Fortaleza Nobre | Resgatando a Fortaleza antiga : Resultados da pesquisa Barra do ceará
Fortaleza, uma cidade em TrAnSfOrMaÇãO!!!


Blog sobre essa linda cidade, com suas praias maravilhosas, seu povo acolhedor e seus bairros históricos.
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sábado, 23 de fevereiro de 2019

Bar do Anísio

Anísio fazia as vezes de garçom, cozinheiro,
cobrador, jogador de cartas e, principalmente, pai. Além dos cinco filhos biológicos, assumiu a paternidade de um sem número de jovens que iam diariamente ao bar, o qual também era a casa de Anísio, em busca de um espaço acolhedor e libertário.

Eu reconheço pela praia. Se eu for andando pela praia, eu sou capaz de saber: o Anísio era ali. Mas, se eu for olhando pelos prédios, eu não sei.
Fausto Nilo

 
Eu vejo aquele pé de oiti e é a minha referência. Lembro-me muito bem de que a gente sentava no Anísio e o pé de oiti estava um pouco à esquerda. Pé de oiti grande que ainda está lá.
Flávio Torres




É exatamente... Hoje, tem o Edifício Trapiche no lugar onde era o Restaurante Trapiche. Se você estiver olhando para o mar, ele ficava logo à esquerda desse prédio.
Guto Benevides

No estacionamento do Edifício Scala. A entrada do estacionamento era a entrada da casa. É tanto que tem uma árvore na frente que é a história da gente.
Nísia Muniz (filha de Anísio)

Sabe onde tem o Scala? Era por ali. Tem um transformador grande da Coelce. Era ali colado na casa dele.
Rodger Rogério




Era o ano de 1958. A cidade de Fortaleza começava a deixar antigos costumes para tornar-se grande, ampliando as fronteiras do Centro em direção ao mar. O Porto do Mucuripe comemorava o quinto aniversário da atracação do navio Vapor Bahia – a primeira de muitas. O Iate Clube completava quatro anos de vida e festas. Iniciava-se um período de movimentação na Beira-Mar. A região, antes vista com preconceito, povoada por pescadores e prostitutas, passou a ser visitada pela alta sociedade, que se hospedava em pequenas casinhas na areia durante as férias.



Foi nessa Beira-Mar em construção, mistura de casas de veraneio e jangadas, que a família Muniz escolheu morar. No final da década de 1950, Anísio Muniz de Souza e a esposa, Maria Augusta Pessoa Muniz (dona Augusta), tinham quatro filhos. Nísia, caçula na época, tinha apenas dois anos e uma recente coqueluche. Para que a menina ficasse boa logo, a prescrição do médico foi categórica: pelo menos um banho de mar ao dia. Anísio passou a visitar diariamente o irmão Cristovão, que morava na Beira-Mar havia algum tempo, como desculpa para acelerar a cura da filha.

As idas, porém, tornaram-se cansativas. Sair do bairro Parque Araxá para ir à praia era quase uma viagem diária. Anísio ainda trabalhava como ascensorista do Edifício Diogo, o que tornava a viagem mais longa: da casa no Parque Araxá à Beira-Mar, da Beira-Mar ao Centro, do Centro à casa novamente. Todo o percurso sem carro. Mas Nísia
melhorava aos pouquinhos e deixar de levá-la para banhar-se no mar não era alternativa. Os pais decidiram, então, mudar-se para uma casa próxima à de Cristovão e morar na beira da praia.



Em pouco tempo, a coqueluche deixou o corpo de Nísia, e a vida no novo bairro tornou-se prazerosa para a família. O mar perto de casa, a maresia entrando sem pedir licença, vizinhos que se convertiam em amigos. Entre eles, donos daquelas casas de veraneio. Homens que durante a semana também frequentavam o Edifício Diogo a negócios.

– Bom dia, seu Anísio. Vou pro terceiro andar. O senhor está morando na Beira-Mar agora, né? Eu costumo passar as férias lá, com minha família! O que faz falta é um lugarzinho bom para comer por ali, viu? A sua esposa cozinha bem, não é? Já ouvi maravilhas da comida dela! Por que vocês não começam a vender uns salgadinhos por ali? Garanto que eu e muitos amigos iríamos! Vou ficando por aqui, Anísio. Bom dia!


