Fortaleza Nobre | Resgatando a Fortaleza antiga
Fortaleza, uma cidade em TrAnSfOrMaÇãO!!!


Blog sobre essa linda cidade, com suas praias maravilhosas, seu povo acolhedor e seus bairros históricos.

 



sábado, 17 de setembro de 2016

Vila São José - Jacarecanga



Vila São José - Jacarecanga- Rua Maria Luiza -Casas construídas para trabalhadores da Fábrica São José. (Leia o comentário ao final do texto)

NOSTALGITE 

"Hoje amanheci com saudade da minha Vila São José, no ex-aristocrático Jacarecanga. A Vila como era popularmente conhecida, em cada casa era a extensão de outra, pois, seus primitivos moradores eram como uma família. Existiam grupos, mas não com sectarismo nefasto, ou rivalidade indígena tal qual Fortaleza x Ceará com torcidas organizadas. Existiam quatro entradas para a Vila São José, a Vivenda operária da fábrica de tecidos do Cel. Pedro Philomeno. A primeira era no beira linha, onde se passava defronte a Usina São José (fábrica). Os slogans eram Redes Philomeno “Durma bem e Viva Feliz” e o outro era: Toalhas São José enxugam e não molham”. Já ia mudando de assunto...

Vila São José. Meus primos Victor e César e vizinhos - Cruz Júnior

A outra entrada para a Vila era a Rua Monsenhor Dantas, aí existia um ar de aristocracia: Casa do Acrisio Moreira, e muitos bangalôs e na beira da ponte sobre o riacho Jacarecanga, no lado sul mato, leste a vacaria do Véi Alves e no oeste a cacimba do Cirilo que poucos sabem da historicidade daquele cacimbão: abastecia o Lazareto de Jacarecanga no segundo quartel do século XIX. A terceira entrada para a Vila era na Rua Adriano Martins que tinha o Campo de Baturité e finalmente a quarta que era a Rua Dona Maroquinha, homenagem à mãe do Coronel Dono de tudo. O Ícone de entrada era a caixa d’água do Seu Telles, mas antes apreciávamos as quadras que em 1965 uma foi ocupada pela Cajubraz, e na esquina da Rua Adolfo Campelo a bodega do Seu Ozanan. Por detrás ficava o Mercadinho e a Vila onde morava o Abelardo Sapateiro. Era maravilhosa a Vila São José que eu vivi. Os moradores ou eram operários e funcionários não subalternos da fábrica, ou funcionário público indicados por políticos, que respeitavam e tinham amizade com o Cel. Philomeno. 

 
A Fábrica de tecidos São José em 1957. IBGE

O Deputado Dorian Sampaio foi morador desta vila. Tinha perifericamente dois canteiros que receberam o nome de Avenidinhas, e tinha pés de castanhola. Os mais velhos, respeitavam as brincadeiras dos meninos. Hoje quando palmilho em meu berço, não vejo mais nada. Moradores antagônicos, crianças abandonaram brincadeiras de roda, para conversas infanto-juvenil virtual que é um perigo. A fábrica fechou em 1976, e com ela foi uma emigração social. Por onde anda meus colegas de infância? Sei que alguns já nos deixaram, como o Paulo pionque, Glauco Cueca, Jesus pea de fumo, Elder, Eldair e Messsim (precocemente) , Zé Maria das raias... Os de mais idade: seu Zé Bento, Telles, João Lima bodegueiro, Fernando de Branco, Clebão, José da Mundoca, e tantos outros. Ah! Encontrei o Miltão e seu irmão Ivo em Beberibe. Há! Vila São José, muitos de teus prédios deixaram de existir. Não existe mais as casa de sua entrada primitiva, até a casa que nasci foi ao chão. O barulho do trem que passava por ali foi ao silêncio. Só tem trem agora para Caucaia e passa por onde existia a mercearia do Edmilson. Já já eu falo mais sobre Jacarecanga..."

Assis Lima
(radialista)


Foto publicada no jornal Tribuna do Ceará em junho de 1967. Acervo Lucas

"Essa é a casa de Dona Isaura que era viuva de um mestre de linha da RVC. Na divisão das linhas Baturité e Sobral ficava a Mercearia do Edmilsom. A casa que fica no canto era da família do Gregório, cujo Dono trabalhava na Fabrica Arakem. O Francisco e o Sérgio Gregório estudaram comigo no Grupo Escolar Sales Campos na Entrada do Bairro Pirambu." Assis Lima

Localização da casa hoje:

A primeira foto é o local onde ficava a extinta casa e a segunda num ângulo mais distante - Assis Lima

Acervo Lucas

"Esta visão é de quem está na via férrea. Esse ferro era para evitar tráfego de carros. As pedras toscas soltas não era obra e sim devido ao desnível.Esse é o Início da rua Monsenhor Dantas. Lembra que eu falei das quadras e que uma fora ocupada pela Cajubraz? Então, aquelas paredes é da Cajubraz, que transversalmente passa a rua Dona Maroquinha seguindo à direita da foto para a Avenida Francisco Sá."  Assis Lima 

A fábrica no auge (Arquivo Nirez) e na decadência (Alex Mendes).

Bônus:

Vídeo da Fábrica São José.
Crédito: Philomeno Gomes Jr.
Agradecimento:Isabel Pires





