Fortaleza Nobre | Resgatando a Fortaleza antiga
Fortaleza, uma cidade em TrAnSfOrMaÇãO!!!


Blog sobre essa linda cidade, com suas praias maravilhosas, seu povo acolhedor e seus bairros históricos.

 



sexta-feira, 11 de abril de 2014

Especial Fortaleza 288 anos - Praças da cidade (Parte II)



Apesar de não figurar na planta da cidade em 1875, a sua demarcação é anterior a 1859. A praça foi construída sobre uma pequena lagoa (daí a nomeação de Praça da Lagoinha) depois de aterrada por haver se convertido em depósito de lixo, e em foco de doença.
Chamou-se também Coronel Teodorico (1881) em honra ao médico, Vice Presidente da Província, Deputado, Presidente da Assembléia e Coronel Comandante da Guarda Nacional.
Outro nome foi Praça 16 de novembro (1890), data da instalação do Estado do Ceará em 1889.
Comendador Teodorico (1891) - A denominação anterior ficou sem efeito. 
Foi arborizada com mongubeiras em 1923. 
Sua área foi reduzida para a construção de dois Institutos de Beneficência e Caridade.
Em 1929 foi construído um coreto, onde servia de palco para exibições da Banda da Polícia Militar.

Em 1930 se construiu um lindo jardim com Fonte luminosa (Hoje na Praça Murilo Borges). Nessa época a praça tinha o nome de Thomas Pompeu de Sousa Brasil.

A praça é uma das mais antigas e tradicionais de Fortaleza.
João Capistrano de Abreu: Intelectual destacado, cearense de Maranguape, dedicou-se intensamente ao ensino do jornalismo, da crítica literária e dos assuntos históricos.



O antigo Largo do Patrocínio era um areial, como todas as antigas praças da cidade. Foi chamada de Largo do Patrocínio até 1870, por ficar em frente a Igreja de Nossa Senhora do Patrocínio, construída em 1849.
Em 1870, por proposta de um vereador, teve seu nome mudado para Praça Marquês de Herval, mas o povo continuou a tratá-la como do Patrocínio.


Em 1890 passou a ser oficialmente Praça do Patrocínio, mas em 1891 voltou a ser Marquês de Herval. No ano de 1903, houve a inauguração do Jardim Nogueira Acioly (Antigamente, cada praça de Fortaleza ao ser urbanizada, tinha dois nomes, o da praça e o do jardim. Na Praça do Ferreira tinha o jardim Sete de Setembro; a Praça Caio Prado, ou da , tinha o Jardim Pedro Borges; a Praça José Júlio (ou Coração de Jesus) tinha o jardim Bárbara de Alencar, a Praça Comendador Teodorico (ou da Lagoinha) tinha o jardim Tomás Pompeu e a nossa Marquês do Herval, tinha o Jardim Nogueira Acióli, que foi inaugurado na administração do intendente Guilherme Rocha. No dia 24 de janeiro de 1912 houve uma revolta e a consequente derrubada do Governo Acióli, quando o povo rebatiza o jardim como Franco Rabelo).
Recebeu o nome de Praça José de Alencar em 1º de maio de 1929, por ocasião do centenário de nascimento do romancista. Nesta ocasião, também foi inaugurado o conjunto escultório. Somente em 1938, foi oficialmente denominada de Praça José de Alencar.



A Praça Clóvis Beviláqua já chamou-se Visconde de Pelotas (Por volta de 1870), em virtude de decreto da Câmara dos Vereadores, numa homenagem ao herói da guerra do Paraguai, marechal José Antônio Correia da Câmara
Em 1926 recebeu o nome de Praça do Encanamento, quando se estendeu, desde o Benfica, o abastecimento d'água para a cidade, com a localização de chafarizes. 

Em 1930, na administração de Álvaro Weyne, a praça foi urbanizada no atual trecho e recebeu o nome de Praça da Bandeira, mas oficialmente só foi mudado em 1937, por decreto do então prefeito Raimundo de Alencar Araripe

Em 1943 foi construído, com projeto do desenhista Rubens Diniz, um obelisco em homenagem aos Aliados da 2ª Guerra Mundial, o "Obelisco da Vitória". A iniciativa foi de estudantes da Faculdade de Direito, que promoveram um concurso. 
Em 10 de julho de 1959, na gestão do prefeito Cordeiro Neto, seu nome foi novamente mudado, passando a chamar-se Clóvis Beviláqua. O nome de Praça da Bandeira passou para a Praça do Colégio Militar.

Quando a praça tinha o nome de Visconde de Pelotas, ia da Rua General Sampaio até a Senador Pompeu em sua largura e no comprimento ia da Rua Clarindo de Queiroz até a Rua Antônio Pompeu, atravessando a Rua Meton de Alencar. Primeiramente foram construídas as caixas d'água que ocuparam um espaço considerável do lado da Rua Antônio Pompeu. Depois veio a Faculdade de Direito que ocupou o restante da parte que ia até a Rua Meton de Alencar. Aos poucos a Faculdade foi tomando as laterais e o espaço entre ela e as caixas d'água. Depois a praça foi destruída, na administração Walter Sá Cavalcante, sendo nela feita uma caixa d'água subterrânea que a deixou sem arborização e sem função por mais de uma década.


A praça foi criada no início do século XIX, chamada de Praça da Alfândega em virtude do prédio da Alfândega  (inaugurado em 1891). Antes de o prédio ser construído, a Alfândega funcionou em prédio modesto no local onde depois seria a Praça Almirante Saldanha. Tem uma área de 5.820,00 m². Fica entre a Avenida Pessoa Anta, Rua Dragão do Mar, Almirante Tamandaré e Almirante Jaceguai.