Dona Augusta, que adorava cozinhar e o fazia com maestria, gostou da ideia. A venda de alguns pratos certamente ajudaria na renda familiar. Começou fazendo croquete. A cabeça de lagosta, dispensada pelos pescadores que só aproveitavam a cauda, servia maravilhosamente para rechear o salgadinho feito com esmero por Augusta. Tapioca,
café e água de coco também compunham o cardápio da cozinheira.
Os amigos do Edifício Diogo passaram a visitar o Anísio. Sentavam-se na varanda da casa e deliciavam-se com os quitutes de dona Augusta. 



Um dia, entre uma mordida e outra na tapioca com manteiga, o amigo Valdir Peixoto pediu: 

“Anísio, bota uma cervejinha quando a gente vier aqui”

O pedido era pertinente. O movimento estava crescendo e gerando até certo lucro para a família, que agora contava com uma nova integrante: Maria da Graça, a caçula. Vender cerveja com certeza atrairia mais clientela ao local. Havia apenas um empecilho: a família não tinha uma geladeira apropriada para colocar a bebida.

– Não tem problema! Eu compro a geladeira e trago os amigos. – disse Valdir.
Em 1961, junto com a pequena Graça, nascia o bar e restaurante O Anísio – Peixada – popularmente conhecido como Bar do Anísio. Algumas mesas de madeira na varanda da casa, com chão de tijolo vermelho. Era ali que os amigos se reuniam para conversar, comer e agora beber uma cervejinha gelada, com vista privilegiada para o mar.




O início dos anos 1960 foi também o início da gestão de Parsifal Barroso. Durante o mandato do governador do Ceará (1960-1963), o arquiteto Hélio Modesto foi contratado para elaborar o Plano Diretor de Fortaleza. Nele, estava prevista a construção de um sistema viário que conectaria as diversas regiões da cidade. O projeto não teve continuidade, a não ser pela pavimentação da Avenida Beira-Mar. Responsável por ligar a região do Mucuripe à Barra do Ceará, a via foi construida com investimentos dos setores público e privado.
Assim, iniciava-se a urbanização da Beira-Mar, que mudaria por completo a paisagem e a história da cidade. O imenso areal, cheio de casinhas de taipa, foi ocupado por máquinas e trabalhadores. A obra, feita em etapas, durou cerca de cinco anos. A avenida foi inaugurada
em 1965, convidando os fortalezenses a colorirem a beira da praia com seus fuscas.





Bar que também era casa

O Bar do Anísio ficava na parte da frente da casa. Na cozinha, dona Augusta fazia delícias gastronômicas para os fregueses e também as refeições da família. “Da cozinha pra frente, era o bar. Para trás, era a casa. Mas a nossa casa era tudo, porque a gente vivia mais no bar do que na casa”, rememora Nísia.


Os limites de público e privado eram nebulosos, quase inexistentes. Se para Nísia e os demais filhos de Anísio o bar também era a casa, para os frequentadores assíduos não era muito diferente. A sensação era a de estar em casa.



A intimidade com os donos era tanta que, muitas vezes, Anísio ia dormir e deixava o bar aberto. Em vez de expulsar a garotada, dava boa noite, pedia para separarem as cervejas que bebessem no canto e voltassem no dia seguinte para pagar. “Ele deixava o cadeado, a gente fechava o bar e no outro dia ia lá pagar”, lembra Flávio.

"Se um passasse mal, dormia por lá, sabe? Eles botavam uma rede nos coqueiros lá do outro lado. Aquele que capotava dormia e acordava de manhã com o Sol na cara." (risos) (Annuzia)
 

Sempre que alguém bebia além da conta, Anísio e Augusta cuidavam para que ninguém voltasse para casa dirigindo. Por isso, no quintal dos fundos, tinha uma rede preparada para receber quem precisasse dormir um pouquinho antes de pegar no carro. Alguns grupos tinham certa prioridade em relação aos demais. Fausto, Flávio, Rodger, Augusto, Annuzia, Maria Zélia e Marisa eram alguns dos jovens que sempre teriam vaga na redinha.