A molecagem e os tipos populares da Vila São José - Jacarecanga

"A Vila São José não sei hoje, mas era um povoado moleque algo típico da cultura cearense. Era uma comunidade cômica, onde poucos eram conhecidos pelos verdadeiros nomes. Apelido tinha que ter, senão não era da Vila. Dentre os que eram apelidados, o que mais se destacavam tornava-se tipo popular. Ah! Que saudade daqueles anos de 1960, início dos de 1970 (A Fábrica de tecidos fechou em 1976). Dos que minha memória ainda não apagou, posso me lembrar do Bico de Papagaio (Videlmon); Maluquinho (Wilson); Cueca (Glauco); Fede a C....(Pereirinha); Fifi (Carlos); Piongue (Paulo); Morcego (Jorge); Manteiga (Marcos); Quinquim (Francisco); Patola (Fábio); Bambulê (Dedé da Raimunda); Burraldo (Seu Lázaro); Pirulito (Assis, eu); Saquim de Arroz (Olavo); Feijão (Flávio); Lery (Marquim); O Morte (Moisés); Passão (Pedro); Osso da Pá (Seu Valdemar); Orelhão (Ricardo); Tapioca (Elias); Ceroto (Eduardo); Geladeira (Waldir); Cabeção (Oto); C... de Grude (João Negão, sem racismo); Pé Cagado (Manuel coiote); Fala Fino 1 (Cesinha); Fala Fino 2 (Carlito); Boca de Fumo (Luís) lembrando que, nada de coisa ruim como hoje, era porque ele falava mascando. Prosseguindo... Irmãs Maisena; Pajeú (Nancy); Malagueta (Cesar); Bocão (Tito); Vai Pra Merda (Edvar); Batata (José); Chico Tripa (Francisco); Bocora (Francisco); Pé de Pato (Jose); Prego Nu (Hélio); Filho da Mutuca (Vandir); Os doidos Marcos e Vera, mas eram mentalmente saudáveis, apenas com atitudes atípicas. Muduba (Edilson); Dibanquinha (Lucia); Zambeta (Elisabete); Japonês (Cesar); Jumento (Charles); Patino (Valdemar); Dedão (Alsenete); Macacão (Francisco do Seu Antônio Perna dura); Bacurau (Jorge); Klebão Alma (Kleber); Boca de Piano (Antônio); Colorau (Jorge); O Sal (Seu João); Wanderléia (Dona Elsa); Zé da Mundoca (Seu José); Patola (Fábio); Castanha Preta (Jorge); Quinha (Francisca); Boneco (José); Chico menino nu (Francisco); Cajuina (Toinho); Cara de bêbado (Valter); Bebida Falsa (Quincas); Canário (Geraldo), e três que nunca soubemos o nome: Ourivinga, Firme e o Ziquilino. Agora se tornaram personagens populares, na Vila São José, nessa parte pobre do Jacarecanga, e eu me orgulho de hoje ser Jornalista, Turismólogo, ferroviário de carreira, e vivo nas ondas do Rádio, vindo desse proletariado, e não da Aristocracia das ruas e entorno da Praça do Liceu/Guilherme Rocha/Francisco Sá. Vamos com os personagens: Edgar cara de gato, Chiquim perna de Alicate; Ana chupa dedo; Loudinha jumenta cabeluda; Luciano pedra de calçamento; Miltão mãozona; Dona Maria dos Ovos; Pedro do Encosta; Daniel Oião; Edson Patitaca; Beto Macaco; Pedro Véi das fossas; José pifite; Priqt.....de Onça; Chico ferro doido; Adgerson sapateiro; Raimundinho fon fon; Chico sete cão; Sérgio trepinha; Nilo boca de privada; Cabo Xuxa; Zinebra; Fontenele pantaleão; Fedorento do Picolé e o Cheiroso pipoqueiro. A Vila São José era isso. Operários e filhos de operários, assim como eu, tinha uma só linguagem, mas predominava o dialeto do apelido. Nasci e morei lá 23 anos e, nunca ouvi dizer que houvesse gente intrigado. Quando alguém era procurado, o apelido levava o procurador em cima do endereço. Todos brincavam e os mais maduros, ficavam nas calçadas. Minha mãe ainda hoje tímida, era ligada nas novelas da PRE9. Quer dizer, existia vida coletiva. A noite era nosso encontro na calçada da padaria do português Augusto, também proprietário da Padaria Triunfo no Centro da Cidade, baixos do Edifício do mesmo nome. Reuniam-se pelo menos 30 meninos por noite. Eu só faltava, quando tirava nota baixa do Grupo Escolar Sales Campos e ficava em casa de castigo. Fui uma vez visitar meu berço, não conheci ninguém da época. Que boas lembranças, que tempo aquele! Hoje, as pessoas destratam até por redes sociais e se intrigam até com a "sala do Fuxico", apelido que eu dou ao famoso e líder de uso: WhatsApp. Crescemos e a vida foi traçando o próprio destino. Evoco a frase de Machado de Assis: “Cada Coisa Pertence ao seu Tempo”.

Assis Lima

"O pé de castanhola que falei é esse que aparece no canto. O muro na calçada era o fundo do quintal da Viúva Isaura. Seu marido era funcionário da RVC. A mercearia que aparece na Rua Júlio Cesar/Maria Luíza era do Seu Olavo. A Caixa d'água era na rua Leda e nos baixos era o depósito do Rosimiro, hoje na Rua Jacinto de Matos "Organização Gonçalves". Meu saudoso pai Valdemar de Lima, trabalhou de servente pedreiro nestas construções em 1946. As primeiras casa datam de 1926, e eu nasci na Rua Cel. Philomeno nº43 hoje desaparecida devido a outra construção.
Esta foto foi colhida do terceiro andar do único edifício existente. Edificio em que abrigou no térreo os Supermercados CHIBE (Chico Philomeno e Beatriz), e quem lá residiu de 1970 a 1980, quando o CREA o condenou, meu Tio Cazuza."   Assis Lima



Assis Lima é radialista, idealizou e mantêm o Blog Tempos do rádio.

sexta-feira, 12 de agosto de 2016

A arquitetura do ferro em Fortaleza (Parte III) - Adaptação técnica e estética



No fim do Império, a criação da Escola Militar do Ceará, trouxe para a cidade oficiais matemáticos e engenheiros.


O século XIX assistiu à elaboração de novos esquemas de implantação da arquitetura urbana, representando um verdadeiro esforço de adaptação às condições de ingresso do país na modernidade. A integração do Brasil no mercado mundial, após a abertura dos portos, possibilitou a importação de equipamentos que contribuíram para a alteração da aparência das construções dos centros maiores do litoral, porém ainda respeitando o primitivismo das técnicas tradicionais.
A chegada tardia do neoclássico no Brasil se justapõe a uma duração prolongada dos caracteres austeros e simplificadores desse estilo na arquitetura, predominando no país até o final do terceiro quartel do século XIX.