Após 1915,  recebeu o nome de Praça Fausto Barreto, em homenagem ao Dr. Fausto Barreto, médico, Presidente do Rio Grande do Norte e Deputado pelo Ceará.

Em 1932, na gestão do Prefeito Raimundo Girão, volta ao nome original (Da Alfândega).

Na gestão do prefeito Álvaro Weyne (1935/1936), recebe o nome que tem hoje, Praça Almirante Saldanha.


No local existia apenas um grande campo onde foram concentrados, aqueles que voluntariamente se alistavam para a Guerra do Paraguai em 1864.

Depois, pelo local ficar bem próximo a Lagoa do Garrote (que se transformaria no Parque da Liberdade), antes de 1932, a Praça dos Voluntários recebeu o nome de Largo do Garrote; essa Nomenclatura deveu-se segundo os historiadores eruditos, em que nos cajueiros e demais árvores que ficavam na beira da Lagoa do Garrote, abatia-se gado provenientes de Messejana e Parangaba, para o abastecimento de carne verde para a cidade.

Nomes que recebeu a praça:

Largo do Garrote - Anterior a 1932. A Praça estendia-se até onde hoje é o Parque da Liberdade.
Largos dos Voluntários da Pátria - Homenagem aos cearenses que seguiram voluntariamente para a Guerra do Paraguai, como componentes do famoso Batalhão 26 de Voluntários da Pátria, contra o ditador Paraguaio Solano López.
Praça Voluntários - Em 1932.
Em 1941, foi remodelada e colocado um busto do Presidente da República na época, Dr. Getúlio Vargas.


Leia aqui a Parte I
Fontes: Livro Cronologia Ilustrada de Fortaleza de Miguel Ângelo de Azevedo, Livro Fortaleza - Praças, Parques e Monumentos de Lídia Sarmiento e José Capelo Filho e Portal do Ceará de Gildásio Sá.

Fotos: Arquivo Pessoal, Arquivo Nirez, Arquivo Assis Lima e Acervo Clóvis Acário Maciel



quinta-feira, 10 de abril de 2014

Especial Fortaleza 288 anos - Praças da cidade



A Praça Caio Prado parece ser a primeira praça de nossa capital, pois na planta da Vila de Fortaleza descrita pelo padre Serafim Leite com desenho do Capitão Mor Manuel Francês e enviado a Lisboa em 1726, como demonstração de seus serviços, comprova o fato quando ele diz: "Em frente da Câmara e do Forte, a praça com os símbolos municipais, coincidindo o pelourinho com a frente da Câmara e a forca com a da Fortaleza." 
"Situada donde hoje é a Sé, reunia no seu espaço a valorização da casa da Câmara do Pelourinho, símbolo da autoridade Municipal, e a presença da igreja."

Já recebeu o nome de Praça do Conselho (em 1726) assim designado pela existência do prédio do Conselho (Hoje desaparecido).
Do Largo da Matriz (em 1854), quando da construção da igreja em 1854.
Da Sé - Quando a igreja Matriz passou a, em 1861.
Caio Prado (em 1889), em homenagem a Antônio da Silva Prado, paulista que foi presidente do Ceará em 1888/1889, tendo falecido nesse cargo em Palácio.
Novamente recebeu o nome de Praça da Sé (1890/1891), mas só durou 6 meses, quando voltou a denominação anterior.
Praça Dr. Pedro Borges (em 1903), homenagem a Pedro Augusto Borges, médico do Exército, Senador da República, Deputado Federal e presidente do Ceará (1900-1904).
Da Sé (1932 até hoje) - A praça era todo aquele espaço compreendido entre as ruas São José e General Bezerril (Norte-Sul), Rufino de Alencar, Sobral e Castro e Silva.


A origem da Praça General Tibúrcio remonta aos tempos da construção da Igreja do Rosário em 1730. Em 1831 o Largo do Palácio foi planejado e então a praça começa a ser urbanizada, sendo inaugurada em 1856. Depois da morte do general Antônio Tibúrcio Ferreira de Sousa, herói da Guerra do Paraguai, em 1885, uma estátua foi erguida em sua homenagem na praça em 1888, sendo a primeira estátua pública da cidade. Já recebeu o nome de Largo do Palácio, Pátio do Palácio, Praça do Palácio, General Tibúrcio ( A estátua do general é a primeira a ser erigida em Fortaleza. Possui 2,50 m de pedestal e 2,00 m de escultura e sua fundição aconteceu em Paris por Tliebant Fréres, mas o pedestal foi feito por Frederico Sinner, aqui em Fortaleza (1887/1888).
Em 1820 passou a ser chamada de Praça 16 de Novembro para comemorar a instalação do Governo Provisório do Estado do Ceará. Durou apenas 6 meses e até hoje se chama Praça General Tibúrcio, mas é conhecida também como Praça dos Leões devido as estátuas de leões que a ornamentam. 