Tinham uns que a mamãe e o papai adotavam. Quando estava bêbado, ela
pegava a chave (do carro), guardava e não deixava sair de jeito nenhum. Não
eram fregueses, era gente da família. É tanto que todo mundo chamava ela (Augusta) de mãezona, de tia.
(Nísia)


As histórias que aconteceram ali são inúmeras. Muitas se perderam no tempo e na memória dos que viveram o bar. Outras, porém, permanecem guardadas na lembrança, inesquecíveis. Como o dia em que Rodger provou do chá de zabumba, grande novidade na época que
prometia alucinações.
 

Um dia, chegou um grupo de rapazes mais jovens no bar, comentando sobre a bebida. “Eu fiquei mangando deles: ‘Isso faz nada, rapaz! Adianta nada! Aí (eles disseram:) ‘Pois bebe!’. Aí eu bebi um bocado”, conta Rodger. Flávio recorda que, às três horas da manhã, neguim (como chama carinhosamente o amigo Rodger) atravessou a rua e foi para o lado da praia – em frente ao Bar do Anísio e ao lado do pé de oiti – experimentar o tal do chá.



Aí pronto. Não tinha quem fizesse ele voltar pra rua. O neguim lá sozinho, abraçado com esse pé de oiti. (risos) E não vinha, não vinha. O Rodger, com medo, disse que a rua era um buraco. Agarrado no pé de oiti e a gente arrastando. Um negócio doido essa zabumba. (Flávio)
(muitos risos) Não foi bem assim. Eu fiquei louco, completamente louco. Eu queria atravessar a rua, mas não conseguia, porque a rua ficou como se fosse água, ondulando. Os carros vinham e eu dizia que não conseguia passar com a rua ondulando daquele jeito. Eu não me agarrei ao pé de oiti, mas fiquei sentado do lado. (risos) (Rodger)

Rodger permaneceu do outro lado da rua até o dia clarear e ele se sentir “com forças” para deixar a companhia da árvore e atravessar a avenida. O pé de oiti era um grande (talvez o maior) espectador das noitadas do Anísio. Testemunha de todas as histórias do bar. A árvore
acompanhou o início de tudo, permaneceu de pé após a pavimentação da Beira-Mar e segue ali até hoje, guardando para si todas as histórias que presenciou.
 


Antes mesmo de Anísio mudar-se para o Mucuripe, a árvore já existia no mesmo local: em frente ao que se tornaria o bar, na fronteira da avenida com a praia. A diferença é que, antes de a família chegar à Beira-Mar, o oitizeiro ficava dentro de um terreno baldio rodeado de
lixo. Durante o calçamento da avenida, em 1960, esse pequeno monturo e diversas árvores também foram removidos – menos o oiti.

Ainda bem. Porque ela era muito linda. Linda, linda. A copa dela parecia um cabelo. O vento batia e ela se movia. É a única árvore que ficou ali. Lá em casa, tudo era ali (no oiti). Tomava-se café, botava-se a mesa lá. Aquele pé de oiti, se falasse, contava toda a história de tudo, de tudo! (Nísia)



Crédito: Livro Bar do Anísio - Casa de Liberdades de Isabela Bosi - 2012

domingo, 10 de junho de 2018

O Bom Jardim de José Mapurunga - Parte II


Na década de 50, com a expansão demográfica da cidade, Fortaleza ganhava a avenida Perimetral, obra do prefeito Cordeiro Neto, que hoje, em seu trajeto, tem várias denominações e margeia o Bom Jardim na altura do Posto Carioca. Cortando matas que iam do Mucuripe a Barra do Ceará, passando por Messejana, Mondubim, Siqueira e Barro Vermelho (atual Antônio Bezerra), a Perimetral, hoje indispensável, era duramente criticada por políticos e jornalistas de oposição, como obra dispendiosa e sem nenhuma utilidade. Estes a denominavam avenida das onças.