É comum, e com razão,fazer uma ligação do neoclassicismo ao processo de europeização arquitetônica do Brasil, mesmo que algumas realizações nacionais dessa corrente formal estivesse presente, por via portuguesa, desde o século XVIII.
No Brasil costuma-se englobar, sob a mesma categoria, todos os edifícios que empregam o vocabulário arquitetônico cuja origem remonta à Antiguidade greco-romana, que se convencionou chamar neoclassicismo. Alguns elementos construtivos como cornijas, pilastras sob platibandas; paredes de tijolo, revestidas e pintadas de cores suaves; janelas e portas, enquadradas em pedra aparelhada e arrematadas em arco pleno, cujas bandeiras dispunham-se rosáceas com vidros coloridos; bem como os corpos de entrada, salientes, compunham-se de escadarias, colunatas e frontões de pedra aparente, formando conjuntos de linhas severas às normas vitruvianas, que eram características da influência da Academia e do estilo neoclássico.


Mercado da Carne, a primeira edificação pré-fabricada em ferro inaugurada na cidade.


Chegaram também os princípios de higiene que iriam modificar o urbanismo.
O saneamento das habitações e das cidades, a insolação e a aeração de todos os cômodos das habitações, foram medidas que alteraram profundamente os costumes.
Em Fortaleza, as obras de melhor acabamento, que só começaram a acontecer depois da metade do século XIX, resultaram uma ocasional sofisticação na vida urbana, atendidas em parte pelo aprimoramento técnico e a contribuição de profissionais mais capacitados para as novas necessidades. De início, foram militares engenheiros; depois engenheiros militares e, finalmente, engenheiros civis. O Ceará deve a esses profissionais, alguns de ascendência estrangeira, ou mesmo estrangeiros, a implantação e o desenvolvimento de sua arquitetura neoclássica, num primeiro momento. No fim do Império, a criação da Escola Militar do Ceará, trouxe para a cidade oficiais matemáticos e engenheiros. Os projetistas do neoclassicismo cearense não mantinham qualquer tipo de ligação com a Academia Imperial de Belas Artes do Rio de Janeiro. Eram em sua maior parte estrangeiros ou seus descendentes diretos, tais como Paulet, Gouveia, Folglare, Berthot, Théberge, Privat, Steffert, Herbster..
Tanto no Ceará, como em várias partes do Brasil, comprovam claramente a pouca ou nenhuma influência da Missão Francesa na implantação do neoclassicismo do país, pelo menos em pontos distantes do Rio de Janeiro, capital do Império.

Antigo mercado central de Fortaleza - Fonte Jucá Neto

No Ceará, mais precisamente em Fortaleza, o português Antônio José da Silva Paulet, Tenente-Coronel de Engenheiros, autor da malha em xadrez do primeiro plano de arruamento da cidade e elaborado segundo um traçado ortogonal de inspiração neoclássica, foi responsável, também, pelos primeiros projetos arquitetônicos desse estilo, implantados na cidade.
O projeto do novo mercado, da ainda vila, figurou como a mais antiga representação neoclássica da cidade, com características desse estilo na portada de acesso em pedra portuguesa. Silva Paulet foi responsável também pelo projeto e construção, iniciada em 1812 e concluída em 1822, da Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção, na sua última versão, com características do estilo neoclássico.


Antigo mercado central - Aquivo Jaime Correia

10ª Região Militar - Fonte Capelo Filho


Nessa época, a cidade demandava um conjunto de atividades burocráticas, para cujo exercício se impõe a devida correspondência arquitetônica. Além de igrejas na capital e no interior, merecem citação algumas obras dispersas pela Província, como o Teatro da Ribeira de Icó (1860), conforme projeto do médico, historiador e arquiteto amador, o francês Pedro Théberge; e o Teatro São João (1875-1882), em Sobral, projetado por João José da Veiga Braga.


Antiga cadeia pública - Arquivo Nirez


Em Fortaleza, o neoclassicismo oficial também foi representado no edifício da Cadeia Pública, projetada pelo engenheiro militar Manuel Caetano de Gouveia Filho, concluída em 1866; e na Assembléia Provincial do Ceará, cujas obras se iniciaram no ano de 1856 e foram concluídas em 1871, ainda, na época do Brasil-Império, projetada por Adolfo Herbster, descrito por Menezes (1895: 155), como sendo um majestoso edifício com dois pavimentos, frontão e “archivolta de cantaria ornando a porta principal, sobre a qual foi colocado pesado relevo, representando as armas imperiaes, arrancadas em 1890 a escopro para serem substituídas pelo emblema da Republica”
(Grafia da época)


Antiga Assembléia, hoje Museu do Ceará - Arquivo Nirez


O segundo e definitivo edifício da Estação Central, de acordo com o projeto do austríaco Henrique Foglare e inaugurado em 1880, ainda no Reinado de D. Pedro II, também merece destaque. A fachada do bloco principal da nova estação central de Fortaleza “possui colunas sobre pedestal encimado por frontão triangular, e escadaria demarcando o acesso ao interior do edifício”, com fachadas contíguas e janelas com aberturas em arco pleno, arrematadas superiormente por cornijas e platibandas, solução esta que foi adotada para integrar a antiga estação à nova.
No último quartel do século XIX, os edifícios construídos em Fortaleza apresentaram características da linguagem neoclássica, como a simplicidade das formas e a clareza construtiva. Na prática, porém, o neoclassicismo provincial ficou reduzido a simples vestígios simbólicos do estilo, tais como vergas de arco pleno, tímpano preenchido por bandeiras envidraçadas, e platibandas sobrepostas a cornijas de massa, raras vezes, a presença de algum frontão. Todos esses elementos revelam-se em algumas edificações inseridas no contexto urbano de Fortaleza, mais comuns em edifícios públicos.


Edifício da Estação Central do Álbum Vistas do Ceará


No Ceará, como em quase todo o país, a precisão formal neoclássica envolvia soluções pouco dispendiosas, sem grandes investimentos e sem precisar recorrer a trabalhadores altamente especializados. O tratamento enobrecido e distinto das pedras aparelhadas, geralmente lioz, muitas vezes já vinham prontas em partes, de Lisboa, para serem montadas no Brasil.
Era comum, também, substituir os vidros por grades de ferro batido nas bandeiras das portas principais de entrada; desenhos e a data da construção eram frenquentemente inseridos na parte central da peça. Por facilitar o arejamento, era utilizado também em lojas e armazéns.

Exemplos significativos podem ser encontrados em todas as cidades mais antigas do Brasil, especialmente em áreas junto ao porto. Essa bandeira de ferro pode ser vista como exemplo da época, sobre a porta principal da entrada da Assembléia do Ceará, e também sobre as portas da antiga Alfândega, inseridas num portal de pedra aparelhada, outro ornamento bastante característico desse período.