Fundada em 1817, a Praça Carolina era um grande largo que ficava entre a atual Rua São Paulo, Rua Floriano Peixoto, Rua Sobral e Rua General Bezerril, onde foi inaugurado, em 18/04/1897, o Mercado de Ferro.
Chamou-se, depois, Largo da Assembléia e Largo do Mercado.
Quando dividida, já se chamou Praça José de Alencar (o lado norte) e Praça Capistrano de Abreu (o lado sul).
Hoje, no local estão, o Palácio do Comércio, a Praça Waldemar Falcão, o Banco do Brasil (agência metropolitana) e a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - EBCT.
O Mercado de Ferro foi desmontado em 1939 sendo dividido em duas partes, indo uma para a Praça Paula Pessoa (São Sebastião) e a outra metade para a Aldeota, na Praça Visconde de Pelotas (Pinhões).
A parte da Praça São Sebastião foi desmontada em 1968 e levada para a Aerolândia, onde ainda se encontra e no local foi levantado um galpão de alvenaria, com telhas de amianto, que já foi demolido, para a construção de uma praça para o novo Mercado de São Sebastião.
Ao lado da Praça Carolina, foi construído o Mercado Central, que agora tem novo prédio na Avenida Alberto Nepomuceno, e já foi desativado em sua parte interna.
Na parte norte da praça, existia dois quiosques de ferro/madeira, a mercearia do João Aleixo e o Café Fênix, tendo por trás, um outro retangular, que abrigava o Engenho Bem Bem, que comercializava a garapa de cana, hoje chamada de caldo de cana.
A Praça Waldemar Falcão inaugurou-se em 1939.




No dia 29 de junho de 1830, inaugura-se o antigo Campo D'Amélia, uma homenagem à Imperatriz D. Amélia de Leuchttemberg, chamou-se também Senador Carreira em 1882, Da Via Férrea em 1890 e a partir de 1932, Praça Castro Carreira.
Popularmente, desde o advento da Estação de trem (1871), chama-se Praça da Estação.
No dia 24 de maio do ano de 1900, foi inaugurada no centro da praça a estátua do General Sampaio, sobre uma coluna de mármore.
No mesmo ato foram inauguradas também a Rua 24 de Maio e Rua General Sampaio.
No dia 24/05/1966 a estátua foi retirada e levada para a Avenida Bezerra de Menezes sem seu pedestal, que foi destruído, e juntados a ela os restos mortais do homenageado.
Em 1981 foi a estátua novamente deslocada, desta feita para a Avenida 13 de Maio, em frente ao 23º BC, sem que acompanhassem os seus restos mortuários.
Em 1996 por iniciativa do Instituto do Ceará, tanto a estátua como os restos mortais do general foram transferidos e hoje se encontram em frente a 10ª Região Militar, na Avenida Alberto Nepomuceno.


No dia 06 de dezembro de 1842, a Lei nº 264 autoriza a Câmara a reformar o plano da cidade de Fortaleza.
Existia no local da atual Praça do Ferreira o Beco do Cotovelo, que foi demolido por iniciativa do boticário Antônio Rodrigues Ferreira (Boticário Ferreira) para construção da Praça Pedro II, que ficou mais conhecida como Feira Nova, mas então apenas um areal até 1902, com quatro quiosques nos cantos e uma cacimba (poço) no centro e vários "frades de pedra" (colunas feitas de pedra de Lisboa).
Os quiosques eram o Café Java, no canto nordeste; o Café Elegante (assobradado), na esquina sudeste; o Restaurante Iracema, no canto sudoeste e o Café do Comércio (assobradado), no canto noroeste. Entre o do Comércio e o Java.
O intendente coronel Guilherme César da Rocha (Guilherme Rocha) em 1902 procedeu a primeira urbanização parcial, fazendo em um trecho o belo Jardim 7 de Setembro, murado com grades de ferro, uma caixa d'água, conservando nos cantos os cafés, inaugurada no dia sete de setembro.
Em outubro de 1920 o então prefeito Godofredo Maciel demoliu os quatro cafés, construiu um coreto sem coberta e mosaicou toda a praça.
Em 1925 constrói o coreto coberto.
Raimundo Girão em 1933 constrói a Coluna da Hora e derruba o coreto.
No ano de 1949, gestão de Acrísio Moreira da Rocha, é construído, entre a Rua Floriano Peixoto, Rua Guilherme Rocha, Rua Major Facundo e Travessa Pará, o Abrigo Central.
Em 1967 a Coluna da Hora é demolida na gestão de Murilo Borges e na gestão seguinte, de José Walter Barbosa Cavalcante, é destruída a Praça do Ferreira, demolido o Abrigo Central e feita uma nova praça com elevados blocos de concreto, posicionados em diferentes pontos, dificultando a circulação popular e os agrupamentos que a caracterizavam e um subterrâneo que abrigou a Galeria Antônio Bandeira.
Em 1991 o prefeito Juraci Vieira Magalhães manda derrubar a praça tão criticada pelo povo e pela imprensa e constrói uma nova com base na antiga praça, colocando uma nova versão da Coluna da Hora agora com fontes d'água e a antiga cacimba é redescoberta e conservada ao centro.


Nomes que teve a praça:
Feira Nova - Lugar onde se realizavam as feiras semanais, deslocando o centro da cidade da Praça da Sé, para o novo logradouro.
Largo das Trincheiras - Não se sabe bem se foi por uma batalha entre Holandeses e Portugueses, ou por causa do nome de um Senador que vivia ali e era apelidado de "Trincheiras."
Pedro II - Em 1859, em homenagem ao Imperador.
Do Ferreira - Em 1871, após a morte do Boticário Ferreira, em reconhecimento pelos relevantes serviços que prestou a cidade.
Municipal - Durou somente seis meses, retomando ao seu nome anterior.
Além dessas denominações oficiais também era conhecida por "Da Municipalidade", por estar defronte do prédio da Intendência Municipal.