Nesse período, deu-se a compra acelerada de sítios e fazendas existentes nas áreas ainda rurais de Fortaleza, tendo em vista a instalação de loteamentos que atendessem a enorme demanda por moradias. Um estudo de caso do sociólogo Francisco Giovani Pimentel Moreira, focando o capital imobiliário e a produção urbana em Fortaleza entre 1950 e 1970, mostra que no período em foco três grandes imobiliárias praticamente monopolizavam o comércio de lotes nos arredores da cidade: A Imobiliária Waldir Diogo (Praia do Futuro), Grupo Empresarial Patriolino Ribeiro (atual Dionísio Torres e Água Fria) e o grupo comandado por João Gentil (Região do Grande Bom Jardim).

O trabalho de Giovani oferece informações sobre as compras de algumas propriedades que hoje compõem o território do Grande Bom Jardim, pela imobiliária comandada por João Gentil: a compra, em abril de 1957, da propriedade rural de aproximadamente 42 hectares, pertencente a Zeferino Oliveira de Araújo, que foi transformada no loteamento Parque Santo Amaro; a compra a Vicente Souza, em setembro de 1957, de propriedade rural de aproximadamente 08 hectares, que originou o loteamento São Vicente; a compra da Fazenda Bom Jardim, situada no distrito de Parangaba, com uma área de 250 hectares, adquirida do comerciante José Augusto Torres Portugal e transformada no loteamento Granja Portugal.


Na trajetória de seus investimentos imobiliários rumo ao sudoeste de Fortaleza, a imobiliária da família Gentil adquiriu, na segunda metade da década de 1940, os terrenos que deram origem ao loteamento que originou o bairro Pan Americano. Em seguida, em 1949, adquiriu o sítio de propriedade da família da escritora Rachel de Queiroz e implantou o loteamento Pici. Mais tarde, foi a vez do loteamento Bonsucesso. Mais ao sul do Bonsucesso, além das propriedades já citadas, outras foram adquiridas na década de 1950 e início da década de 1960, daí surgindo loteamentos com nomes comerciais, como Granja Bom Jardim, Parque Santa Cecília e Parque Santa Rosa. Tomamos conhecimento que, além de João Gentil, Ivan Carioca também loteou na área terrenos que integravam a fazenda de sua família que hoje compõem o território do Grande Bom Jardim.

Avenida João Pessoa
Para se chegar de carro do centro de Fortaleza ao novo loteamento havia basicamente um caminho: a avenida João Pessoa, conhecida como Avenida da Morte, devido aos acidentes letais que nela ocorriam, de número insignificante para os padrões de hoje. Chegando a Parangaba, que em tudo parecia uma povoação fora de Fortaleza, com suas casas do tempo do império, suas chácaras e sítios verdejantes, a estrada prosseguia no rumo de Maranguape. Na ponte que hoje referencia a entrada para o Bom Jardim, os provenientes de Fortaleza desciam e seguiam no rumo do poente, por um mundo fortemente dominado pelo verdor das matas. Talvez as mesmas matas nas quais o historiador Gustavo Barroso passou, em 1908, quando, a cavalo, vindo do centro de Fortaleza, dirigia-se à fazenda de uns parentes dele nas cabeceiras do Rio Ceará. Talvez os mesmos terrenos nos quais, no século XVII, havia uma fazenda de gados que, segundo a lenda, servia aos holandeses que exploravam as supostas minas de prata da serra de Maranguape.

Alma Sertaneja

Sobre os primeiros moradores do Bom Jardim, com base nas informações sobre a evolução demográfica de Fortaleza, podemos afirmar, com pouca possibilidade de erro, que eram sertanejos pobres que vieram para Fortaleza nos anos de 1950, uma década escassa de chuvas para as lavouras. Ou vieram diretamente do sertão para o loteamento ou tinham passado por outras periferias da cidade antes de adquirirem seus lotes. Eram, portanto, acostumados aos rigores de uma vida sem energia elétrica e água encanada. Chegavam para morar mais próximos das fábricas e de postos de trabalho inexistentes no sertão e que estavam relativamente perto do Bom Jardim, principalmente em Parangaba. Vinham, também, diretamente de sertões próximos e distantes, ou até mesmo de áreas rurais circunvizinhas, buscando um lugar no que adivinhavam ser futuramente parte da cidade. Tornavam-se, assim, quase pracianos, embora mantivessem a alma sertaneja ainda hoje latente na periferia de Fortaleza.