Bandeira de ferro e portal de pedra aparelhada da antiga Assembléia - 2014
Foto de Maria Claudia Vidal Lima Silva

Bandeira de ferro e portal de pedra aparelhada da Alfândega - 2014
Foto de Maria Claudia Vidal Lima Silva

Portanto, os autores desses projetos erguidos na Capital se enquadravam plenamente sob as influências desse estilo importado, mostrando uma ligação direta com a Europa, com a chegada dos arquitetos europeus e os também descendentes destes, na cidade.
Logo após a proclamação da República, o Ceará se viu dominado por uma oligarquia política comandada pelo comendador Antônio Pinto Nogueira Accioly. Os governos oligárquicos estaduais constituíram uma ocorrência nacional, a chamada política dos governadores inaugurada pelo presidente da República Campos Salles. O Ceará não foi exceção, inclusive com posterior destituição do grupo oligárquico, de forma violenta, no início de 1912.
Nesse período, em Fortaleza, duas obras têm grande importância no final do século XIX, no governo do Tenente-Coronel de Engenheiros José Freire Bezerril Fontenele, entre 1892 e 1896. O sóbrio quartel do Batalhão de Segurança (1893), na Praça Marquês do Herval, com reminiscências neogóticas e a sede do Liceu do Ceará (1894), provavelmente a primeira edificação a empregar elementos decorativos correlacionados ao ecletismo arquitetônico, localizada na Praça dos Voluntários. No governo de Bezerril Fontenele também foi iniciada a obra do Mercado da Carne, a primeira edificação pré-fabricada em ferro inaugurada na cidade.
Contudo, as manifestações da arquitetura eclética na Capital compreenderam as três primeiras décadas do século XX. As primeiras realizações já apareceram no final do século XIX, coincidindo com o período da oligarquia acciolina, iniciado no primeiro mandato em 1896. Apesar do número de obras de arquitetura nesse período ter sido modesto, no entanto, foram portadoras de alto valor simbólico no meio social de Fortaleza, envolvendo entidades e pessoas de notoriedade.


Batalhão de Segurança em foto de 1911

Prédio do Liceu na Praça dos Voluntários - Arquivo Nirez

Prédio do Liceu na Praça dos Voluntários, provavelmente a primeira edificação a empregar elementos decorativos correlacionados ao ecletismo arquitetônico. Arquivo Nirez


As transformações sociais e a expansão física da cidade vão ter consequências na organização espacial da casa e também dos lotes urbanos. As novas construções começavam a se afastar cada vez mais da chamada casa-corredor, de origem colonial. Durante o período imperial, Fortaleza havia mantido o aspecto comum da maioria das cidades brasileiras, uma arquitetura residencial constituída por alguns sobrados, uma grande parte de casas térreas e uma faixa de palhoças circundando a periferia urbana. Para romper com o velho sistema, alterou-se o plano tradicional, introduzindo acessos laterais às casas; assim começaram aparecer casas de esquina e casas situadas no meio dos quarteirões com entrada recuada em relação ao alinhamento da rua.
Nesse sentido, na arquitetura se processaram modificações ditadas não somente pelo gosto por estilos mais refinados, mas também por conveniências de mercado. As casas urbanas com telhados dotados de beirais, receberam platibandas que interrompiam esses mesmos beirais que jogavam água sobre as ruas, geralmente sem calçamento. Surgiam, assim, as calhas e descidas de águas pluviais executadas em ferro fundido e em ferro galvanizado, quase sempre produtos ingleses importados.




A primeira edificação, realmente construída segundo as normas do ecletismo arquitetônico, foi a sede da Fênix Caixeiral*, inaugurada em junho de 1905, em uma das esquinas da Praça Marquês de Herval, um dos locais da cidade mais valorizados na época.
O edifício reproduzia o plano das novas casas de esquina**, ou seja, com entrada lateral sem corredor; uma grande sala para festas, biblioteca e salas de aula. Mostrava um andar nobre sobre porão habitável, que dava um novo aspecto à arquitetura do prédio, com novidades tanto na implantação e localização, como na ornamentação da fachada, com abundância decorativa.

Associação Comercial (Palacete Guarani) - Arquivo Nirez

Em dezembro de 1908, foi inaugurada a Associação Comercial, uma antiga ambição do Barão de Camocim, Geminiano Maia, comerciante de posses, que havia passado parte da mocidade em Paris, voltando à Fortaleza, casado com uma jovem francesa. A nova edificação deveria dar lugar o “status que o alto comércio de importação e exportação reivindicava para si”, segundo Castro (1987: 220). O prédio também situava-se numa esquina, constava no térreo de locais destinados ao Banco Comercial e Agrícola, à exposição de produtos exportáveis e à Associação: e no andar superior, constavam vastos salões.

[...] tinha um vasto telhado de placas coloridas à feição de ardósia, formando desenhos geométricos cinza e róseos. O projeto recebera a assinatura do 1°. Tenente José de Castelo Branco e obedecia ao “estlylo greco-romano”, com “elegante pórtico formado por columnas jonicas” e intercolúnios “encimados por pilastras de ordem corinthia”. Os interiores do pavimento superior constavam de “quatro vastos e luxuosos salões: o de honra, gris-perle; o azul, o róseo, o verde”, com “ornamentos recordando Luis XV”, além do “forro de metal e o soalho todo de madeira de lei, formado por taboas escamadas, que produzem magnifico efeito, o unico no genero no Ceará” (CASTRO, 1987: 220). 
(Grafia da época)

Além dessas duas obras de arquitetura eclética, as sedes da Fênix Caixeiral e da Associação Comercial, a mais representativa nessa época, entretanto, é o Teatro José de Alencar, edificação metálica pré-fabricada, e o exemplar de maior significado da arquitetura do ferro na cidade de Fortaleza.


*Fundada em 1891, a Fênix Caixeiral era uma sociedade assistencial e cultural que congregava o pessoal do comércio, representados pelas figuras de maiores aspirações sociais no segmento, geralmente guarda-livros. Rapidamente passaram a desfrutar de grande consideração em todos os círculos sociais da cidade (CASTRO, 1987: 220).