Em 1864, é iniciada a construção do Passeio Público no Largo da Fortaleza ou Campo da Pólvora, que era a primeira praça da povoação, na gestão do presidente da Província Dr. Fausto Augusto de Aguiar, compreendendo três planos, o atual e outros dois mais abaixo, hoje tomados pela Avenida Marechal Castelo Branco (Avenida Leste-Oeste).
O Passeio Público já foi Campo da Pólvora, Largo da Fortaleza, Largo do Paiol, Largo do Hospital de Caridade, Praça da Misericórdia e, a partir de 03/04/1879, Praça dos Mártires.
Teve dois nomes não oficiais: Campo da Pólvora (1870) e Passeio Público, pelo qual é hoje conhecido.
A praça foi urbanizada em 1864.
Havia três planos em três níveis, destinados às classes rica, média e pobre.
Por volta de 1879 as duas praças mais baixas foram desativadas e a atual foi dividida em três setores com a mesma finalidade, ficando os ricos com a avenida do lado da praia, a classe média com a do lado da Rua Dr. João Moreira e os pobres com a central.
Foi nesta época que o passeio recebeu as bonitas grades de ferro que o rodeavam e que foram retiradas em 1939 e recentemente feitas novas de acordo com as antigas.
O nome de Praça dos Mártires é uma homenagem aos heróis tombados ali, pertencentes ao movimento República do Equador, que foram bacamarteados: João Andrade Pessoa Anta, tenente-coronel Francisco Miguel Pereira Ibiapina, padre Gonçalo Inácio de Loiola Albuquerque e Melo Mororó, tenente de milícias Luís Inácio de Azevedo e o tenente-coronel Feliciano José da Silva Carapinima.



Fontes: Livro Cronologia Ilustrada de Fortaleza de Miguel Ângelo de Azevedo, Livro Fortaleza - Praças, Parques e Monumentos de Lídia Sarmiento e José Capelo Filho e Portal do Ceará de Gildásio Sá.


Fotos: Arquivo Pessoal, Arquivo Nirez, Arquivo Assis Lima, Arquivo Carlos Juaçaba, Livro Terra Cearense de 1925 e o Relatório do Interventor Federal Carneiro de Mendonça - 1931 a 1934


segunda-feira, 7 de abril de 2014

A Saga dos Jangadeiros - Uma nova aventura (Parte II)


Continuando...



Observamos a facilidade com que esses trabalhadores são recebidos pelo presidente, prática coerente com o personalismo de Vargas e com o trabalhismo.
Enquanto os cinco pescadores enfrentavam o mar e temporais para chegar até a capital federal, o mesmo José Pinto Pereira, o escolhido para assumir a Delegacia de Caça e Pesca, viaja novamente ao RJ e cerca o presidente e seu ministro no Palácio do Catete.
Por três vezes consegue chegar até Vargas e, segundo acentua o jornal, não consegue chegar perto de seu Ministro da Agricultura. Na terceira vez, se misturando a um grupo de estivadores que estavam em audiência com o presidente, travou com esse o seguinte diálogo:

Vargas, espantado, perguntou ao pescador: _“Você ainda está por aqui?
Então, o que resolveu?” Ao que José Pinto Pereira respondeu: _”Pois é,
Presidente, a verdade é que ainda estou esperando. Já estive mais de dez vezes no Ministério e ainda não pude falar com o Ministro. O meu dinheiro está se acabando e eu acho que vou me embora.”

Se, no contexto de 1941, Vargas e sua equipe receberam os jangadeiros em uma audiência pública, ocasião em que mandou abrir os portões de sua residência oficial, o Palácio Guanabara, em dezembro de 1951, encontrou os jangadeiros em uma audiência privada.
Do Rio de Janeiro, os jangadeiros seguem até o Rio Grande do Sul, revelando aos jornalistas o desejo de conhecer São Borja, terra do Presidente Vargas. Ao governador Dorneles Vargas, primo do presidente, entregam um memorial, e seguem cumprindo uma agenda de visitas e festividades promovidas entusiasticamente pelos gaúchos. 

Em tom de desafio, Mestre Jerônimo revela,  orgulhoso, a um jornalista do Rio Grande do Sul que o próximo destino de uma jangada cearense seria os Estados Unidos da América.


De volta ao Ceará, os tripulantes da Nossa Senhora de Assunção se envolvem com a criação do Sindicato dos Pescadores do Ceará, uma das ações do Estado resultante do acerto de contas por ocasião da viagem. 
O presidente substitui o titular da Delegacia de Caça e Pesca no Estado não pelo pescador José Pinto Pereira, alvo de boatos de ter ligação com o Partido Comunista, mas por Stênio Azevedo, um velho amigo dos pescadores, um “amigo graúdo”, é certo, um dos apoiadores do raid de 1951. 
Também acompanham a execução do “plano completo de amparo aos pescadores e regulamentação das respectivas profissões”, que previa, além da sindicalização, o fornecimento de jangadas aos pescadores. O tal plano devia beneficiar Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Alagoas.


É certo que o elemento impulsionador dessas viagens, ocorridas em 1941 e 1951, é o conhecimento e mesmo a certeza da via direta de entendimento com representantes do governo brasileiro, em especial com o próprio presidente da República

Se Jerônimo e seus companheiros se mostram cansados das promessas, eles ainda demonstram fôlego e confiança nessa via, e apostam nela. Isso faz parte dos ganhos simbólicos dessas viagens que considero de suma importância, especialmente, no fortalecimento da identidade do jangadeiro, dando sinais de reciprocidade na ação do Estado, conferindo aos “porta-vozes”, quatro em 1941 e cinco em 1951, uma legitimidade.