Em análise dos contratos de promessas de compra e venda dos loteamentos iniciais da área, feita por Francisco Giovani, a categoria ocupacional mais citada era a operária. Segundo o mesmo autor, a maioria dos que compraram terrenos tinha salário fixo, de modo que poderiam pagar as prestações do terreno. João Edmilson e Edgar, verdadeiramente podem ser incluídos entre os primeiros moradores do bairro.

Parte I

Fonte: Bom Jardim, José Mapurunga - Fortaleza: Secultfor, 2015 (Coleção Pajeú).

domingo, 17 de dezembro de 2017

A conturbada construção do Porto do Mucuripe - Parte II


Leia a primeira parte AQUI

Nessas fotos, vemos o lugar ainda sem a construção do futuro Porto de Fortaleza. 
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"Acaba de ser inaugurada a via férrea que liga esta capital a enseada ao Farol do Mocuripe. [...] Esta estrada de ferro recém-construída vai ficar sem aplicação, desde que o porto não vai ficar localizado naquela vizinha enseada, conforme resolução última. Torna-se, porém, indispensável o aproveitamento daquela via de transporte para ligação rápida do mocuripe com esta cidade. Mesmo que não se estabeleça um serviço de trens suburbanos, bem se poderia adotar o sistema de troler-motor, para trânsito daqui aquele ponto, tão procurado pelas famílias para lugar de repouso. Confiamos que o Sr. ilustre interventor tomará a iniciativa de obter do governo federal uma concessão em favor dos interesses de nossa capital, que com esse melhoramento, contará um grande progresso." (O NORDESTE, 26/12/1933, p. 04).




A construção de uma estrada de ferro ligando o Centro ao Mucuripe mostrava uma clara intenção do governo de expandir o comércio, através do alargamento da circulação de capital. As obras tinham um caráter funcional nítido. Porém, a especulação em torno da construção do porto na enseada do Mucuripe, não se confirmou frustrando, assim, quem especulava investir na área.

Como podemos notar, a racionalidade em relação à cidade imperava. Se o porto não seria mais construído próximo à estrada de ferro, na enseada do Mucuripe, caberia ao interventor federal, dotar aquele espaço de funcionalidade. Não há margem para o acaso, para obras erigidas de qualquer forma. Todo local tem que ter um “sentido”, principalmente se esse for lucrativo e valorizar o capital antes investido. As “melhorias urbanas” sofriam, já na época, intensa especulação imobiliária. Os espaços eram urbanizados de maneira assimétrica, desigual, não por acaso ou obra do destino, mas porque fazia parte do jogo de interesses envolvidos na disputa do urbano. Assim como os açudes no interior do Estado eram construídos em terrenos de particulares, valorizando suas respectivas propriedades, os proprietários de imóveis na capital, também estavam sintonizados em investir os seus recursos próximos às melhorias.
O governo, por conseguinte, deveria garantir o retorno dos investimentos, como na justificativa do engenheiro responsável pelo porto. Edgar Chermont, disse- nos, que aquele local, já que não seria mais destinado ao porto, destinar-se-á no projeto que vai apresentar ao Sr. interventor federal á localização de um depósito de infamáveis, de um porto aéreo e também para a organização da pesca”. (O NORDESTE, 26/12/1933 p. 07). Em linguagem comum, ele queria dizer o seguinte: quem aplicou recurso naquele espaço poderia ficar tranquilo que o terreno seria valorizado de outra maneira. Como observamos na continuação da matéria, do referido matutino, “O trecho da estrada de ferro está construído admiravelmente. O referido ramal deve ser aproveitado para uma linha suburbana. Com essa aplicação, os terrenos a margem da referida estrada de ferro se valorizariam e a cidade cresceria, expandindo naquela zona”. (IDEM).