**O esquema consistia em recuar o edifício dos limites laterais, conservando-o sobre o alinhamento da via pública, o recuo era apenas de um dos lados, do outro quando existia, era reduzido ao mínimo (REIS FILHO, 1983: 44).


Leia também:
Parte I
Parte II


Crédito: Uma Revolução no tempo das trocas: Arquitetura do ferro na cidade de Fortaleza (1860-1910) - Maria Claudia Vidal Lima Silva

sexta-feira, 29 de julho de 2016

Rotary Club de Fortaleza 82 anos - Humanitarismo e Ética







Em o6 de maio de 2016, o Rotary Club de Fortaleza completou 82 anos de muitas histórias!!!

O grande evento aconteceu no Salão Nobre do Ideal Clube

O Presidente do Rotary Club de Fortaleza, o empresário Tarcísio Porto, recebeu no dia 6 de maio no Salão Nobre Edson Queiroz do Ideal Clube os associados e convidados para a festa comemorativa pelos 82 anos de fundação do Rotary Club de Fortaleza.

Na ocasião foram entregues dois Cristais Major Donor para o Empresário José Carlos Pontes e para o Companheiro Arnobio Tomaz, assim como o titulo de Sócio Honorário ao Prefeito de Fortaleza, Roberto Cláudio. O ponto alto da comemoracão foi a inauguração da placa dos 82 anos que ficará exposta permanentemente no Salão Nobre Edson Queiroz do Ideal. Presentes ao evento diversas personalidades da sociedade de Fortaleza como:
General Freire Gomes, Ministro Ubiratan Aguiar, Capitão dos
Portos Com. Salema, Geraldo Assunção, Lino Menezes, Edilson Pinheiro dentre outros.

 
O nosso Rotary Club de Fortaleza foi fundado em 07 de maio de 1934, sendo assim o primeiro Rotary Club no Estado do Ceará. Foi o 5º Rotary Club fundado no Nordeste. Anteriormente, somente tinham sido premiadas com a criação de Rotary Clubs as cidades de Recife (1931), São Luis (1931), João Pessoa (1933) e Salvador (1933).

Reunião Preliminar

O momento em que Paul Harris descobriu o Brasil.
Em 1936, uma viagem memorável permitiu aprimorar a relação entre o Rotary e a América do Sul. Crédito: Página do Rotary Club Fortaleza

Com a presença de Nestor de Figueiredo, no salão nobre do Hotel Excelsior no Centro (Fortaleza) foi realizada no dia 22 de Dezembro de 1933 a reunião preliminar com um grande número de convidados, alguns cheios de entusiasmo, outros tomados de curiosidade, no justo desejo de se afazerem, em aproximação mais, diretas aos temas da instituição que pela primeira vez, iam ser ventilados e discutidos, de público, na terra dos “verdes mares"

A Nestor coube a tarefa, verdadeiramente evangelista de apresentar, pela primeira vez, os ensinamentos mais gerais da doutrina de Paul Harris. Nesta memorável assembléia que contou com a presença do Governador (Interventor) do Ceará, Cap. Roberto Carlos Vasco Carneiro de Mendonça foi eleita, por aclamação e imediatamente empossada, uma Diretoria Provisória que se encarregaria da adoção dos procedimentos necessários à fundação da nova entidade, assim constituída: 

Presidente, Pedro Philomeno Ferreira Gomes; Vice-Presidente, Álvaro Weyne; Secretários, Edgar Dutra Nunes e Raimundo Girão; Tesoureiro, José Thomé de Sabóia e Silva. Além dos já citados estiveram presentes: Abnegado Rocha Lima, Alberto Sá, Clóvis de Araújo Janja, Clóvis de Alencar Matos, Demócrito Rocha, Demóstenes BrígidoElísio Aires, Esmerino Parente, Francisco Falcão, Jorge Moreira da Rocha, José Leite Maranhão, José Ramos Torres de Melo, João da Frota Gentil, José Sérgio dos Reis Júnior, Manoel Onulfo Câmara, Maximiano Leite Barbosa Filho, Pedro Augusto de Araújo Sampaio, Paulo Sarasate, Raimundo Girão, Major Tibúrcio Cavalcanti e Roberto Gradvol. Apresentaram escusas por não poderem comparecer, em virtude de força maior: Carlos Livino de Carvalho, Ernesto Pouchain, Francisco Moreira de Sousa, Francis Reginald Hull, Paulo de Avelar Cavalcante Rocha

A sessão inaugural foi realizada no dia 07 de maio de 1934, às 20 horas, no salão principal do Palace Hotel, em meio a muita luz e efusão d’alma. O clube foi oficialmente instalado pelo Governador do Distrito, Lauro de Andrade Borba, que vaticinou, em brilhante alocução, que o clube teria uma vida cheia de ações úteis à comunidade. Fez uso da palavra o companheiro Dorgival Mororó, transmitindo as saudações amigas e estimulantes dos companheiros do Rotary Club de João Pessoa padrinho de nosso Clube, enfatizando que o lema a ser adotado por todos seria: “dar de si antes de pensar em si”.


Almoço para a Marinha Americana no Palace Hotel em 1944 oferecido pelo Rotary Club de Fortaleza. Crédito: Página do Rotary Club Fortaleza

Fundação

Tomaram parte nesta reunião, além de Lauro de Andrade Borba, Governador do Distrito e Dorgival Mororó, delegado do clube de João Pessoa, o convidado Omar Grant O’Grady, engenheiro no Rio Grande do Norte e diversos representantes da imprensa, e 31 companheiros, sócios fundadores que eram os seguintes: Abnegado Rocha Lima, Adriano MartinsÁlvaro Weyne, Alberto Sá, Antônio Fiúza Pequeno, Carlos da Costa Ribeiro, Clóvis de Araújo Janja, Campos Júnior, Clóvis de Alencar Matos, César Teófilo Gonçalves, Demóstenes Brígido, Esmerino Gomes Parente, Edgar Dutra Nunes, Eurico de Almeida Monte, Francisco Sabóia, Fernando Fiúza Pequeno, Humberto Oliveira, João Demétrio Dummar, João da Frota Gentil, Jorge Moreira da Rocha, José Barros Maia, José Leite Maranhão, José Ramos Torres de Melo, José Sérgio dos Reis Júnior, José Thomé de Sabóia e Silva, Oswaldo Studart Filho, Paulo Sarasate, Pedro Philomeno Ferreira Gomes, F.P. Pereira de Miranda, Raul de Souza Carvalho e Raimundo Girão. Justificaram a ausência: Carlos Livino de CarvalhoDemócrito Rocha, Francis Reginald Hull, Francisco Falcão, Francisco Moreira de Sousa, João Germano da Ponte, José Rodrigues da Silva e Pedro Firmeza.