Ser recebido pelo presidente, ficar “ombro a ombro com ele”, como disse Jacaré em 1941, não é pouca coisa.

A liderança política da jangada é transferida para o mestre técnico da embarcação. Na primeira viagem, Jerônimo quase não se manifesta, não usa o microfone nem uma vez, somente em algumas passagens dá algum depoimento. Com a morte de Jacaré, como que por um compromisso moral, é ele quem lidera o grupo, falando aos jornalistas, discursando, tratando com o governador do Ceará, com o presidente da República, enfim...

No começo da década de 1950, a imprensa ainda se mostra sensível à causa dos populares, se colocando como amplificador de suas demandas. 
Os jangadeiros recorrem com frequência a essa via e as viagens não teriam sentido sem a visibilidade proporcionada pelas matérias estampadas nas folhas de jornal de todo o país.

Na viagem de 1951, outro meio de comunicação é bastante mobilizado, inclusive para dar informações sobre o paradeiro dos pescadores; refiro-me ao Rádio Amador.

Os jangadeiros permanecem se valendo de uma dupla estratégia de ação política, combinando-a e acionando-a em momentos que lhes parecem convenientes. Falo da ação de reverência/homenagem e na ação de contestação/protesto. 
Em 1941, em virtude do contexto político, dando provas da negociação da realidade que se opera, o tom de reverência sobressai e é o mais acionado, não tendo consequência o abafamento da contestação.
Jacaré disse a um jornalista do RJ que falou tudo o que queria.


De fato a repercussão política do raid de 1941 foi grande e as denúncias sérias. A escolha do roteiro Fortaleza-Rio Grande do Sul pode ser entendida como representativa da ação de reverência, era uma homenagem ao velho amigo dos pescadores, que queriam conhecer e tocar a terra do Presidente. 

Nesse sentido, participaram de um churrasco na Fazenda Itu, de propriedade do Presidente, e declararam aos jornalistas a disposição de ir até São Borja. Mas não deixaram que suas ações, a viagem arriscada, fossem valorizadas apenas do ponto de vista do feito esportivo.

Em várias ocasiões, Jerônimo tomava para si a palavra e ressaltava os fins políticos que os moviam. 
A vida os obrigava a ser herói, como revelou, mas o que queriam mesmo eram melhores condições de vida para a classe.


Na viagem de 1941, a rede paternalista que cercava os pescadores foi fartamente mobilizada; na de 1951, ela ficou bem mais restrita. Nada de padrinhos, foi outra lição tirada da viagem de 1941. A viagem de 1941 foi um momento importante no aprendizado de classe. Jacaré declarou aos jornalistas que pensava que ia falar em nome dos pescadores do Ceará, mas, ao percorrer o litoral brasileiro e topar com outros “irmãos de palhoça e de sofrimento”, entendeu que falava em nome dos Pescadores do Norte.

Na fala de Jerônimo e dentro das condições de possibilidade dos anos de 1950, era a “classe” que ele e seus companheiros representavam. Não iam mais “pedir direitos” e sim “cobrar” as promessas feitas.

Com a morte do Presidente Vargas, foram silenciadas as vozes dos “pescadores do Norte”?
A pergunta vai ficar, pelo menos por enquanto, sem resposta. Ao invés de respondê-la, informo ao leitor que, em 1958, nas águas desenvolvimentistas do período JK, ainda tremulava a vela de uma jangada, rumo, não aos Estados Unidos, mas a Buenos Aires. O nome da jangada, estampada na branca vela, não era mais a de um santo, mas sim outra homenagem aos trabalhistas: Maria Tereza Goulart, nome da esposa do Vice-presidente João Goulart – um “amigo do presidente Vargas”, como disse um dos tripulantes dessa jangada, o pescador Zé de Lima*

Berenice Abreu de Castro Neves


Fim


*O jornalista Raimundo Caruso entrevistou o pescador Zé de Lima, que viajou juntamente com Mestre Jerônimo até Buenos Aires em 1958. Cf. CARUSO, Raimundo C. Aventuras dos Jangadeiros do Nordeste. Florianópolis: Panan Ed. Culturais, 2004.


Crédito: Berenice Abreu de Castro Neves (Os jangadeiros de Vargas: Reflexões acerca das viagens reivindicatórias de jangadeiros cearenses)


quinta-feira, 27 de março de 2014

A Saga dos Jangadeiros - Uma nova aventura



"...Eu contei um fato que me causou grande impacto na infância: a chegada à Porto Alegre de uma jangada tripulada por cinco jangadeiros, vindos do distante Ceará, lugar que eu mal podia imaginar como seria.
Aos olhos dos gaúchos, os veteranos e bronzeados navegantes nordestinos chefiados pelo lendário Mestre Jerônimo, surgiram (com justiça) como verdadeiros heróis, como se tivessem descido do espaço, vindos de outro planeta. E durante alguns dias, só se falou deles, com justa admiração.
Mas quando, 60 anos depois, resolvi escrever sobre este fato, fiquei surpreso com a quase total falta de informações sobre o assunto, como se aquilo nunca tivesse acontecido!"