Não há dúvida da intrínseca relação do projeto de urbanização do governo e os interesses dos capitalistas, em relação ao investimento no circuito secundário e especulação imobiliária. Portos, aeroportos, pontes, ruas, avenidas, estradas de ferro¹, ou seja, investimentos em estruturas físicas tinham que concatenar modernização da cidade e repartição das fatias de lucros. Todavia, havia uma integração entre os governos para as construções dessas obras.

O presidente assinou o decreto entregando ao Ceará 25 mil contos apurados taxa de 2% ouro para a construção do porto de Fortaleza PT autorizou ainda o ministro de viação contratar com particulares em fretes para aquisição material para Rede de Viação Cearense PT abraços. Carneiro de Mendonça. (IBIDEM, 04/07/1934, p. 01).

Este telegrama mostra claramente os recursos do Governo Federal destinados ao porto e às estradas de ferro, na perspectiva de valorizar o ambiente construído e melhorar a circulação de capital. Os investimentos no porto e nas estradas de ferro atenderiam a essa demanda, reduzir o custo do produto final, diminuir o tempo de giro do capital, acelerar a sua valorização, em linguagem comum, tinha como objetivo fazer com que a mercadoria chegasse mais rápido aos seus consumidores, além, é claro, de ocupar a mão de obra dos retirantes.


Neste sentido, a acumulação de capital exerceu um papel importante na formação do espaço urbano de Fortaleza, na medida em que absorveu o trabalho excedente, e criou novos canais de negociação e de trocas. Na época existiam três portos no estado do Ceará: Fortaleza, Aracati e Camocim. A ampliação do Porto de Fortaleza, ou no caso, a construção do Porto no Mucuripe², representava os anseios dos setores capitalistas que queriam expandir os seus capitais naquela cidade. No ano de 1933, segundo O Nordeste (27/01/1934 p. 05), o número registrado de embarcações que adentraram no porto, perfez um total de “571 navios, 1.029.462 toneladas de registro, 30.902 de tripulação e 114.392.270 toneladas de carga”, marcando assim, um aumento exponencial comparado ao ano de 1932.³


O movimento de importação e exportação de mercadorias corroborava a necessidade de se investir no setor secundário, de valorização do ambiente construído. Em um trecho do jornal A Rua, excepcional enquanto síntese da política do governo, relata que “A estabilidade econômica e financeira do Ceará dependerá, exclusivamente, de duas ações técnicas: a construção do porto de Fortaleza e o trabalho eficiente de açudagem. Todo e qualquer empreendimento comercial e industrial do Estado, sem porto e sem água, será um fracasso”. (A RUA, 03/12/1933 p. 03).


Todavia, o investimento em ruas, praças, avenidas, porto e vias férreas, na capital, e os investimentos nas estradas de rodagem e açudes no interior mostram dois lados de um mesmo projeto, coadunar a acumulação de capital com a valorização do ambiente construído, portanto, não se pode pensar a urbanização de Fortaleza, sem levar em consideração esse conjuntos de fatores.

A importância de um Porto para Fortaleza:
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¹“A Rede de Viação Cearense, compreende a Estrada de Ferro de Baturité (de Fortaleza ao Crato), com 599 Km.109, os ramais da Alfândega, com 2, Km.900, de Itapipoca, com 61, Km.300, inclusive o sub-ramal da Barra, de Maranguape, com 7 Km.246, de Cariús, com 33 Km. 200, de Orós, com 42 Km.740, da Paraíba, com 119 Km.402, inclusive o sub-ramal de Cajazeiras, e a Estrada de Ferro de Sobral( de Camocim à Itapipoca), com 373 Km.493, perfazendo, assim, o total de 1.239 Km.410 em tráfego”. Almanach Administrativo, Estatístico, Industrial e Literário do Estado do Ceará para o ano de 1932 confeccionado por João da Camara. Fortaleza: Empreza Tipographica. P. 142. O Ceará representava a sétima maior rede de estrada de ferro em 1932, que continuou sendo ampliada com a estrada de Fortaleza ao Mocuripe, em 1933.

