-Mar e molhe ao fundo 
(D) Aterro da Praia de Iracema 
(E) Dissipador rochoso de energia de ondas na Praia do Pacheco 
(F) Erosão na Praia do Icaraí

No ano 2000, foi iniciado pela Prefeitura Municipal um aterro hidráulico na Praia de Iracema, integrando um plano de regeneração e recuperação. Este aterramento, contudo, apresentou instabilidade e perda sedimentar durante tempestades e ressacas, no início de 2001, precisando ser refeito no final do mesmo ano para recompor o volume de sedimentos perdidos.


Foto: Nelson Bezerra
Anos 50 vendo-se a Praia Mansa. Arquivo IBGE

A fotografia mostra a Praia Mansa, o Bairro Serviluz, a Praia
do Futuro na extrema esquerda e fluxo de sedimentos
em direção a bacia portuária do Mucuripe em 1960.
Arquivo Nirez
Voltando ao molhe do Titanzinhocriado para abrigar a bacia portuária... 

Em decorrência dessa estrutura, houve um barramento do transporte lateral de sedimentos da Praia do Futuro em direção ao setor oeste do litoral de Fortaleza os quais passaram a acumular-se na bacia portuária, assoreando o canal do porto. Consequentemente, houve a formação de uma praia interna ao dique, que foi denominada de Praia Mansa.


Molhe do Titanzinho com areia acumulada. Foto de 2005.
Crédito Fechine
Como vimos, a praia é fruto do caminhamento das areias e o remanejamento dos sedimentos (pedaços de solo ou de rochas deteriorados em pequenas partes, ou até em pó), que acabaram passando pelo molhe, devido ao efeito das ondas e a mudança do comportamento das correntes. Sua evolução geológica foi se dando a partir da década de 1950. 

A Praia tem cerca de 108.000m² de área, e acha-se sob a responsabilidade da Companhia Docas do Ceará


Caminhamento e contorno litorâneo de areias na parte
interna do molhe do Porto do Mucuripe em 1960.
Arquivo Nirez
O setor está situado em uma área cujas atividades básicas (industriais, portuárias e residenciais), acarretam poluição da zona litorânea. Existe enorme pressão imobiliária no sentido de ocupar a área com atividades voltadas para o turismo e o lazer. Neste trecho, ocorrem pequenas barracas de taipas utilizadas como apoio na atividade de pesca artesanal e local. Existe também a presença de três aerogeradores para produção de energia eólica.  A paisagem é formada por vegetação antrópica de pequeno e médio porte, destacando as gramíneas e as castanholas. O acesso é restrito pelo interior do porto ou por via marítima, com vigilância dos guardas da Companhia Docas. Praia frequentemente utilizada para atividades turísticas, através dos passeios de barco. 


Molhe do Titan ao fundo
Praia Mansa em 1973. Assoreamento resultante do enrocamento para o aterro do porto, construído com a utilização do famoso guindaste TITAN. Foto de Nelson Bezerra

Foto do final dos anos 70. Acervo Alysson Correia Lima
Ações de uso e ocupação da praia Mansa, sem levar em conta a fragilidade da área, poderão acarretar a instalação de processos erosivos e aumento da degradação ambiental, em virtude da ocupação irregular com equipamentos turísticos (hotéis, bares, restaurantes, etc.), tanto em função dos resíduos deixados no local, como também pelo uso indiscriminado pelos visitantes. 

Foto aérea da praia Mansa em 18 de janeiro de 1984.

Praia Mansa em 2018. Foto de Denise João Paulo
Praia Mansa em 2018. Foto de Denise João Paulo
Praia Mansa em 2018. Foto de Denise João Paulo
Foto de André Ramone

*Parte mais alta, elevação.

Fonte: Portos e Gestão Ambiental: Análise dos Impactos Ambientais e Correntes da Implantação do Terminal Marítimo de Passageiros na Praia Mansa - Otávio Augusto de Oliveira Lima Barra/Alterações no Perfil Natural da Zona Costeira da Cidade
de Fortaleza, Ceará, ao Longo do Século XX - José Alegnobeto Leite Fechine/Plano de Gestão Integrada da Orla Marítima da Prefeitura Municipal de Fortaleza de 2006

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