Passados dez anos da viagem dos jangadeiros cearenses ao Rio de janeiro, sede do governo Federal, eis que novamente dos “verdes mares bravios”, parte uma nova jangada, dessa vez batizada de Nossa Senhora de Assunção.
O Presidente da Republica era, mais uma vez, repetindo 1941, Getúlio Vargas, que agora estava no poder em um regime democrático e eleito pelo voto dos brasileiros, com expressiva votação entre os operários.
A bordo da Nossa Senhora de Assunção, o mesmo mestre Jerônimo (com 52 anos), o sexagenário Raimundo Correia Lima, o Tatá (com 62 anos), e Manuel Pereira da Silva, o Manuel Preto (com 49 anos), antigos companheiros de Jacaré¹, que fizeram com ele a viagem até a capital da República, a bordo da jangada São Pedro, em 1941.
Mais dois vieram juntar-se aos veteranos: eram os pescadores Manuel Lopes Martins (59 anos) e o sobrinho de Mestre Jerônimo e mais novo do grupo, Manuel Batista Pereira (com 30 anos), a quem o jornalista do Unitário (14/10/1951) descreve como “moço e forte como um touro”.

Na viagem de 1941, se Jerônimo exercia a função de mestre, isso parecia se limitar ao saber técnico indispensável para guiar com segurança a jangada, já que os jangadeiros na época não utilizavam qualquer aparato técnico para orientação, a exemplo da bússola, astrolábio ou carta de navegação. Uma jangada, sendo uma embarcação a vela, movimenta-se, principalmente, pela ação do vento, mudando a posição da vela de acordo com o sentido dos ventos. Aliás, esse saber e o desprezo por aqueles instrumentos eram motivos de assombro por todos que toparam com os jangadeiros da São Pedro, ao longo da costa brasileira.
À admiração de seus contemporâneos, os pescadores respondiam com larga risada, dizendo que os pescadores se guiavam mesmo pelas estrelas.

Em outubro de 1951, os cinco tripulantes da jangada Nossa Senhora de Assunção, partem rumo a Porto Alegre, levando na bagagem, além dos apetrechos necessários a tão longa e arriscada travessia, memoriais contendo a reivindicações da classe. Mas, como disse Mestre Jerônimo a um jornalista, não iam pedir nada de novo, apenar cobrar o cumprimento das promessas feitas.


O “CHEFE DOS PESCADORES” FICA OMBRO A OMBRO COM O “CHEFE DO ESTADO: O PACTO TRABALHISTA, GANHOS SIMBÓLICOS E AS PROMESSAS DE GANHOS MATERIAIS

A VIAGEM DE JACARÉ E DE SEUS COMPANHEIROS EM 1941.


Jacaré, desde quando assume a direção da Colônia de Pesca Z-1, da Praiade Iracema, em 1939, procura a professora da instituição revelando seu sonho de ir até a Capital Federal falar com o presidente. O jangadeiro precisava da professora para aprender a ler e escrever, condição, para ele, necessária para aquela ação. Junta-se  ao companheiro Tatá, mais antigo naquela comunidade pesqueira, agrega outros companheiros, mobiliza os “amigos graúdos”, acionando a rede paternalista que o envolvia, recorre aos jornalistas e autoridades civis e religiosas e parte para “pedir direitos”.  

Leia: A Saga de 1941.


Os pescadores da jangada São Pedro, ouviram de Getúlio Vargas “promessa” de ganhos materiais, vislumbrados com a assinatura do decreto incorporando-os no importante Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Marítimos. Jacaré, matreiro e esperto como era, declarou ao jornalista cearense Paulo Cabral, em seu retorno a Fortaleza: “aquele decreto, se for cumprido, pra nós é um colosso”.
O decreto assinado por Vargas, como resposta às reivindicações dos jangadeiros, se mostrou ineficaz para resultar em benefícios concretos para a categoria. Sendo a pesca artesanal uma atividade semiautônoma, que gera uma baixa acumulação de capital financeiro aos pescadores, e ainda em decorrência da parcial subordinação desses trabalhadores aos proprietários dos meios de produção, em especial a jangada, não era possível contribuir com o sistema previdenciário e dele obter benefícios sociais.

Como parece ter vislumbrado Jacaré, aquelas promessas sinalizadas com o decreto não foram cumpridas.

EM OUTROS MARES, SEMPRE A MESMA JANGADA CABOCLA: A COBRANÇA DAS
PROMESSAS E O ACERTO DE CONTAS

Em 1951, passados dez anos da viagem da São Pedro, novamente os jangadeiros do Ceará visitam recorrentemente a redação dos jornais locais, em especial o jornal dos Diários Associados, o Unitário, a fim de sensibilizar as autoridades e a opinião pública para a miséria em que continuavam vivendo. Os Diários Associados, de Assis Chateaubriand, fizeram o patrocínio jornalístico em 1941, tanto os jornalistas e os jornais do Ceará, como aqueles de outros estados por onde passou a São Pedro, cobrindo com farto material aquela viagem. Mesmo antes dela, os jangadeiros já se utilizavam da imprensa como um canal de divulgação de seus protestos e demandas, a exemplo do protesto realizado em 1939, ano em que Jacaré assume a presidência da Colônia Z-1, quando cerca de 100 jangadeiros vão aos jornais reclamar da lei municipal que fixava certos pontos para a venda do pescado.


Em julho de 1951, Jerônimo, a quem o jornalista se refere como alguém “sensível à miséria dos pescadores”, procura a redação do Unitário e revela que havia ido até o Presidente Vargas reivindicar, dentre outras coisas, a retirada do atual titular da Delegacia de Caça e Pesca no estado, e autorização para que os pescadores pudessem, eles próprios, fiscalizar a movimentação financeira das colônias.



Essa viagem, feita na terceira classe de um navio do Loyde, resultou em uma “acerto”, segundo expressão do jornalista, entre o pescador e o presidente, tendo esse último se comprometido a atender as reivindicações. Aos pescadores, segundo o “acerto”, cabia a escolha de alguém representativo da categoria. Em reunião, os pescadores escolheram o pescador José Pinto Pereira para representá-los.