O Primeiro Conselho Diretor

Nesta mesma reunião foi eleito, por aclamação, o primeiro conselho Diretor do Rotary Club de Fortaleza, assim constituído: Presidente, Pedro Philomeno Ferreira Gomes; Primeiro Secretário, Raimundo Girão, Segundo Secretário, Edgar Dutra Nunes, Tesoureiro, José Thomé de Sabóia e Silva, Diretor de Protocolo, Clóvis de Alencar Matos e Vogal, Carlos da Costa Ribeiro. O Presidente Pedro Philomeno Ferreira Gomes reafirmou integralmente suas qualidades de condottiero, já demonstrada à frente da Diretoria Provisória, razão pela qual seus companheiros o cognominaram de “O Formidável”, secundado por Carlos Ribeiro que passou a ser o mestre abalizado e culto das coisas rotárias, que a todos ensinava em memoráveis Instruções Rotárias. Estes atributos credenciaram Carlos da Costa Ribeiro, apenas decorridas duas semanas da fundação do clube, a participar nos dias 25 e 27 de maio, da 5ª Conferência Distrital, da qual voltou tocado de comunicativo entusiasmo e ainda melhor informado para seu mister de ensinador. Durante este primeiro ano rotário, grande foi o progresso educativo dos nossos companheiros, graças às Instruções Rotárias ministradas por Carlos Ribeiro. Na terceira reunião semanal, realizada em 2 de junho, Álvaro Weyne pedia a atenção do Clube para momentoso problema da mendicância em nossa cidade. A presença de Raimundo Girão na Prefeitura e ao prestígio dos companheiros do Rotary tornaram possível destinar ao Asilo de Mendicidade de Fortaleza 200 mil contos de réis: 50 dos cofres da Prefeitura e 150 do Governo do Estado pelo Interventor, Capitão Roberto Carlos Vasco Carneiro de Mendonça. Esta substancial ajuda e mais a ação do Sindicato dos Lojistas, dirigido pelo rotariano, José Ramos Torres de Melo, em muito contribuíram para minorar o sofrimento dos desvalidos. Consolidado o clube em Fortaleza, parte já no segundo ano de sua fundação para interiorização do Rotary. Após a tentativa frustrada de fundar um clube em Sobral, em face da resistência do Bispo José Tupinambá da Frota, o clube volta suas atenções para a cidade de Quixadá, sede do promissor município, e ali funda, na terra dos monólitos, o “Curral de Pedra”, denominado por alguns pela grande quantidade de pedras que circundam a cidade, o primeiro clube no interior de nosso Estado. Outro acontecimento de significativa importância se verificou na Conferência Distrital, em Curitiba, em 1935, quando foi escolhido Governador do Distrito o companheiro Carlos da Costa Ribeiro, grande distinção a um clube com menos de dois anos de fundação mas que já se destacava no Distrito.


O Presidente 2015/2016 Tarcísio Porto recebe das mãos do companheiro Germano Almeida, a medalha Antônio Gomes Guimarães, a maior honraria concedida pelo Rotary Club de Fortaleza. Crédito: Página do Rotary Club Fortaleza

domingo, 24 de julho de 2016

Os espaços de lazer na Fortaleza de outrora - Parte II



Em 1910, Fortaleza contou, pela primeira vez, com uma grande casa de espetáculo, o Theatro José de Alencar. As negociações para a construção do Theatro José de Alencar foram mediadas em 1908 pela filial cearense da casa Boris Frères, de Paris. Aliás, esta casa costumava intermediar as negociações financeiras de toda a cidade com a França, inclusive as do Estado. Assim, o Theatro José de Alencar teve sua estrutura metálica fabricada na Escócia pela firma Walter MacFarlane & Co. Embora a administração da oligarquia Accioly, como era conhecida por estar desde 1896 no poder, já não gozasse de prestígio e popularidade, o teatro foi um ponto de convergência entre os partidários e opositores do
governo. Vinha corroborar os ideais de modernidade, dos bons costumes e representação de
poder como aponta Carlos Câmara no jornal A República, de 21 de janeiro de 1910:  


“Vai Fortaleza possuir um theatro, uma casa de espetáculos vasta e confortável, que não a
envergonhará aos olhos do estrangeiro. [...] O Theatro é um elemento de civilização e
progresso”
.


 

A inauguração do Theatro José de Alencar foi comentário de muitos impressos do período. Otacílio de Azevedo, por exemplo, que esteve no dia da inauguração, abordou em seu livro de memórias, as sensações daquela noite:

A primeira vez que transpus as portas do Teatro José de Alencar foi na noite de 17 de setembro de 1910 – era a sua inauguração artística, pela célebre Companhia de Operetas Leopoldo Fróes e Lucila Pérez. [...] Três meses antes, a 17 de junho, a casa de espetáculos havia sido entregue ao público da província pelo presidente Acióli, através de um longo discurso proferido por Júlio César da Fonseca, um dos maiores oradores da época. Realizou-se umconcerto pela Banda de Música do Corpo de Segurança do Estado, sob as
batutas dos maestros Luis Maris Smido e Henrique Jorge. [...] No centro da Praça, um enorme e belo coreto, onde a Banda da Polícia Militar executava todas as quintas-feiras belas partituras dentre as quais se destacava a valsa mais querida de todos – “A Norma”.