²O Porto do Mucuripe só começou a ser construído novamente, a partir do ano de 1939 através do decreto, nº 504, 7 de julho de 1938. Voltando a ser localizado na enseada do Mucuripe, e só foi completamente terminado em 1952, recebendo seu primeiro vapor em 1953. Portanto, na década de 1930, Fortaleza continuou com o antigo porto localizado próximo da região central, onde hoje fica a Praia de Iracema.

Guindaste Titan a todo vapor
³Segundo os dados oficias da guarda-moria, durante o ano de 1932, deram entrada no porto de Fortaleza, 535 embarcações diversas, com 952.816 toneladas de registro, 27.683 homens de tripulação, trazendo 149.378 toneladas de carga. Saiu devidamente despachado igual número de embarcações, levando deste Estado para os portos da União e do estrangeiro 449.763 volumes pesando 2.911 toneladas. Almanach Administrativo, Estatístico, Industrial e Literário do Estado do Ceará para o ano de 1934 confeccionado por João da Câmara. Fortaleza: Empreza Tipographica. P. 219.

Leia também:
Guindaste Titan - Mucuripe
Coluna da Hora - A polêmica em torno da construção do monumento

As melhorias urbanas durante a seca de 1932
A Seca e a Modernidade da Capital

Crédito: Artigo 'A produção do espaço urbano de Fortaleza à partir da Seca de 1932' de Rodrigo Cavalcante de Almeida.
Fonte: http://memoria.bn.br/

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

Os ônibus do Oscar Pedreira


Hoje se fala muito em Mobilidade Urbana, termo técnico gerado por simulação computacional em que, a engenharia de tráfego se apoia para resolver problemas de trânsito. Certos gestores até tira bônus perante condutores particulares e/ou coletivos, para lograrem êxito em suas pretensões políticas. Trabalhar na estética é melhor do que na infraestrutura, pois, esgoto não dá voto! 

Querem um exemplo histórico? 
Quem se lembra de alguma obra do Governo Adauto Bezerra? O que muitos vão dizer é que é o único Coronel vivo daquele trio do regime militar. Não, meus amigos! Os quatro anos na frente do Estado foi drenando Fortaleza, e jogando todas as manilhas no Interceptor Oceânico, e trazendo pedras da Monguba para fazer o espigão de retenção das águas oceânicas do meu Jacarecanga. Isso tem um custo tremendo, mas não dá voto. Observaram que em eleição direta para o Governo do Estado em 1986, ele foi derrotado por Tasso? Não estou como partidário e sim como observador político. Mas isso é outra história... 

Foto acima: Oscar Pedreira em destaque


 
Ao tempo do empresário Oscar Pedreira, ele tão bem servia as linhas de sua concessão adquirida na gestão de Álvaro Weyne (1928), que certos veículos saíam batendo da Vila São José para o Centro, mas ele jamais suprimiu algum horário por falta de passageiros. Tão logo construiu sua Vila Operária (1926), sua preocupação número um, foi o deslocamento dos moradores para o Centro da cidade. A garagem e escritório da Empresa Pedreira Ltda era próximo ao Liceu, na Avenida Francisco Sá ao lado de sua mansão que, em homenagem a Sra. Francisca Pedreira, sua esposa, denominou-se VILA QUINQUINHA, afinal na intimidade ele a chamava de Quinha, corruptela de Francisquinha. O galpão era alto. Lá os ônibus pernoitavam, passavam por revisão e abastecimento. A armação de sustentação do teto era de tesouras confeccionadas com madeiras de lei. Existia uma bomba de combustível abastecida pela Atlantic, e dois mecânicos habilitados para conduzirem carros grandes para a época. Faziam serviços de funilaria, elétricos, pinturas e quando a coisa era mais complicada, seu Oscar chamava técnicos da GMC e Chevrolet

O Posto Clipper da Avenida Francisco Sá, foi instalado em 1952 com a intervenção de Oscar Jataí Pedreira.