A demora no cumprimento dessa promessa parece ter estimulado o veterano Jerônimo a novamente arrumar uma jangada e partir – dessa vez não falam em “pedir direitos”, o tom é de cobrança. Mais uma vez, é acionada a estratégia política de provocação da opinião pública e das autoridades, com uma viagem de jangada. Veja o tom da decisão de Jerônimo:

O que queremos é que melhores condições de vida, tantas vez prometidas, nos sejam dadas. (...) Somos obrigados a ser heróis (...) desde uma vez que nossa vida nos obriga continuamente a ser heroicos. Nosso raid ao Rio Grande do Sul será apenas para cobrar as promessas feitas, e essa cobrança só poderá ser feita de corpo presente, como vamos fazer.


Mas, de “corpo presente”, a demanda já tinha sido feita em julho desse mesmo ano. Na verdade, o que a viagem de 1941 ensinou a esses jangadeiros era a imensa capacidade de sensibilização, pela visibilidade que confere, de uma viagem de jangada.
Apesar de serem “outras águas” a serem singradas, me refiro tanto os mares no trajeto ao Rio de Janeiro ou Porto Alegre, como ao ambiente político. A embarcação era a mesma velha e rústica jangada de seis paus de piúba e no poder um velho conhecido dos pescadores, o Presidente Getúlio Vargas.

Diferente, também, era o tom das matérias jornalísticas que trataram da viagem e das demandas dos jangadeiros. A euforia dos tempos do Estado Novo foi substituída por ironias e cobranças ao presidente e à sua política. No caso dos jangadeiros, os jornalistas enfatizavam a questão das promessas não cumpridas. Mas, contrariando as expectativas dos jornalistas, e mesmo demonstrando um certo cansaço, Mestre Jerônimo continua a insistir na via do Estado para a solução dos problemas dos jangadeiros. Falando a um jornalista, criticou o Ministro da Agricultura, mas continuou a dar mostras que a confiança em relação ao Presidente não foi abalada: 

Nada temos. O pescador do NE vive como Deus é servido, sem amparo, sem assistência de qualquer de qualquer espécie. A jangada é sua única riqueza. (...) O Ministro da Agricultura mandou ao NE um técnico desses ensacados, que nada entendem do assunto, e vivem a atrapalhar os jangadeiros. O jangadeiro, no entanto, não perdeu esperança no presidente da República.

Continua...

¹Manuel Olímpio Meira, conhecido como Jacaré, morreu nas águas da Guanabara, em 19 de maio de 1942, quando filmava para o diretor americano Orson Welles as cenas da chegada da Jangada São Pedro ao Rio de Janeiro.


Crédito: Berenice Abreu de Castro Neves (Os jangadeiros de Vargas: Reflexões acerca das viagens reivindicatórias de jangadeiros cearenses)


terça-feira, 25 de março de 2014

A União trouxe a Liberdade - Ceará Terra da Luz


Jangadeiros usaram suas embarcações para lutar contra a escravidão no Ceará.


"Acompanhados de seus escravos, alguns negociantes aguardavam na Praia do Peixe – atual Iracema – a chegada das jangadas que iriam transportar quatorze cativos numa viagem até o Sul. Aparentemente, a cena era corriqueira, mas, naquela manhã de 27 de janeiro de 1881, todos foram surpreendidos pela atitude dos jangadeiros. Eles se recusaram a pôr os cativos em suas embarcações, num episódio que marcou para sempre a luta contra a escravidão no Ceará.

Desde o período colonial até os tempos do Império, o comércio interno de escravos, ou tráfico interprovincial, era uma constante no atual território brasileiro. Ele envolvia a transferência de cativos de uma região para outra, fosse por compra, troca, venda ou doação. Desde o século XVIII, o escravismo no Ceará foi, em grande parte, resultado desse tipo de negócio. Os escravos, em sua maioria, eram oriundos de províncias vizinhas, como Pernambuco, Maranhão e Bahia, e também vinham da África pelos portos de São Luís e Recife. Mas foi a partir de 1850, com a proibição do tráfico de cativos procedentes do continente africano, que o tráfico interprovincial passou a se intensificar e a ganhar relevância em todo o território do Império brasileiro.

Enquanto traficantes ganhavam cada vez mais dinheiro com esse comércio, começou a ser organizado um movimento abolicionista local, que teve mais força depois que três anos de seca (1877-1879) que se abateram sobre Fortaleza. A estiagem prolongada vitimou principalmente os escravos, que sofreram com a fome e com diversas doenças, e acabaram servindo de moeda corrente em tempos de penúria, transformando-se na salvação de senhores arruinados. Em 1879, um grupo de jovens que não suportava mais ver as humilhações impostas aos cativos que chegavam com as caravanas vindas do interior, resolveu fazer alguma coisa. Influenciados pelas ideias liberais que estavam em voga, eles organizaram uma associação destinada à compra das alforrias de escravas, já que os homens eram a principal mercadoria do comércio interno. A entidade abolicionista criada por esses jovens ficou conhecida como Sociedade Libertadora Perseverança e Porvir.