 Fortaleza e a era do cinema

Curiosamente, não foi encontrada nenhuma nota em jornal, revista ou livro de crônicas da época que anunciassem uma apresentação de música popular. Apareciam, como se observa na citação, apenas apresentações operísticas, de bandas militares ou de orquestras.
Os artistas, por mais que gostassem das diversões noturnas mais ecléticas, demonstravam
deslumbramento para com os divertimentos nos teatros. Ramos Cotôco e Paula Ramos, por exemplo, não só frequentavam ininterruptamente esses locais, como participaram da sua
construção estética, pintando o teto do palco principal e o do foyer.
O cinematógrafo foi outro espaço de entretenimento que “abrigou” um público bastante heterogêneo, sendo, muitas vezes, alvo da crítica das elites. O primeiro cinematógrafo foi instalado em Fortaleza no ano de 1907, por Vitor de Maio, o mesmo que inaugurou no Rio de Janeiro em 1884 o primeiro cinema brasileiro. Ele foi montado na rua Cel. Guilherme Rocha, nos fundos da Maison Art-Nouveau. Em 1909, outros seguiram os seus passos. Henrique Mesiano, que inaugurou o cinema Rio Branco, e Júlio Pinto, que fundou o Cassino Cearense.


Cinema Rio Branco na rua Barão do Rio Branco. A placa do cinema foi percebida pelo pesquisador Nirez -  Fortaleza e a era do cinema

 Fortaleza e a era do cinema

As instalações do Cassino Cearense eram mais modestas se comparadas às do Cinema Rio Branco. No começo, o Cassino Cearense possuía orquestra, na sala de espera inclusive, mas depois passou a ter apenas uma pianista na sala de projeções. Essa presença de instrumentistas e/ou cantores no cinema se explica pelo fato de que os filmes, nesse período, eram mudos. Apesar da presença de camadas abastadas nos cinemas, no início das instalações das salas, os
indivíduos iam apenas ver esses filmes pelo dever social, ou seja, por acharem que essa
prática simbolizava um elo com a modernidade. Havia dificuldade desses cinemas sobreviverem na capital devido à falta de espectadores.


 Majestic - Fortaleza e a era do cinema


Em 1917, um cinema-teatro foi inaugurado em Fortaleza. O Majestic Palace foi descrito pelo memorialista Otacílio de Azevedo como a maior expressão do fino gosto que atraía a fina flor da sociedade. Entre essa “fina flor”, encontravam-se no dia da inauguração seus amigos boêmios Ramos Cotôco, José de Paula Ramos e Antônio Rodrigues. A presença desses indivíduos ligados à boemia na casa de espetáculo é um alerta sobre a importância de se conhecer a fundo as estratégias, sobretudo de Ramos Cotôco, de mediar e condensar suas
experiências nas modinhas que produzia. Ainda, segundo Azevedo, a estreia dos espetáculos
foi feita por músicos profissionais, um deles vindo de fora, como se pode observar abaixo:
 

Da segunda porta do belíssimo cenário, surge Fátima Míris, vestida como japonesa e, após entrar rapidamente na primeira porta, voltou a sair, desta vez na forma de um pastor. Era inacreditável tudo aquilo. [...] Ao levantar-se o pano, no segundo intervalo, a violinista deslumbrantemente trajada apareceu, imitando um dueto com tamanha habilidade e perfeição que o maestro Henrique Jorge, subindo ao palco, ajoelhou-se e beijou-se as mãos.
[...] ficaram todos boquiabertos e assombrados diante da excelsa intérprete de Paganini. [...] Ao cair o pano, em meio à maior chuva de aplausos, gritavam a todos a uma só voz: “bis, bis”, ao que ela entendeu.


Os clubes também contribuíram para a institucionalização das diversões. No fim do século XIX, eles foram tomando o lugar dos bailes que ocorriam nos sobrados e palacetes da capital. A narrativa de Raimundo Girão adverte que, aos olhos dos estrangeiros, aos poucos os clubes se tornaram vulgarizados. Fortaleza foi denominada por eles como “A cidade dos clubes”. No
entanto, acredita-se que esse comentário foi uma forma pejorativa de encarar os habitantes
como indivíduos dispostos ao gosto por “coisas efêmeras”.




O Clube Cearense, que surgiu no ano de 1867, e estava localizado num sobrado residencial da Rua Senador Pompeu, de propriedade de D. Manuela Vieira, foi, segundo Girão, um clube bastante seleto, que comportava os indivíduos mais “ilustres” da sociedade.
Nesse tempo, era predominante a atuação de estrangeiros na Capital, notadamente ingleses,
franceses e portugueses, afeitos às “exigências” das grandes cidades europeias e, por essa
razão, frequentadores assíduos do clube. Essa seleção social fez surgir uma reação de grupos
intelectuais que se sentiam agredidos por não terem a entrada permitida no clube, surgindo
assim, no ano de 1880, o Clube Iracema. Essa agremiação era composta, em sua maioria, por moços do comércio, um número pequeno de estrangeiros, empregados públicos. Esses indivíduos que pertenciam à agremiação do Clube Iracema, embora tivessem sofrido preconceito de classe, não deixaram de fazer o mesmo recebendo apenas “todos os dignos da cadeia social da cidade”.  Um dos comentários feitos por Girão em defesa do Clube Cearense é revelador:


Não há aristocracia dos bailes do Clube Cearense, nem essa grandeza de nobiliarquia, nem as deslumbrantes toilettes do clássico noblesse oblige, mas em compensação há vida, mocidade e prazer, que fazem do baile, não um agrupamento convencional de etiquetas e exposição de tipo e trajes, mas uma assembléia jovial, familiar, alegre, buliçosa, ativa, forte e robusta, que
enche os pulmões de prazer e desenvolve-se, marcha, evolui, por meio dessa higiene moral que faz das sociedades o fator da civilização, do progresso e da grandeza da humanidade.