Falando em Atlantic, o povo do Jacarecanga deve ao Oscar Pedreira a instalação do Posto Clipper em 1951. O mesmo era na esquina da Avenida Francisco Sá com a Via Férrea. A Atlantic em 1993 foi absorvida pela Companhia Brasileira de Petróleo Ipiranga

Os primeiros combustíveis chegados ao Ceará remota de 1909, mas os vapores que aqui fundeavam no Poço das Dragas e Barra do Ceará, traziam em invólucros tipo tanquinhos derivados de petróleo. Era uma tensão muito grande do Capitão e, dos moços de convés em trazer essa carga. Oscar pedreira era um importador para abastecimento de seus coletivos. A partir de 1950, foi que se estabeleceu no Mucuripe a Shell Mix primeira distribuidora do ramo. Como apelido era o predominante na Vila São José e eu me lembro de já ter escrito sobre isso, nem os ônibus escaparam de nossa molecagem. Existiam na empresa sete veículos com motores pra fora: O número 1 era o do João Pilão (careca com cabeça de pilão), recebeu batismo nosso. Veiculo de marca GMC, só tinha uma entrada e perto da manivela da abertura da porta, tinha o ficheiro. O cobrador ia de banco em banco, com as cédulas entre os dedos. Quem ia pagando recebia uma ficha. O número 2 era o Portiguinho, ou seja o vidro traseiro era duas janelinhas para visão do condutor, e era guiado por Pedro Alegria”. Ele era igual a geladeira de restaurante, só vivia se abrindo. Nós íamos ao Centro de graça. O número 3 fazia a linha Brasil Oiticica indo ao Carlito Pamplona. Este fazia ponto final na Rua Frei Teobaldo, defronte ao comércio 4444 na esquina da Avenida Francisco Sá (nunca se soube quem era o condutor). O número 4, por seu comprimento, cara de jacaré, recebeu o nome de Pajelão, e o motorista era o Araújo Bigode de Nós Todos. Faleceu subitamente em 1968, e aí, em respeito, passou a ser Seu Araújo. O número 5 era um semelhante ao de hoje, com porta no meio, e sem cobrador. O condutor era Seu José, o Zezinho afobado, só andava adiantado. O número 6 era chamado oDifícil e só fazia a linha do Carlito Pamplona. Vez por outra entrava na Linha Jacarecanga indo a Vila São José. Motorista: Bigodinho Fresquim. Parecia com Dom Diego do seriado Zorro com Guy Willians. O número 7 era carro reserva, e fazia conforme a necessidade as duas linhas. Então em súmula a distribuição era assim: quatro carros faziam a linha do Jacarecanga, dois para o Carlito Pamplona e um reserva. 
Aí fica uma indagação: Por que o Carlito Pamplona, mesmo sendo mais longe, tinha veículos de menos? A justificativa era que o bairro era assistido por outras empresas. Era concorrido pelas linhas Barra do Ceará, Jardim Iracema, Floresta, Coelho Fonseca e Jardim Petrópolis (cidade do Petróleo, o petróleo chagava por ali), hoje é Goiabeiras

A Brasil Oiticica 

Os ônibus do Pedreira tem histórias!
Essa é apenas uma, conte a sua!
O terminal do Centro, segundo meu pai, era no Abrigo Central, indo em seguida para a Praça Jose de Alencar em 1965. 

Atenção: Quem tem seu papai, pergunte as coisas, não espere o arquivo se queimar!
Com o crescimento oeste, e abertura de avenidas, Jacarecanga foi ficando saturado com as linhas mais diversas. Por conta disso, desapareceram as linhas do Jacarecanga e Navegantes (Braga Torres); em seguida Carlito Pamplona. Em 1973 a frota foi renovada com carros de motor interno de carroceria Grassi, mas não deu mais para acompanhar. Oscar Jataí Pedreira morre em 1977. A viúva foi "Aldeotizar" com os filhos... Os carros foram vendidos juntamente com a Vila Quinquinha. Em seu local é erguido um majestoso edifício, e nunca mais circulou ônibus pela Vila São José

Agora vem o nostálgico: As lembranças daqueles onibuzinhos verdes, os motoristas já nos deixaram, e nada se compara a velocidade de nossa mente, quando retorna ao passado. Pena que não volta!

Assis Lima
(Jornalista/Radialista) 




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