Segundo informações do livro de atas da associação, na noite de 26 de janeiro de 1881, o abolicionista José do Amaral sugeriu que se tomasse alguma medida para impedir, à força, que continuasse o tráfico de escravos que saía de Fortaleza. O mais curioso nessa história é que estava presente ao encontro um mulato chamado Francisco José do Nascimento, o Chico da Matilde, prático-mor do porto, que posteriormente receberia a alcunha de Dragão do Mar. Ele liderava o grupo dos jangadeiros ao lado do negro liberto Antônio Napoleão, que chegara a juntar vintém por vintém para comprar sua alforria, a da família e a dos amigos, gesto que foi determinante para torná-lo muito respeitado entre a classe.

O fato é que ninguém podia imaginar que homens simples afrodescendentes seriam capazes de desafiar uma organização extremamente poderosa. Mas a proposta dos abolicionistas só poderia dar certo com a participação dos jangadeiros. E foi o que ocorreu. Sem eles, que eram os últimos a ter contato com os escravos embarcados, o movimento não teria sucesso.

Napoleão, Nascimento e seus colegas tinham motivos de sobra para aderir a essa causa. Muitos escravos devem ter pedido a eles que não fossem embarcados e relatado terríveis histórias de sofrimento por terem sido separados dos seus. Assistir a esse teatro de horrores provavelmente fez crescer entre os jangadeiros a consciência de que aquela situação precisava mudar. Mas para que pudessem se organizar a ponto de paralisar o tráfico, teve que surgir entre eles um consenso sobre o que representava aquele ato.


Foi na Perseverança e Porvir que a classe encontrou o apoio necessário para acabar com o  transporte de cativos. E reuniu forças para realizar um feito até então inusitado. Tanto que, naquela manhã de 27 de janeiro, os encarregados do embarque de escravos foram surpreendidos com a recusa dos jangadeiros em transportá-los. Diante da situação, conforme foi noticiado no jornal O Libertador, “os negreiros recorreram a todos os expedientes: oferecimento, promessas, suborno, ameaças; tudo, tudo foi baldado”.

A notícia dessa ação dos jangadeiros se espalhou, e as pessoas começaram a se dirigir à praia para ver de perto uma cena inédita. Afinal, um grupo de pescadores pobres, liderados por negros, pardos e mulatos, enfrentava os representantes de uma elite de poderosos comerciantes e traficantes. Segundo O Libertador, “mais de 1,500 homens de todas as classes e condicções” se encontravam ali, acompanhando a resistência dos jangadeiros. Em solidariedade ao protesto, muitos gritavam: “Nos portos do Ceará não se embarca mais escravos!”. O movimento, que se repetiu algumas vezes nos dias seguintes, até 31 de janeiro, ganhava sua primeira batalha.


Meses depois, em 30 de agosto de 1881, haveria uma nova tentativa de embarcar escravos, desta vez para o Norte. Apesar de o presidente da província e o chefe de polícia recém-nomeados apoiarem francamente os negreiros, os jangadeiros obtiveram outra vitória, e o porto de Fortaleza acabou sendo fechado definitivamente para o comércio interno de escravos. Tudo isso com o apoio do tenente-coronel Francisco de Lima e Silva, parente do duque de Caxias, que estava à frente do 15º Batalhão de Infantaria.

Mesmo com todas as mudanças em curso na sociedade cearense, os negreiros ainda eram capazes de dar algumas demonstrações de força. Os abolicionistas podiam ter o suporte do comandante do 15º Batalhão de Infantaria, mas os comerciantes de escravos ainda conseguiam se valer de todos os meios para manter seus lucros. Segundo o Livro de Actas da Sociedade Perseverança e Porvir, chegou a ser ordenado que uma flotilha da Marinha de Guerra fosse enviada para proteger o tráfico e até bombardear a cidade dos revoltosos. Mas, com o tempo, esse esforço acabaria provando ter sido em vão.

Os abolicionistas teriam muito a perder, pois os negreiros fariam de tudo para não deixar nenhum de seus adversários impune, valendo-se de perseguições, medidas repressivas e punições. Segundo o Livro de Actas, Lima e Silva foi removido do seu cargo, assim como o promotor público da capital, Frederico A. Borges, e de dois oficiais da guarda urbana.Além disso, o Dragão do Mar foi destituído de seu posto de prático-mor do porto.


Os acontecimentos no Ceará acompanharam mudanças na legislação a respeito da escravidão em outros cantos do Império. Nas principais províncias do Sudeste, começaram a ser adotadas leis que restringiam a entrada de escravos vindos do Norte, medidas que geraram um movimento com forte participação popular. Com o fechamento do porto de Fortaleza ao tráfico em 1881, a venda de cativos para outras províncias acabou sofrendo um duro e decisivo golpe, fortalecendo a luta abolicionista, que no dia 25 de março de 1884 acabou levando a Província do Ceará a proibir a escravidão. A luta para acabar com o tráfico interprovincial na região, com a fundamental ação dos jangadeiros, saiu vitoriosa, fazendo a “abolição” chegar ao Ceará alguns anos antes da Lei Áurea, de 1888."


José Hilário Ferreira Sobrinho 
(Professor da Faculdade Ateneu no Ceará 
e autor de Abolição no Ceará: 
um novo olhar(Imeph, 2009).

Bibliografia

AMARAL VIEIRA, Roberto Attila do. Um herói sem pedestal – a Abolição e a República no Ceará. Fortaleza: Imprensa Oficial do Ceará, 1958.

GONÇALVES, Adelaide; FUNES, Eurípedes. “Abolição – manifestação e herança. A Abolição da Escravatura no Ceará: uma abordagem crítica”. Cadernos do NUDOC nº 1. Fortaleza: Departamento de História/UFC, 1988.

MOREL, Edmar. Vendaval da liberdade: a luta do povo pela abolição. São Paulo: Global, 1988.


 

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