 
As confraternizações no Clube Cearense eram pensadas para ter funções além da de entreter. Percebemos que as diversões, como os concertos, recitais e sessões literárias, tinham a finalidade de educar e, ao mesmo tempo, moralizar os espectadores. A família nuclear deveria ser mantida a todo custo, ou, do contrário, não se era visto com “bons olhos” pelos outros pertencentes à agremiação. Quando o Clube Cearense fechou suas portas, coube ao Clube Iracema manter esses ideais de valorização da família e dos “bons costumes”, com a finalidade de “civilizar” os habitantes da capital. O Clube Iracema aumentou a sua fama após inúmeras apresentações de companhias internacionais, entre elas as italianas, além da presença do compositor Alberto Nepomuceno, que, por ter completado seus estudos musicais na Europa e possuir certo renome, passou a ser um símbolo de indivíduo civilizado:

Ficou afamado, tido e havido com o primeiro grande concerto presenciado pelos fortalezenses aquele tão bem descrito pelo cronista Pery e no qual (1884) tomaram parte amadores prata-de-casa e artistas da Companhia Lírico-Cômica Italiana, de Luigi Milone, que representava no Teatro São Luis: Salões literalmente cheios, uma miríade de olhos divinos constelando um  jardim de rosas sob as cintilações dos candelabros num giorno fantástico, ideal, celeste. [...] O jovem maestro Ciro Ciarlini e o grande orquestrante Joaquim Franco ao piano arrebataram, como arrebataram com as suas gargantas privilegiadas a prima-dona Sidônia Springer, na Serenata de Braga, e os barítonos Cesare Baracchi e Dominici, cantando este a Balo in maschera, romanza de Verdi. Dos nossos, deram desempenho maravilhoso Celina Rolim e a irmã Branca Rolim, “as jóias queridas do calor de Iracema”, as senhoras Maria Abreu Albano e Maria Amélia Teófilo, e o diletante José Marçal, grande vocações artísticas que era. [...]E o renome do Clube Iracema, nos domínios da ate, cresceu com o fulgor que lhe vieram dar, com as suas admiráveis interpretações, virtuosos do valor de Alberto Nepomuceno, Henrique Jorge, Moreira Sá, Frederico do Nascimento, Galiani Vincenzo Cernicchero, Artur Napoleão, Adrés Dalmau, Ladário Teixeira [...]

 
Com o passar do tempo, outras agremiações nasceram como, por exemplo, A Fênix Caixeiral (1894), o Reform Club (1886), entre outras. Algumas dessas agremiações eram modestas e se fixaram em locais distantes da área central da cidade. Outro grande clube em Fortaleza, que só abriu em 1913, levou o nome de Clube dos Diários por seus fundadores
João Garcia Árêas, Francisco da Costa Freire, Martiniano Silva, José Mendonça Nogueira, João Mar-Do-well Guerreiro Lopes, César Cals de Oliveira e Henrique Jorge.




No fim do século XIX, outros pontos de encontro foram instalados na cidade de Fortaleza. Os cafés afrancesados e os bares eram frequentados por um público bem distinto, entre eles estavam presentes intelectuais, boêmios, caixeiros, políticos, estudantes, entre outros. Estes locais aguçavam debates fervorosos sobre assuntos do dia a dia, críticas políticas ou, até mesmo, mexericos sociais. Os cafés locais eram inspirados nos de Paris. Café de La Paix, o Café de La Regence eram representações do gáudio e glamour e, por isso, serviram de
modelo para a construção dos quatro cafés instalados na Praça do Ferreira: O Café Iracema, Café Elegante, Café do Comércio e Café Java, este último, lugar de encontro dos intelectuais da Padaria Espiritual. Seu proprietário era conhecido como Mané Coco, um homem espirituoso, que adorava frequentar circos e teatros.


O Café Riche teve vida curta mais intensa. Curiosamente intensa, porque essa intensidade não significava movimento comercial de receita para os proprietários. Funcionava na esquina mais famosa da cidade, em plena Praça do Ferreira, na Rua Guilherme Rocha, antes Municipal e 24 de Janeiro. Na hora do almoço, a parte do Café Riche que era bar enchia-se dos fregueses que trabalhavam no comércio. Já à tarde, os frequentadores eram mais estudantes, artistas e literários. Os cafés eram espaços de sociabilidade mais democráticos do
que os clubes e os salões da elite, consequência da não necessidade de consumir para sentar
nas cadeiras do estabelecimento.



As discussões nesses cafés geravam frutos, pois, segundo Azevedo, muitas agremiações, revistas e jornais foram fundados nas rodas de conversas nos bares e cafés da cidade. O Café Java, por exemplo, era sede de discussões políticas fervorosas. Entre seus frequentadores estavam Amâncio Cavalcante, Leonardo Mota, Eurico Pinto, Gérson Faria, William Peter Bernard, Ramos Cotôco, Chamarion, Carlos Severo, Gilberto Câmara, Quintino Cunha, o Rocinha, da farmácia, o Pilombeta, muitos deles boêmios.
Enfim, percebe-se que a circulação de artistas e uma parcela menor de intelectuais nos variados espaços da cidade foi imprescindível na tentativa de diminuir o controle sobre as diversões públicas. O “lugar da música” foi relativamente controlado por indivíduos preocupados com o progresso da capital, pois havia o lugar para tocar as fanfarras militares
(em coretos de praças), o lugar das orquestras (em teatros e clubes), o lugar dos pianistas (em
cinemas e bailes suntuosos), entre outros. Porém, a improvisação, marca de grupos que se esforçavam para manter vivas suas manifestações culturais, resignificavam dia a dia o “lugar
da música”, fazendo-as em bodegas, quiosques, residências e, principalmente, no meio da rua.


Alguns escritores advertiram que os lugares de música podem ser bem inusitados e que as pessoas podem transitá-los de acordo com suas necessidades. Oliveira Paiva em seu romance de ficção A afilhada, por exemplo, percebe que, na sociedade de que fazia parte,
havia, embora em número muito reduzido, homens que garantiam a circulação das práticas
musicais. Embora fosse um personagem criado pelo autor no século XIX, Coutinho era fruto
da sociedade fortalezense, que serviu como modelo para o romance:


Desta vez ia falar o alferes Coutinho, quartel-mestre do batalhão, um moreno, de costeletas, cabelo penteado em pastilhas, certo ar arrogante de pelintra acostumado a todas as festas, desde os sambas do Outeiro aos bailes do Clube Iracema, magricela, olhos cavados. Nas horas d’ ócio dava-se ao luxo de fabricar sonetos do gênero piegas dos últimos trovadores de salão.
[...] Arrastava ao piano as valsas em moda e dizia-se exímio tocador de flauta. [...] Convidado a toda parte, não perdia ocasião de exibir-se na poesia ou na música. Tinha fama de primeiro recitador do Ceará. Ninguém como ele sabia marcar uma quadrilha, todo enfezado, sempre de lenço na mão, metido invariavelmente na sua farda de alferes com um colete branco.





Crédito: Ana Luiza Rios Martins - Entre o piano e o violão: A modinha e a cultura popular em Fortaleza (1888-1920). /Biblioteca Nacional 

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